O General, o STF e o Presidente

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Em 1889, uma crise política acontecia no Senado do Império.  Os custos com pensões dos ex-combatentes da Guerra do Paraguai eram muito altos para o Brasil e o debate sobre o salário dos militares tornou-se o centro das atenções no Poder Legislativo.   Os militares, liderados pelo Marechal Deodoro da Fonseca, exigiram e conseguiram que Pedro II, usando do Poder Moderador, destituísse o gabinete Ouro Preto e nomeasse outro, que fosse mais sensível às demandas militares.  Benjamin Constant, ex-combatente da Guerra do Paraguai e republicano ferrenho, aproveitou a crise e mentiu para Deodoro que o imperador iria nomear Gaspar da Silveira Martins como chefe do novo gabinete.  Deodoro, furioso por ter Gaspar Martins como desafeto, saiu de casa para Proclamar a República, inaugurando-a com um Golpe Militar.  Na verdade a construção do golpe se havia iniciado dois anos antes, quando Benjamin Constant fundou o Clube Militar.  Com o sucesso do golpe, Benjamin virou Ministro da Guerra e foi promovido a General de Brigada.

Em 2018, o Juiz Sérgio Moro, de Curitiba, julga um caso que teria acontecido em São Paulo e baseado em denúncias imprecisas de pessoas pressionadas por prisões e achaques jurídicos, prende o ex-presidente Lula para garantir que o mesmo não possa concorrer às eleições presidenciais.   Fruto de sua ação, Jair Bolsonaro é eleito presidente e o nomeia ao cargo de Ministro da Justiça com a promessa de posteriormente o promover a Ministro do STF…

Como se pode observar, golpismo no Brasil é recorrente…

Quando o Supremo Tribunal Federal julgou um habeas corpus para o ex-presidente Lula, na época preso, acusado pela Operação Lava-Jato de ter recebido, indevidamente, um apartamento tríplex, o “Ministro da Guerra”, General Villas-Boas, em uma mensagem no Twitter, ameaçou a ordem institucional sem nenhum pudor.

Pouco tempo depois, o conteúdo das conversas entre os procuradores da Operação Lava-Jato e o Juiz Sérgio Moro vêm a conhecimento público e mostram que o julgamento e a condenação do Ex-Presidente Lula foram uma farsa.  Uma farsa apoiada pela mídia, pelos militares, por grandes empresários e por parte do Parlamento.   Em síntese, uma farsa apoiada pelos golpistas que haviam derrubado, em 2016, a presidenta Dilma Roussef e tinham urgência em enterrar de vez qualquer possibilidade de retorno de um governo popular que impedisse a consolidação do golpe.

Quando uma turma do STF vai julgar se a defesa de Lula pode ter acesso oficial ao conteúdo das conversas vazadas, aparece o Gen Villas-Boas, através de citação em uma entrevista transformada em livro, informando que na ocasião do questionamento do habeas corpus a Lula o twitter ameaçador não era pessoal.  Muito pior!  Teria sido institucional após consulta à todo o alto comando das Forças Armadas.

Quando jovem, durante a ditadura dos militares, eu ouvia deles que a democracia no Brasil era impossível porque o povo não sabia votar.  Saber votar, para eles, era defender o bem do Brasil.  E o bem do Brasil era aceitar a exploração dos trabalhadores, a corrupção e o enriquecimento dos apaniguados, em suma, o domínio do capitalismo internacional.  Um mantra que se repete até hoje, quando, todos os dias, a TV Globo,  transformada em rede pela ditadura militar, inicia as notícias informando os movimentos do mercado financeiro e suas “tendências”.  Interpretando esses movimentos e prognosticando tendências conforme seus interesses econômicos e políticos.

O presidente eleito no contexto do Golpe e pelo impedimento da candidatura do ex-presidente Lula, Jair Bolsonaro, como bom capitão, declarou que “Nós militares das Forças Armadas seguimos o norte indicado pela nossa população”.  Ora, por óbvio, numa democracia, o povo define seu “norte” no processo eleitoral e não na caserna.   Na mesma ocasião, afirmou que as Forças Armadas são o “último obstáculo para o socialismo” e que “quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as suas Forças Armadas”.

A direita liberal, formada por partidos como o PSDB e DEM, contando com o apoio de setores do MDB e do PDT, entre outros, partiu para o golpe depois da derrota de Aécio para Dilma em 2014, como a última possibilidade de assumir o governo para implantar sua agenda de privatizações e diminuição da segurança social dos trabalhadores.  Uma exigência de seus financiadores – o mercado financeiro. Afinal, como uma orquestra regida pela rede Globo, onde tudo é feito para que o “deus mercado” esteja satisfeito com os sacrifícios oferecidos pelo povo brasileiro…   Não imaginavam estes partidos que, ao romperem com a ordem democrática, estariam impulsionando os setores autoritários do Estado a assumirem o controle do governo.   Encontram-se hoje numa “saia-justa”.  Precisam derrotar a extrema-direita sem deixar que o governo popular retorne ao poder…

Submetido à tutela militar, o povo brasileiro ouve a ameaça de transformarem nosso país numa reedição de Miamar, onde, após ter o seu candidato derrotado por mais de 80% da população, os militares deram um golpe, prenderam a presidenta eleita e assumiram o governo.

A pergunta a ser feita para nossas Instituições é se nossa democracia é tão fraca que só pode viver e subsistir sob tutela militar?  Ou, como diz Bolsonaro, quem decide se somos uma democracia ou ditadura são as Forças Armadas.

Ronald Pinto