RONDÔNIA, A FRONTEIRA AGRÍCOLA QUER SE MODERNIZAR E CRESCER

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Lavoura Soja — Foto: Divulgação

As contradições de um estado pujante na economia, com práticas políticas ultrapassadas  e com forte resistência em incluir são os desafios para o próximo governador do estado

 As vésperas de iniciar o debate político que, espera-se, acompanhe as eleições estaduais e nacionais, é de bom tom sugerir que estes se concentrem em temas que interessem ao conjunto da sociedade que, pelas mais variadas razões, vão escolher os seus governantes. É razoável também que estes debates antecipados, quando feitos por agentes sem interesse direto nos resultados eleitorais, sejam distanciados de emoções, de distorções oportunistas ou de viés pessoal naquilo que for possível. Ou se faz esta provocação, com responsabilidade, ou o debate fica circunscrito aos temas de interesse daqueles que vão disputar os cargos.

O estado de Rondônia vive, a partir do ano 2010, período de significativa pujança econômica, resultado da diversidade produtiva iniciada com o “ciclo das faculdades” e potencializada pelo incremento de alguns setores industriais e de serviços. Mas, é inegável que o setor do agro tem sido o grande protagonista econômico deste período. Fortemente concentrado na produção de commodities (carne, leite, soja, café), o setor utiliza bem os modais de transporte existentes e potencializa o vazio demográfico ainda remanescente. Se compararmos a extensão territorial do estado (237.765 km²) com a de São Paulo (248.219 km²) e cruzarmos com a densidade demográfica daqui (6,58 pessoas por km²) com a do estado paulista (161,23 pessoas por km²), constata-se que ainda há muito espaço para que o agro cresça na ocupação espacial do estado.

O protagonismo do agro na economia do estado resultou numa distorção quando se olha a composição do seu Produto Interno Bruto – PIB. O Valor Bruto da Produção – VBP (indicador que compara o que foi produzido e o que recebe quem produz) do setor chegou a 32% do Produto Interno Bruto – PIB do estado em 2020. Isto é, dos quase 48 bilhões de reais do PIB estadual, 15,3 bilhões de reais vieram do agro. A indústria foi responsável por 15%, ou 7,2 bilhões.

A continuidade deste ciclo exige, no entanto, reflexões sobre os seus resultados e a apropriação da riqueza gerada. Três variáveis se impõem no debate se a continuidade do processo foi imperativa para o estado, ou este se deixar orientar pela lógica do capital já instalado.

A primeira variável, que permite a comparação com o estado de São Paulo, é a dimensão geográfica parecida dos dois estados e daquilo que produzem. Com 257.765 km² de Rondônia e 248.219 km² de São Paulo, lá, como cá, a produção do agro se concentra em quatro produtos (café, leite, cana de açúcar e laranja). No entanto, duas diferenças influenciam negativamente a economia rondoniense. A primeira é que, em São Paulo, o agro encontrou uma economia bastante industrializada, de modo que os produtos do campo tivessem valor agregado quase dentro das unidades produtivas. A outra diferença é a existência e proximidade de mercado consumidor, também quase na porteira de quem produz. Esta combinação permitiu vantagens comparativas ao produtor paulista, além de maior lucratividade.

A segunda variável, esta de natureza inegociável, é a questão ambiental. Ao contrário de São Paulo, Rondônia está localizado numa região destinada a manter o equilíbrio natural do planeta e, por isso, convive com restrições severas do uso do solo. A outrora condição para a expansão da fronteira agrícola promovida pelo POLONOROESTE já não existem mais.

A terceira variável, esta com maior potencial de dano à economia, é o impacto que a continuidade do ciclo do agro causará na produção de alimentos e na destinação das terras ainda agricultáveis da pequena produção familiar. A experiência de São Paulo demonstra que a expansão das áreas produtivas de suas culturas resultou no desaparecimento da agricultura familiar e da pequena propriedade rural, cuja produção de alimentos hoje está imprensada nos municípios à leste da Região Metropolitana da Capital e dispersa nos assentamentos de reforma agrária do estado.

Pelo lado da gestão pública, os ajustes são ainda mais desafiadores. Tendo origem em um Território Federal, o estado de Rondônia herdou todas as virtudes e defeitos que isso implica. E, lógico, os defeitos superam em muito as virtudes.

Numa comparação rudimentar, o estado de Rondônia dispõe de 109.520 servidores públicos, nos três entes, incluindo as forças de segurança. Isto significa que há uma proporção de 01 servidor para cada 16.572 cidadãos para serem atendidos pelo serviço público. Essa proporção quase dobra no estado de São Paulo, que consegue atender 31.704 cidadãos com cada servidor público dos seus quadros. E, pelo que consta, não há nada que desabone a prestação dos serviços públicos paulista para além do que se convencionou aceitar como razoável.

Diante das questões colocadas, os candidatos a governador do estado devem se aprofundar na proposição de soluções para os seguintes gargalos: a) como equilibrar a produção de commodities e de alimentos para consumo interno, sem aumentar o fluxo de pessoas do campo para as cidades; b) Como agregar valor aos produtos agrícolas e pecuários sem impulsionar a indústria, sempre tratada como patinho feio da economia estadual; c) A agricultura familiar é o esteio alimentar da sociedade e já faz isso em áreas reduzidas, logo, o seu achatamento pela grande produção de grãos deve ser evitado a todo custo; d) A regularização fundiária seria uma solução para conter a expansão das áreas agricultáveis, mas há forte resistência na sua implementação; e) A preservação ambiental tal como prevista em Leis é, para alguns, entrave ao desenvolvimento. Na lógica consensual que permeia o debate sobre a Amazônia, a Floresta tem mais valor em pé do que derrubada. Logo, será necessário bancar uma posição ou outra, custe o que custar; f) A modernização administrativa é um imperativo para o equilíbrio financeiro do estado, uma vez que está demonstrado o excesso de servidores para o atendimento à população. Neste caso, a tecnologia tem papel importante e deve ser prioridade na agenda do governo.

Para concluir, é necessário avaliar quem se beneficiará da continuidade do ciclo do agro tal como ele segue. A realidade tem mostrado que a lógica econômica que o orienta é estimuladora de concentração de riquezas e de potencial reduzido de geração de empregos, pois o seu nível de competitividade depende de forte aporte de tecnologia. E o agro não tem poupado investimentos nisso.

Se não gera empregos em quantidade suficiente para mitigar os danos sociais e ambientais, a riqueza que gera serve a poucos. Logo, é grande porção do estado servindo um punhado de pessoas – reduzindo chances de mobilidade social para milhares de outros cidadãos.

Este é o grande debate que, esperamos, logo se inicie.

Elizeu Lira, 59 anos, sociólogo

Marcelo Braga, 48 anos, analista de sistemas