Sem mudança na gestão do lixo, Brasil não deve cumprir metas da ONU de redução do impacto ambiental, revela estudo

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De acordo com Índice de Sustentabilidade Urbana (ISLU), gestão do lixo não avançou no país e 58% dos municípios brasileiros ainda não possuem modelo de arrecadação específica

Alguns dias após o encerramento da COP26, um dos principais eventos globais sobre mudanças climáticas no planeta, o Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana – ISLU 2021, revela que, se mantido o cenário atual, o Brasil dificilmente cumprirá os objetivos de desenvolvimento sustentáveis da ONU (ODS) relacionados à gestão do lixo. De acordo com o estudo feito pelo Sindicato Nacional de Limpeza Urbana – SELURB em parceria com a PwC Brasil, houve um tímido avanço na gestão do lixo nos últimos 5 anos e 58% das cidades brasileiras ainda não possuem um modelo de cobrança para custear os serviços de coleta e tratamento do lixo. O resultado é que metade dos municípios ainda despeja seus resíduos em lixões a céu aberto, mudança pouco expressiva em comparação com os 55% identificados na edição de 2016 do índice.

“Além de garantir a sustentabilidade econômico-financeira da atividade, a cobrança pelos serviços se reflete na destinação final ambientalmente adequada dos resíduos e em melhores índices de reciclagem, além de contribuir para a redução na geração de lixo por pessoa”, comenta Márcio Matheus, presidente do Selurb.

O estudo analisou a realidade de 3.572 municípios em todo o país, revelando que 50% deles ainda descarta seu lixo de forma ambientalmente inadequada. A cobertura da coleta porta a porta se manteve na casa dos 76%, com um quarto da população sem acesso aos serviços. Já a taxa de reciclagem patina em torno de 3,5% nos últimos 5 anos.

De acordo com a projeção realizada pelo ISLU, se não houver mudanças na gestão dos resíduos sólidos, o Brasil dificilmente alcançará as metas de redução de impacto ambiental e de reciclagem estabelecidas pela ONU – Organização das Nações Unidas. A análise levou em consideração o ritmo de progresso dos últimos anos.

“Somente uma mudança de gestão, com recursos financeiros para modernizar e aumentar a eficiência dos serviços, trará resultados positivos para o setor e, consequentemente, a redução dos impactos ambientais causados pela produção de resíduos”, explica Márcio Matheus, presidente do Selurb, ressaltando que essa possibilidade depende da efetiva implementação do Novo Marco do Saneamento, que impôs aos municípios a obrigatoriedade de criar um sistema de cobrança que tornem sustentáveis os serviços de coleta, tratamento e descarte ambientalmente adequado do lixo.

A edição do ISLU 2021 é a segunda que analisa o desempenho das cidades com base na atualização da fórmula fatorial do estudo ocorrida em 2020, considerando a cobrança pelos serviços, na forma de tarifa ou taxa, em oposição ao orçamento municipal, que não pode mais ser utilizado para o custeio da atividade, consoante vedação legal do Novo Marco do Saneamento.

Por isso, houve uma queda na pontuação média de todas as regiões em comparação com os resultados anteriores a 2020, já que 55% das cidades ainda não implementaram um modelo de cobrança específica, ainda utilizando o orçamento para custear coletivamente um serviço que deve ser custeado individualmente pelos respectivos usuários.

Regiões com cobrança estabelecida têm melhores resultados

A região Sul é a que apresenta pontuação mais alta no ISLU, com média de 0,545 e índice de reciclagem de 7,2%, o melhor do país. O Sul também se destaca pelo total de municípios que já aplicam algum modelo de cobrança, o equivalente a 83,5%. No entanto, ao observar os resultados do Nordeste, a lógica se inverte – com a média mais baixa do país, de 0,351, e pior índice de reciclagem, de 0,30%, apenas 7,6% das cidades da região possui cobrança específica e apenas 13,3% fazem a destinação adequada do lixo.

Com pontuação de 0,371, o Norte é o que possui menor índice de destinação correta do lixo. Apenas 10,1% dos municípios fazem o descarte adequado dos resíduos, o que significa que quase todo o lixo produzido na região é enviado para lixões a céu aberto, contaminando o solo, rios, mares e o ar, além de contribuir para a proliferação de doenças em meio às comunidades socialmente vulneráveis do seu derredor.

No Centro-Oeste, a pontuação média é de 0,406 e a cobertura da coleta está acima da média nacional, com 78,6% ante os 76% do país. Apesar disso, tanto a destinação correta quanto a reciclagem ainda estão muito abaixo dos resultados observados no Sul, com apenas 1,8% do total de resíduos reaproveitados e mais de 75% descartados de forma irregular.

Segundo melhor pontuado pelo estudo, o Sudeste também apresenta a melhor taxa de coleta. Com cobertura de 85,5%, a região é a que mais se aproxima da universalização dos serviços. No entanto, para melhorar a média de 0,487 e alcançar o nível médio estabelecido pelo ISLU, acima de 0,600, ainda precisa avançar na destinação correta e na reciclagem dos resíduos.

“Existe uma desigualdade muito grande entre os estados brasileiros, que observamos em todas as edições do ISLU até agora. Com políticas de gestão mais eficientes e modelos de cobrança de longa duração, alguns com mais de 20 anos, a região Sul se sobrepõe às outras em praticamente todas as dimensões. É um ponto importante a ser observado, de como a cobertura dos custos se reflete na qualidade e na eficiência dos serviços executados”, diz o economista José Freitas, diretor do Departamento de Economia do Selurb.

 

A relação entre cobrança e geração de lixo

Nesta edição o ISLU realiza uma análise adicional sobre o impacto da cobrança na geração de lixo, que aponta redução de 8% no total de lixo gerado per capita em cidades onde há algum tipo de cobrança específica pelos serviços de limpeza e manejo de resíduos. O volume é equivalente a quase metade do estádio do Maracanã, ou a um mês sem geração de lixo no país, o que representa quase um ano a menos de geração a cada década.

O estudo analisou a realidade de 3.712 municípios em todos os Estados do Brasil, constatando que em apenas 1.662 há cobrança específica. Em apenas 132 dessas cidades, o valor arrecadado cobre totalmente os gastos com coleta, tratamento e descarte adequado de resíduos. Ainda assim, os resultados comprovam que a implementação da cobrança reflete diretamente no comportamento das pessoas, que passam a ter consciência do lixo que produzem e dos custos que o volume representa.

“A cobrança muda a relação das pessoas com os resíduos, da mesma forma que ocorre com outras utilidades econômicas domiciliares, como água, gás e energia elétrica, ou seja, diminuindo o desperdício. O resultado é positivo, pois há uma redução no total de lixo produzido individualmente e, consequentemente, na disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”, finaliza Márcio Matheus.

Das 10 cidades com mais de 250 mil habitantes mais bem pontuadas em 2021, todas cobrem pelo menos 98% das despesas com coleta, tratamento e destinação adequada dos resíduos por meio de cobrança individualizada do usuário. As sete primeiras colocadas – Santos, Niterói, Blumenau, Rio de Janeiro, São Vicente, Praia Grande e Porto Alegre – cobrem integralmente os custos a partir de uma taxa ou tarifa.