UOL: COM 37 MORTES EM UM ANO, CONFLITO POR TERRAS EM RONDÔNIA LEVA CONFÚCIO A MICHEL TEMER

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O casal Isaque Dias Ferreira e Edilene Mateus Porto, líderes da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia, foi assassinado em Alto Paraíso (RO)
O casal Isaque Dias Ferreira e Edilene Mateus Porto, líderes da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia, foi assassinado em Alto Paraíso (RO)

A disputa pelo uso e posse das terras em Rondônia chegou à 16ª morte de líder sem-terra em 2016 e elevou ainda mais a tensão no Estado campeão em mortes no campo no país. Desde o ano passado, 37 líderes camponeses foram mortos em Rondônia.

Nesta segunda-feira (19), a CPT (Comissão Pastoral da Terra), órgão ligado à Igreja Católica, denunciou o assassinato do casal Isaque Dias Ferreira, 34; e Edilene Mateus Porto, 32. Eles eram líderes da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental e do Acampamento 10 de maio. O crime ocorreu no último dia 13, em Alto Paraíso (211 km de Porto Velho). A Polícia Civil abriu inquérito para apurar o caso.

 Segundo a comissão, o casal denunciava a grilagem de terras na região e costumava cobrar os órgãos públicos sobre regularização de terras e pelo fim da violência no campo.

Mortes em série

Desde o ano passado, Rondônia vem se destacando pela série de mortes no campo. Em 2015, o Estado registrou o maior número de assassinatos desde 1985, quando a CPT passou a computar os dados: 21 mortos. Este ano, até a morte do casal, foram 16 assassinatos –o que significa quase duas mortes por mês. Para se ter ideia de quão alto é o número, as mortes no Estado representam 30% do total de assassinatos por conflito de terra no país.

Segundo a CPT, houve apenas a prisão dos acusados de dois casos de crimes ocorridos em janeiro, ambos na fazenda Tucumã.

Segundo Luís Roberto, da coordenação regional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o crescimento da violência é fruto de fatores históricos, impulsionada pelo aumento do preço da terra e a crise econômica.
“As causas principais são o efeito economia e aumento da especulação, porque, aumentando valor [da terra], e aumenta o conflito”, disse.

O líder camponês afirma que a maioria das 37 mortes desde 2015 é relativa a disputas antigas pela terra. “São ocupações mais antigas, não são recentes. São terras ocupadas nos últimos cinco anos, em que os conflitos se acirraram. São terras sem documento, que o processo está na Justiça, mas o fazendeiro tem uma posse.

A região mais afetada é o Vale do Javari. “É uma região onde há uma migração da soja, e o preço da terra cresceu cinco vezes mais que o resto do Estado. Na região foram 2/3 dos conflitos com morte, mas que geograficamente ocupa menos de 1/5 do Estado”, explica.

Conselho Nacional intervém

Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) esteve em Rondônia para verificar os casos de morte no campo
Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) esteve em Rondônia para verificar os casos de morte no campo

A tensão no campo chamou a atenção do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que fez uma visita ao Estado em junho. Por quatro dias, os conselheiros foram a áreas afetadas e ouviram lideranças camponesas.

Segundo o representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que viajou ao local, Everaldo Patriota, o clima no campo é de extrema tensão e a situação de Rondônia é a mais preocupante do país.

“A situação é grave porque há fazendeiros armados. É um barril de pólvora! Lá eles têm os guaxebas –que é como chamam os pistoleiros–, e muitos são policiais e ex-policiais. Esse ano eles disseram que tinham 2.000 homens armados para enfrentar os movimentos sociais. Então aquele lugar pode ter um troço pior que Eldorado dos Carajás [PA]”, disse.

Patriota diz que Rondônia é uma situação singular poque há áreas que já tiveram determinação da Justiça para posse pública, mas o governo federal não fez a emissão do registro.

“Você tem um sistema de segurança e Justiça que tutelam o grileiro, tutela a posse irregular, mas não afere a função social da sociedade. Além dos movimentos sociais conhecidos, há grupos lá sem nenhuma ligação ideológica, são famílias que lutam pela terra. E nesse cenário, o agronegócio crescendo, com o boi, com a soja, torna a situação muito delicada”, explicou.

Na sexta-feira (16), o conselho aprovou um relatório com recomendações para órgãos estaduais federais cobrando ações para reduzir a tensão e efetivar a distribuição da terra.

Problema histórico e de difícil solução

O problema de terras em Rondônia é grave e antigo. Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Rondônia tem 106 áreas em situação de disputa, em 23 municípios. Ao todo são 8.759 famílias acampadas, sendo 25% enquadradas em “alto grau de risco de conflitos graves.”

“Do total de imóveis ocupados, 75% dependem de ação direta do programa Terra Legal para futura destinação à reforma agrária, e 25% demandam atuação do Incra”, informou o órgão, em nota.

Em Rondônia, na época da ditadura militar, muitos fazendeiros ganharam vantagens do governo para construir empresas na região, ganharam recursos a fundo perdido e a posse de terra. Porém, como a maioria não executou os projetos apresentados, as terras deveriam retornar ao Estado, o que ocorre a passos lentos.

No dia 16, o Incra apresentou ao governo do Estado duas propostas para tentar a solução dos conflitos: destinação de imóveis rurais para a reforma agrária e titulação definitiva em projetos de assentamentos.

“As ações envolvem vistorias, arrecadação de áreas, indenizações e titulação. O trabalho seria priorizado em dez fazendas, selecionadas segundo critérios como: grave conflito instalado ou iminente e nível avançado de andamento e instrução processual na Superintendência do Incra/RO. Essas áreas totalizam 25,5 mil hectares, que atenderão a 1.083 famílias. O custo seria de aproximadamente R$ 25 milhões com a indenização das benfeitorias úteis e necessárias a serem pagos em moeda corrente e R$ 79 milhões com a indenização da terra nua, pagos por meio TDA (Títulos da Dívida Agrária)”, diz o órgão.

Ao todo, a demanda de títulos definitivos no Estado é de 34.121. O Incra quer, até 2017, emitir 10 mil títulos em projetos de assentamentos do Estado.

Governador vai procurar Temer

O governador Confúcio Moura (PMDB) informou que irá pedir uma reunião com o presidente Michel Temer para discutir a regularização fundiária de terras no Estado.

“Essa competência está desigual, com o Terra Legal tendo mais de 70% da responsabilidade e o Incra pouco mais de 20%. Temos de solucionar os conflitos, é necessário titular as terras. Imaginem que temos 90 mil propriedades. Com isso tudo regularizado, o Estado vira uma potência, vai dar um salto qualitativo, um impulso na economia. Precisamos documentar as terras. O resto, os produtores fazem”, disse, também em nota.

O UOL procurou, desde a segunda-feira (19), a Secretaria de Segurança Pública de Rondônia, mas não conseguiu contato com a assessoria de imprensa do órgão. Dois e-mails foram enviados para o endereço eletrônico indicado no site do órgão, mas não houve resposta.

 

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