Força-tarefa investigará rompimento de barragem em Machadinho do Oeste

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Estruturas se romperam e vazaram água, areia e argila em Machadinho d’Oeste, deixando ao menos cem famílias isoladas. Órgãos públicos se contradizem sobre o caso

Devido a extensão dos impactos causados por um suposto rompimento de uma barragem na região de Machadinho D´Oeste, em Rondônia, o Ministério Público do Estado informou quarta-feira (3), que vai criar força-tarefa para acompanhar de perto os desdobramentos do caso.

Sete pontes ficaram danificadas, segundo o governo estadual, deixando cerca de 80 famílias isoladas. O MP também instaurou um inquérito para apurar as causas do ocorrido e recomendou ao governo estadual a suspensão da licença de operação da mineradora Metalmig, mesmo que a empresa alegue não ser responsável pelo ocorrido.

A Metalmig afirma que as barragens da mineradora estão intactas e seguem todos os padrões previstos pelos órgãos de fiscalização. A Sedam, Secretaria de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia, informou que aguarda laudos técnicos para tomar as medidas cabíveis de responsabilização pelos danos.

O trabalho é realizado com apoio do Ibama, da Agência Nacional de Mineração e da Polícia Técnico-Científica.

Segundo a Sedam, o rompimento de uma bacia de decantação atingiu dois barramentos e inundou uma grande área do distrito de Novo Oriente, após a ocorrência de uma tromba d’água originada por chuvas intensas, no último dia 29.

Análises preliminares indicam que não se trata de rejeitos de minério e sim de água, areia e argila, sem potencial de contaminação. Apesar disso, a Sedam disse que realiza a coleta de água todos os dias para monitoramento em laboratório. A Defesa Civil e o DER, Departamento de Estradas, Rodagens, Infraestrutura e Serviços Públicos, trabalham para liberar o acesso às áreas que ficaram isoladas.

A cassiterita é o principal minério do estanho, elemento químico usado em ligas metálicas pela indústria. A ruptura das estruturas aconteceu após uma forte chuva que levou à queda de sete pontes na região. Água, areia e argila vazaram das barragens — o governo verifica se também havia outras substâncias. Não há feridos.

R$ 231 mi representaram as vendas de estanho e ligas de estanho em forma bruta em Rondônia em 2016, segundo o IBGE; ao lado do Amazonas, estado está entre os dois que mais produzem o minério

As barragens estavam em uma propriedade da mineradora Metalmig, que possui outras áreas de exploração de minério no Vale do Jamari. A empresa, contudo, diz que as estruturas que se romperam estavam desativadas e eram de um garimpo anterior às suas atividades no local. Após o rompimento, a Sedam (Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental) de Rondônia e órgãos federais, como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Sustentáveis) e Agência Nacional de Mineração, foram a Machadinho d’Oeste apurar a situação das barragens e os impactos socioambientais do episódio.

O Ministério Público Estadual de Rondônia abriu um inquérito do caso. Há menos de três meses, em 25 de janeiro de 2019, uma barragem com rejeitos de mineração da Vale se rompeu em Brumadinho, Minas Gerais, deixando vazar 8 bilhões de litros de lama sobre a região. Até o momento, o episódio deixou 217 mortos e 87 desaparecidos.

O que se sabe sobre o caso

As primeiras informações divulgadas pela Polícia Militar Ambiental, pouco após o desastre, indicaram que a chuva em Machadinho d’Oeste teria causado pressão sobre as barragens, levando-as à ruptura. A mesma área onde estavam as estruturas que se romperam abrigava uma barragem hídrica (ou seja, que tinha apenas água), que teria se rompido com a força da chuva. O “efeito cascata” de acúmulo de água, então, teria causado o rompimento de duas pequenas barragens com bacias de decantação, desativadas havia mais de 30 anos. Barragens e bacias

A ESTRUTURA

Uma barragem é uma estrutura (de terra, concreto ou outros materiais) que se constrói sobre um curso de água, a fim de se conter, acumular ou decantar certo material. Assim que a barragem é construída, o material que se deseja conter acaba armazenado em uma bacia. No caso da mineração, essa bacia pode ser de acúmulo de rejeitos do minério ou de decantação (separação) de sedimentos durante o processo, entre outros tipos. Em outros casos, como de barragens associadas a hidrelétricas, por exemplo, esses reservatórios armazenam água. O conteúdo das bacias em cada estrutura varia, embora, em todos esses casos, barragens e reservatórios sejam componentes associados.

O CONTEÚDO

Uma barragem com uma bacia de rejeitos, como a que se rompeu em Brumadinho, é uma estrutura construída para armazenar o “lixo” que sobra no processo da mineração, como metais pesados. Já as barragens com bacias de decantação armazenam sedimentos (também chamados de “finos” do processo). Essa característica, que define a finalidade de uma barragem e seu potencial de dano, é a principal diferença entre uma estrutura como a de Brumadinho e uma como a de Rondônia. Outros fatores também podem distinguir as duas: as bacias na propriedade da Metalmig eram significativamente menores que as da Vale, estando quase próximas ao nível do solo, por exemplo.

A Metalmig afirmou em nota que suas barragens seguem o padrão de segurança recomendado pelo governo estadual e pela Agência Nacional de Mineração — o que foi confirmado pela Sedam, que disse que em 2018 a empresa estava com licenças ambientais e de operação em dia. O Ministério Público apura se há eventuais responsabilidades e quais são os danos ambientais causados pelo rompimento das barragens. Até a conclusão das vistorias em Machadinho, as atividades da Metalmig em Rondônia devem ficar suspensas, recomenda a procuradoria.

Ao portal G1, pesquisadores afirmam que o rompimento da barragem também pode ter sido motivado pelo desmatamento em Marchinha d’Oeste, que teria levado à degradação e à erosão do solo. A cidade faz parte da região chamada de “arco do desmatamento” na Amazônia. 15º era a posição de Marchinha d’Oeste em ranking de municípios que mais desmatam no Brasil, segundo o Ministério do Meio Ambiente Por ser plana, a topografia em Machadinho impediu que o rompimento alcançasse níveis de catástrofe como a de Brumadinho, disse ao Nexo o engenheiro Péricles Monteiro Quadros, da Sedam.

Além da destruição de sete pontes em Machadinho, uma avaliação preliminar da Sedam e da Polícia Ambiental constatou a danificação de bueiros nas adjacências da área da Metalmig e sinais de alterações na fauna e flora locais, ainda não totalmente identificadas. A prefeitura da cidade se preocupa também com possibilidade de contaminação do rio Belém, nos arredores, cuja área é de mais de 80 km² de água.

As responsabilidades. E as contradições

Após cinco dias da ruptura, órgãos públicos dos governos estadual e federal ainda fazem um levantamento das informações do caso, às vezes apresentando informações divergentes sobre pontos comuns, como a origem e a responsabilização pelas duas barragens. As principais dúvidas estão relacionadas ao grau de envolvimento da Metalmig com as estruturas que se romperam. Ainda é incerto, segundo órgãos consultados pelo Nexo, se a empresa deve se responsabilizar por barragens que, segundo a companhia, não foram construídas por ela — mas que, afinal, estavam em terreno adquirido pela mineradora. A Metalmig argumenta ainda que as estruturas estavam desativadas. Em Brumadinho, no entanto, a barragem de rejeitos que se rompeu em 2019 estava inativa desde 2015 — o que não impediu o Ministério Público mineiro de buscar a responsabilização da Vale pelo caso, comprovada que a estrutura estava sob guarda da mineradora. Análises do governo de Rondônia, em outra apuração, verificam qual é, de fato, a proximidade das barragens que se romperam com as áreas que pertencem à Metalmig. A Agência Nacional de Mineração diz ainda que não é possível associar as bacias a atividades do setor.

O que cada um diz

MINERADORA Ao contrário do caso da Vale em Brumadinho, a Metalmig afirmou, por meio de notas à imprensa, que as barragens e bacias de decantação que se romperam em área de sua propriedade não faziam parte de suas atividades. Além disso, nenhuma de suas barragens (as que pertencem de fato à companhia) teria influenciado a ruptura, segundo a empresa. A mineradora sugere que um “garimpo anterior” havia construído as bacias.

SECRETARIA ESTADUAL Ao Nexo a secretaria afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que ainda avalia sobre eventuais responsabilizações. A princípio, as barragens estariam sob guarda da Metalmig, mas é preciso confirmar se elas realmente estavam no terreno de propriedade da mineradora.

MINISTÉRIO PÚBLICO Ao Nexo o Ministério Público de Rondônia afirmou que “trabalha com a informação de que as barragens que se romperam são de responsabilidade da Metalmig”, versão que contradiz a defesa da mineradora e a versão do governo estadual de que a propriedade da área das barragens ainda é indefinida. A procuradoria diz que levanta dados sobre o caso.

AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO Ao Nexo, por telefone, por meio da assessoria de imprensa, a Agência Nacional de Mineração não fez declarações sobre envolvimento da Metalmig, mas afirma que as bacias que se romperam não se tratam de barragens de mineração. Segundo análises do corpo técnico do órgão, as estruturas não se relacionam com as atividades de extração de cassiterita empreendidas em Machadinho d’Oeste. A versão é diferente da que foi divulgada por outros órgãos públicos, que não entraram no mérito das atividades das estruturas que se romperam. A justificativa da agência nacional é o fato de as bacias estarem desativadas há muito tempo, sem se saber sua origem ou finalidade econômica.

O que o caso diz sobre a gestão do território

O Nexo conversou com Milton Kanji, especialista em geologia e geotecnia, sobre a responsabilização em episódios como o da ruptura das bacias de decantação em Machadinho d’Oeste. Ele é professor aposentado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e atua como consultor independente nas áreas de geologia e engenharia, incluindo casos envolvendo barragens e outras estruturas. É difícil estabelecer as responsabilidades em casos de ruptura de barragens como as de Rondônia? Por quê?

MILTON KANJI  Sim. É difícil definir isso em pouco tempo. Existem muitas razões pelas quais uma barragem pode se romper. Pode haver um erro de projeto. Pode haver um erro de construção, independentemente do projeto. Podem haver erros operacionais, de manuseio da barragem. Pode haver uma má interpretação por quem faz o monitoramento da barragem. Além disso, causas naturais podem levar à ruptura de barragens — como sismos, chuvas. Quem é responsável? Depende da causa. No caso da ruptura da barragem de Camará [na Paraíba, em 2004], fui perito do Ministério Público e, no processo criminal, o próprio Estado foi declarado culpado. Isso porque, durante o “enchimento” da barragem, houve diversas observações de anomalias na estrutura, inclusive por parte do projetista, às quais os órgãos públicos não atenderam. Então, veja. Não é fácil atribuir culpa rapidamente.

Como o sr. avalia a gestão de estruturas desse tipo no Brasil?

MILTON KANJI  No momento, pelo que se vê nos jornais, me parece que a fiscalização dessas estruturas está muito deficiente. O Estado tem poucos fiscais, as agências reguladoras [como Agência Nacional de Mineração, Agência Nacional das Águas etc.] não têm recursos o suficiente, nem treinamento para funcionários, nem equipamento adequado para fazer a inspeção. Há muitas barragens, pouca atuação.

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Agência Brasil e Nexo Jornal