As aventuras da Lapa, minha cadela baiana

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Um pouco de amenidades nesta pandemia que nos consome e nos mata. Hoje vou falar da minha cadela, a Lapa (em homenagem ao bairro boêmio carioca). Na verdade, deveria ser outro o nome dela, pois nasceu em Trancoso (BA). Em meados de 2012, me aventurei como proprietário de uma pousada na histórica Trancoso, conhecidíssima pelas belas praias, celebridades e o famoso Quadrado, a praça onde os turistas se encontram para beber, comer, comprar artesanato. A pousada era vizinha à casa da Elba Ramalho, que ali reside nas folgas de shows. Nesta pandemia, Elba deve ter ficado mais tempo em casa, claro.

A Costa do descobrimentoCosta do Descobrimento: saiba tudo sobre essa rota no sul da Bahia

Trancoso é um distrito de Porto Seguro, que fica a uns 30 quilômetros de distância da localidade, no sul da Bahia. Vizinha à Trancoso ainda tem Arraial D’Ajuda, outro lugar maravilhoso visitado por turistas. A região é conhecida como Costa do Descobrimento. Pois foi ali que Pedro Álvares Cabral aportou em 1500, achando que estava chegando na Índia. Segundo os livros de História do Brasil, assim que os portugueses avistaram o Monte Pascal, eles gritaram “terra à vista”. A importância histórica e cultural dessa região é tamanha que em 1999 ela foi tombada como Patrimônio Natural Mundial pela UNESCO.

As principais cidades que compõem a Costa do Descobrimento são Belmonte, Santo Antônio, Santo André, Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro, Arraial d’Ajuda, Trancoso e Caraíva.

A chegada da Lapa

Pois bem, e a Lapa?  Ah, já estava me esquecendo da personagem principal desta resenha. Assim que chegamos à Trancoso, por volta de março de 2012, iniciamos um negócio na cidade, uma pousada. Na verdade, o negócio não era para mim. Eu ia deixar com a família para tocar. Levei dois irmãos para lá, mas não se adaptaram às baianidades. Tentei deixar com um casal de amigos, idem. Foram embora para Patos de Minas (MG) e me deixaram sozinho com a Lapa! A cadela mista de pittbull com dálmata era serelepe, agitada. Foi nos dada por um casal ítalo-brasileiro. Assim que ela chegou foi logo se adaptando ao terreno. Corria pra lá e pra como louca. Quase destrói o jardim. Ah, bichinha danada. Destruiu sofá, pé de mesa, um terror. Mas era dócil comigo. Com os demais, nem tanto.

Patos de Minas

Em meados de maio resolvi ir embora também. Eu e a Lapa. Vendi a pousada e rumei para Patos de Minas, onde ficaria uns três meses. No trajeto Trancoso-Patos de Minas, resolvi pegar um atalho. Para quê fui fazer isso? Para nunca mais! Me perdi no árido baiano. Entrei por vilarejos, estradas de chão, vielas. Povoados de pessoas que não sabiam como me ajudar. E fui tentando, eu e a Lapa, buscando chegar em Montes Claros (MG), que já teria estrada asfaltada e infra-estrutura. Foi uma aventura chegar à Patos de Minas. Ficamos, eu a Lapa num condomínio de casas. A deixei solta, pois era uma criança ainda, com uns dez meses de nascida. Mas, ela já demonstrava a que veio, me proteger. Nos primeiros dias ela se estranhou com uma senhora que passava na rua. Latiu que só. Imediatamente a peguei e a tranquei em casa, pois aqueles latidos poderiam anteceder alguma mordida. Evitei que isso acontecesse.

No dia seguinte, ouvi uns gritos de uma criança que apanhava da mãe. Fui lá ver o que estava acontecendo. Era a dita senhora para quem a Lapa latiu incessantemente. Então eu fui até ela, incomodado com a surra que ela estava dando numa criança de oito anos. A interpelei: “Senhora, não faça isso. É apenas uma crianças”. Ela olhou para mim e disse: “Não se meta.É o meu jeito de criar. Se quiser, leva pra você”. Inconformado, eu disse a ela: “Vou chamar a polícia”. Ela: “Pode chamar”. Chamei! A polícia chegou rápido. Para atender a ocorrência, uma policial feminina. Conversou com a mulher, que me olhava de longe. Depois desse dia nunca mais ouvi o choro do menino.

Pois bem. A Lapa dava sinais de que não podia ficar solta naquele condomínio. Deixar trancada em casa seria uma tristeza pra ela. Então à mandei para a casa do casal de amigos que estava comigo em Trancoso. Ficou uma semana acorrentada, coitada. Destruiu a casinha de madeira. Ela não era de ficar dentro de casa. Ela queria terreno para andar, correr.

Lapa tinha uma particularidade que me intrigava. Ela latia para um ponto, onde não se via nada. Sempre à noite. Eu cria que fosse um anjo, uma divindade. Um anjo da guarda, pronto, falei! Ela emitiria esses sinais nos próximos meses e anos que se seguiram.


Rio de Janeiro

Em meados de agosto voltei pro Rio de Janeiro, levando a Lapa. Finalmente ela ia conhecer a cidade onde fica a Lapa, o bairro mais boêmio do Rio. Fomos de carro, claro. Conheceu Copacabana, Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes.

Angra dos Reis

Mas, meu destino não seria exatamente o Rio. Queria conhecer a Costa Verde. Fomos para Angra dos Reis. Inicialmente, antes de fixar residência naquele paraíso, fiquei num hotel. A Lapa foi para a casa da mãe de um amigo. Ficou lá uns 10 minutos até eu receber um telefonema informando que ela tinha “fugido”. A senhora deixou o portão da casa aberto e ela disparou em desabalada carreira, dando de encontro com uma moto. Fora atropelada. Mas, eu não sabia o que tinha acontecido. Fomos procurar por Lapa nas redondezas. Até que vi um vulto branco deitado na varanda de uma casa que servia como Centro Espírita. Fui lá averiguar. Era ela! Estava deitada e quando me viu se alegrou, mas chorando. Estava com uma das patas quebrada. Imediatamente a levamos à uma clínica veterinária. Foi operada, enfaixada. Ficou uns meses assim, até voltar a andar de novo e provocar assombros, a danada. Mas, voltando à casa espírita onde ela estava, eu perguntei na ocasião, por que um animal escolheu aquele lugar para me esperar. O senhor que me atendeu disse: “Somente dois animais são sensitivos, vêem coisas que não vemos: o cão e o cavalo”. Então, a partir desse dia eu vi que Lapa era uma cadela diferenciada e não mais a abandonaria. Comprei uma casa na cidade e lá ficamos por dois anos.

Eu ia sempre para o Rio, pois tinha apartamento na Barra da Tijuca. Ela ia comigo e voltava pra Angra.

Numa dessas idas ao Rio, ela conheceu o Zeca Pagodinho (foto). Gostava de água, de nadar. Foi na Ilha da Gigoia (Barra) que ela conheceu um namoradinho, o Lord, cujo dono era o Pedro Val Held, ator de Tropa de Elite 2 (ele fez o filho do Capitão Nascimento). Nadaram juntos, mas não tiveram nada sério porque a Lapa era uma menina recatada. Também no Rio, no Recreio dos Bandeirantes, quase ela morde uma criança. Me antecipei e a puxei. Foi por um triz. Por isso redobrei os cuidados com a Lapa.

Rumo à Maceió

Em meados de 2015 meu irmão que estava em Maceió (AL), foi de carro até o Rio me buscar para passar uns tempos na capital alagoana, na casa de minha mãe. Veio numa S10, cabine dupla. Eu viajei com a Lapa no banco de trás. Ela sempre na janela, pegando vento. Foi na saída do Rio que Lapa deu nova demonstração de que me protegia. Ao chegar em São Gonçalo, meu irmão parou num posto para abastecer. Ao deixar o posto, uma moto com dois ocupantes pede para o meu irmão parar. Não deu tempo para saber o que eles queriam. Lapa, da janela, deu um latido estrondoso. Os dois imediatamente foram embora sem nem nos despedirmos (risos). E viajamos quilômetros e mais quilômetros rumo à Maceió. Viagem tranquila.

Chegando na casa da mama, Lapa logo se entrosou com todos, menos com minha sobrinha. De jeito nenhum, não queria conversa. Foi aí que ela passou a ficar sempre presa no quintal, só saindo quando eu estava na casa ou minha sobrinha estivesse fora. Mas, ela continuava a não gostar de crianças e as vezes estranhava a minha mãe. Como eu tive que voltar para o Rio, ela ficou em Maceió.

 

A triste adoção

 

Não demorou muito para minha irmã pedir para eu doar a cachorra pois ela oferecia perigo para a família. Na minha ausência ela ficava mais nervosa do que já era. Autorizei. Foi doada a uma pessoa que não sei quem é, nem onde ela está exatamente. Melhor assim. Porque senão, eu iria até ela e dificilmente a deixaria longe de mim de novo. Ela está bem cuidada. Mora numa chácara, segundo minha irmã.

FIM.