Candidatos debatem estratégias para enfrentamento da bancada ruralista

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Encontro trouxe diferentes visões sobre como uma bancada socioambiental poderia transformar as políticas públicas no país

É possível criar uma bancada socioambiental no Congresso e nas Assembleias estaduais para fazer enfrentamento àquelas que hoje utilizam esses espaços para  levar adiante pautas que degradam o meio ambiente – especialmente, a bancada ruralista? A partir deste questionamento, o observatório  De Olho nos Ruralistas reuniu na última quarta-feira (31/08) no Ateliê do Bixiga, em São Paulo, um grupo de candidatos que têm se focado na proteção do meio ambiente.

Estiveram presentes os candidatos a deputados estaduais pelo estado de São Paulo Daniel Munduruku (PDT), Ricardo Galvão (REDE) e Cláudia Visoni, representando a co-candidatura Alimenta SP (PV), a candidata a deputada estadual Adélia Farias (PT) e Gabriel Colombo (PCB). A conversa teve a mediação do jornalista e editor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Castilho.

Daniel Munduruku

“Se conseguirmos eleger um grupo de pessoas verdadeiramente comprometidas com o meio ambiente, teremos como criar uma rede de proteção não apenas em nível estadual, mas também nacional. Isso é fundamental se quisermos realmente cuidar  do que nós indígenas chamamos de parentes-seres, que são os outros modos de vida além dos humanos”, afirmou Daniel Munduruku.

Para Daniel é importante que sejam observadas as oportunidades de uma reindustrialização sustentável que leve em conta as competências científicas e intelectuais dos indígenas, uma forma de fazer um uso racional do imenso patrimônio natural brasileiro, transformando-o em recurso sem que isso signifique colocar os biomas em risco.

Dentro dessa conjunção, o candidato também se posicionou a favor da valorização financeira dos serviços que podem ser prestados pelos indígenas a partir de  seus conhecimentos, uma forma de promover uma economia verde que não apenas é capaz de fazer enfrentamento à lógica operante mas, também, de oferecer a essas populações a oportunidade de angariar recursos importantes, sobretudo para comunidades que já tiveram seu modo de vida modificado pelo contato com os centros urbanos e que passaram a utilizar o dinheiro para a aquisição de produtos e manutenção de redes de comunicação e proteção de seus territórios.

Agrotóxicos

Já para a agricultura familiar,  Adélia Farias, os assentamentos e territórios rurais onde atuam os produtores da agricultura familiar embora, assim como os indígenas, tenham passado historicamente por ataques, foram colocados em xeque especialmente após a aprovação do PL nº 6.299/2002, o chamado “PL do veneno”, que dispõe sobre o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização dos agrotóxicos. Proposto inicialmente no Senado, onde já recebeu aprovação,  o PL foi aprovado na Câmara em fevereiro de 2022.

“Foi muito impactante ver 301 deputados federais demonstrando tão abertamente a sua capacidade de envenenar a mesa das famílias brasileiras, sem pensar no nível de degradação que uma decisão dessas traria para a natureza”, completou Adélia, que pretende se tornar a primeira mulher agricultora a atuar na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

Para ela, a quebra de paradigma em relação ao modelo atual do agronegócio está no investimento em modelos mais ambientalmente sustentáveis, como a agroecologia, método que se utiliza do plantio consorciado de culturas que se favorecem mutualmente, promovendo a diversidade, a saúde do solo e permitindo a produção em escala sem o uso de agrotóxicos. A candidata enxerga no método uma revolução que merece ser levada em curso quando o assunto é a produção de alimentos.

“Para nós, é importante a denominação de agricultor familiar e não ‘pequeno agricultor’, porque quando nós estamos lá, plantando, o que nós estamos fazendo não é pequeno”. No Brasil, mais de 70% dos alimentos consumidos são provenientes da agricultura familiar.

“O que nós teremos que enfrentar se formos eleitos é enorme, mas eu assumi a missão de atuar para salvar a natureza. Se você percorre o interior do estado de São Paulo, percebe a diminuição da quantidade de abelhas, os rios cada vez mais poluídos. Vê também  cana e mais cana, além de muito pasto e muito boi.”, completa. A candidata afirmou também que esse contexto degradante é parte de uma política estruturada, com favorecimentos e concessões que se alastram há séculos e que, na região, tomaram essas características.

A candidata citou ainda uma legislação que merece combate especificamente na Assembleia paulista, o PL 277/22. Aprovado no último mês de junho, é conhecido como o PL da Grilagem estadual e autoriza o governo a implementar  por intermédio da Secretaria da Fazenda do Estado a regularização fundiária de terras públicas já ocupadas acima de 15 módulos (que variam, em hectares, de acordo com cada município). O projeto foi aprovado com 48 votos a favor e 15 contra e aguarda  sanção do governador Rodrigo Garcia (PSDB). Seus opositores, representantes de partidos como PT, PSOL e de movimentos como o MST, argumentam que o projeto é inconstitucional.

Cláudia Visoni, líder da candidatura coletiva Alimenta SP também demonstrou preocupação com o cenário de degradação verificado por suas andanças pelo interior do estado para a campanha. Segundo ela, além da monocultura de cana e das pastagens degradadas, é possível verificar a escassez de culturas alimentares na paisagem.

“Eu fico pensando que isso significa para os pássaros e outros animais. Porque se não tem comida lá para a gente, não tem para eles também, um estado assim não é bom para ninguém”, afirmou.

Modelo de produção

Segundo Visoni a grande preocupação dos sete candidatos que integram a candidatura coletiva do “Alimenta SP”, é justamente a relação entre a forma como o alimento é produzido no país e o atual cenário de fome, que assola 33% da população. “Existe uma contradição muito grande quando você observa os números do governo Bolsonaro e percebe que houve um recorde de exportação de carne e de grãos enquanto o Brasil mergulha na fome”,  apontou.

Para a candidata, as políticas públicas são desenhadas para favorecer o agronegócio, que está focado sobretudo na produção de commodities para exportação.  Ela citou o Plano Safra , que irá destinar R $340,88 bilhões para o desenvolvimento da agropecuária nacional entre 2022 e 2023, um aumento de 36% em relação ao investimento do ano anterior – e um valor que não é acessado pelos pequenos produtores.

O candidato Ricardo Galvão, cientista internacionalmente renomado e ex-diretor do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais) que foi exonerado por Bolsonaro pela divulgação de dados sobre as queimadas na Amazônia em 2019, ressaltou a importância do desenvolvimento científico para a preservação ambiental.

Sua candidatura para deputado estadual é motivada pela necessidade de que sejam debatidas, no Congresso, políticas que levem em conta os desafios que necessariamente serão enfrentados nos próximos anos com as mudanças climáticas e que, mais uma vez, tendem a impactar sobretudo a produção de alimentos.

“O investimento para lidar com essas transformações será da ordem de milhões. O agronegócio pode até conseguir fazer esse investimento, mas e os produtores familiares? Para esses vai ser muito difícil se não existir uma política pública pautada na ciência”, afirmou.

Por fim, o candidato ao governo de São Paulo pelo PCB Gabriel Colombo defendeu que a sociedade precisa voltar a discutir a reforma agrária popular, o que traria a compreensão sobre os impactos ambientais do uso da terra. Colombo também defendeu a agroecologia aplicada como um método a ser tratado com seriedade quando se pensa em uma transição ambientalmente responsável  na produção de alimentos e reiterou que monoculturas como as de soja, milho e cana acabam não apenas degradando como trazendo poucos benefícios para a população trabalhadora, uma vez que têm baixa tributação.

O candidato destacou a forma como a posse de latifúndios, que são ainda  um pilar no poderio da classe dominante no Brasil, passou por uma maquiagem discursiva quando passou-se a utilizar o nome “agronegócio” e, mais atualmente, apenas agro.

“A última é chamar o agro de agro sustentável, um jeito de colocar o grande produtor e o produtor familiar no mesmo patamar, como se todos estivessem produzindo comida para colocar no prato do brasileiro. E, assim como Ricardo Galvão, indicou o quanto a pesquisa nacional para a produtividade agrícola vem sendo esvaziada, com os cortes para o campo científico aplicados pelo atual presidente.

As palavras finais de Cláudia Visoni ecoaram os desafios dessas candidaturas, sobretudo a dificuldade em engajar a sociedade para que uma bancada socioambiental torna-se uma realidade nos próximos quatro anos. “Infelizmente o meio ambiente ainda é um assunto realmente discutido por quem tomou o café da manhã, por quem não está em casa com medo do filho não voltar por causa da violência. Para quem enfrenta problemas tão imediatos, pensar que o cerrado pode não existir daqui trinta anos é algo muito distante. Por isso acho que o que nós podemos fazer é conversar, tentar furar as nossas bolhas, apresentar candidatos e a importância concreta do que estamos discutindo”.

Fonte: O ECO