TRT11 não homologa acordo e reconhece vínculo entre Uber e motorista

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A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (TRT11) rejeitou a homologação de acordo entre a Uber e um motorista, e reconheceu o vínculo empregatício do trabalhador. O tribunal entendeu que o acordo, firmado um dia antes do julgamento, foi uma tentativa da empresa de criar uma “uniformidade jurisprudencial” em seu favor.

“Esta prática é decorrência da conhecida jurimetria, uma espécie de estatística do direito que, inclusive, em alguns casos, utiliza inteligência artificial para alcançar fins, , de acordo com o ordenamento jurídico, sem que a priori os julgadores percebam o que está, em verdade, ocorrendo. Jamais pode ser aceita no Poder Judiciário, ainda mais quando posto em Juízo preceitos e princípios constitucionais que perpassam o interesse meramente individual do reclamante”, escreveu a desembargadora Ruth Barbosa Sampaio, no acórdão. A decisão foi unânime.

Para a turma, houve ainda uma tentativa de “fraudar os direitos postulados” pelo motorista, já que o acordo previa que o reclamante não poderia voltar a firmar nova relação de trabalho com a empresa. “A rigor, a reclamada (Uber) busca se valer da fragilidade do trabalhador, sobretudo neste momento de pandemia da Covid-19, para obstar os direitos básicos e constitucionais do obreiro. Ninguém pode renunciar ao trabalho digno, pois este não é apenas fonte de subsistência, mas, também, de realização, inserção social do trabalhador e da dignificação da pessoa humana”, destacou a relatora.

Em relação ao vínculo, o TRT11 entendeu que estão presentes a pessoalidade, a onerosidade, a não eventualidade e a subordinação. A desembargadora afirmou que os motoristas da Uber “não podem escolher o preço das viagens, trajetos a serem percorridos e quais clientes vão transportar (limite de cancelamentos de corridas)”, e destacou que o percentual das viagens auferido pela reclamada é dinâmico, os recibos são emitidos pela própria plataforma, fiscalização e controle por GPS e meios telemáticos, controle da forma da condução do veículo e velocidade.

“Tais fatos não condizem com a autonomia defendida pela reclamada”, apontou a magistrada, que ainda citou a doutrina para dizer que existe uma “subordinação psíquica” entre a empresa e os motoristas. “Nesse contexto, a subordinação psíquica é aquela em que o prestador de serviços (empregado, no caso) fica vinculado à prestação dos serviços pela necessidade de subsistência ou até mesmo para que não seja excluído daquela prestação por não ter realizado ativações suficientes para a permanência naquele vínculo ao alvedrio do algoritmo/organização”, disse.

A ação tramita com o número 0000416-06.2020.5.11.0011.

Em nota enviada ao JOTA, a Uber afirmou que vai recorrer da decisão, que “representa entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio TRT11 e pelo Tribunal Superior do Trabalho”. Leia a nota abaixo:

“A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 3ª Turma do TRT da 11ª Região, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal Regional e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) – o mais recente deles no mês passado.

Ao recusar acordo firmado entre as partes, a Turma passa por cima da vontade expressa de seus jurisdicionados e desconsidera completamente a diretriz da Justiça do Trabalho de preferência pela solução consensual de conflitos. Além disso, a afirmação de que a Uber tenta “controlar a jurisprudência” não se sustenta quando confrontada com a realidade. Do total de ações contra a Uber finalizadas até 2020, cerca de 10% resultaram em acordos, índice que representa menos da metade da média na Justiça do Trabalho (24%) e também é inferior à média de todo o Poder Judiciário no país (13%), de acordo com o mais recente relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça.

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça do Trabalho vêm construindo sólida jurisprudência confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros, apontando a inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de mil decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho neste sentido, sendo que não há nenhuma decisão consolidada que determine o registro de motorista parceiro como empregado da Uber.

Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.

O TST já reconheceu, em quatro julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. No mais recente, a 5ª Turma considerou que o motorista “poderia ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”.

Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe “autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.

Entendimento semelhante já foi adotado em outros dois julgamentos do TST em 2020, em fevereiro e em setembro, e também pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de 2019.”

Fonte: Jota.info