Faltou combinar com os russos, por Gregorio Duvivier

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Palácio Capanema, sede da Funarte no Rio de Janeiro, foi ocupada nesta manhã
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Na Folha

Reza a lenda que na Copa de 58, o técnico Feola bolou um esquema infalível contra a seleção soviética: Nilton Santos lançaria a bola pela esquerda para Garrincha, que driblaria três russos e cruzaria para Mazzola marcar de cabeça. Garrincha ouviu o professor atentamente: “Tá legal, seu Feola, mas o senhor combinou com os russos?”.

“Primeiro a gente tira a Dilma”, dizia o pessoal do impeachment. “Depois a gente derruba o Temer. Aí a gente prende o Cunha. Quando ele cair, a gente cassa o Renan. Daí pronto: eleições gerais.” O plano era infalível. Só esqueceram de combinar com os russos.

No poder, o presidente interino (não pronunciarei mais seu nome) já mostrou que não tem a menor intenção de renunciar –apesar de ter assinado as mesmas pedaladas que derrubaram Dilma. Parabéns a todos os que produziram o efeito dominó mais curto do mundo: parou na primeira peça.

Os russos roubaram a bola antes dela chegar ao ataque e fizeram sete gols. O secretario de segurança genocida foi premiado com a Justiça. A Educação ficou com o PFL (me recuso a chamar de Democratas) –partido que foi contra o ProUni, o Fies, os royalties para educação. A Cultura foi pro mesmo lugar que a democracia: debaixo da terra. Ou do PFL. O que é pior. Serra no Exterior –um sujeito que não tem sequer um amigo vai cuidar da diplomacia. Mudaram a CGU –e junto com ela a torneira da Lava Jato.

Achei que aqueles que eram contra a corrupção iriam às ruas contra o primeiro presidente brasileiro que já assume com a ficha suja. Não foram. Achei que fossem contra a indicação de ministros citados na Lava Jato. Tampouco foram. O pato da Fiesp acordou rouco. As panelas voltaram à cozinha. Durante o discurso do vampiro embalsamado que nos governa, tudo o que se ouvia era um silêncio ensurdecedor.

Cheguei a ouvir: “ao menos esse presidente fala bem o português”. A vontade é enorme de gostar do mordomo interino. Pode roubar, matar, e esconder cadáver, mas pelo menos não erra o plural.

Não se esqueçam do Carlos Lacerda, que fez o que pôde pro governo de Jango cair. Quando o golpe chegou, teve os direitos políticos cassados. Tentou reclamar –era tarde demais. “Mas não era isso que você queria?”, poderiam argumentar os militares.

O golpe chegou. Vale lembrar de Lacerda. Quem pediu o golpe não estará imune a ele. É o momento de deixar claro que não era isso que vocês queriam. Com esse silêncio todo, fica parecendo que era.

Gregorio Duvivier