Relatório apresenta agenda positiva para reduzir danos do crack no Brasil

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Elaborado pela Open Society Foundations, documento estuda iniciativas de saúde pública, segurança e cidadania que já funcionam no país e enumera sugestões para lidar com usuários e apoiar comunidades; fundação promove eventos nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, nos dias 31 de janeiro, 1 e 2 de fevereiro

São Paulo, janeiro de 2017 – A Open Society Foundations (OSF), fundação internacional que promove a justiça e os direitos humanos, lança nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, nos dias 31 de janeiro, 01 e 02 de fevereiro, respectivamente, o relatório “Crack: Reduzir Danos – Lições Brasileiras de Saúde, Segurança e Cidadania”. Elaborado com base em três pesquisas realizadas em diferentes períodos de 2015, o relatório analisa iniciativas locais de saúde pública, segurança e cidadania no Brasil e apresenta uma agenda positiva com 7 lições aprendidas para tratar pessoas em situação de rua que usam crack.

Para marcar o lançamento do relatório, a OSF promove uma série de eventos públicos com especialistas brasileiros e as canadenses Sarah Evans, coordenadora sênior do Programa de Saúde Pública da Open Society e autora do relatório, e Liz Evans, pioneira na implementação de programas de saúde para usuários no Canadá e diretora executiva do dois maiores programas de redução de danos para usuários de drogas injetáveis em Nova York – New York Harm Reduction Educators (NYHRE) e Washington Heights Corner Project.

“Crack: Reduzir Danos” apresenta três abordagens que obtiveram sucesso em mudar a dinâmica de Cracolândias brasileiras. “Aproximação – A cena de drogas da R. Flavia Farnese”, realizado pela ONG Redes da Maré, do Rio de Janeiro, “Programa de Braços Abertos”, da Prefeitura de São Paulo e “Atitude – Atenção Integral aos Usuários de Drogas e seus Familiares”, do Governo do Estado de Pernambuco. O projeto da Maré foi alvo de investigação participativa envolvendo pesquisadores e membros da comunidade; em São Paulo e Pernambuco, os programas foram avaliados de forma independente por pesquisadores de centros acadêmicos e universidades brasileiras.

“Em um momento de crise no sistema prisional brasileiro e urgência na discussão sobre a segurança pública no país, estes projetos demonstram que o Brasil tem todas as condições de desenvolver respostas nacionais em sintonia com os consensos internacionais e que contribuem para a saúde pública e para a redução do encarceramento e dos homicídios das pessoas em situação de rua que usam crack”, diz Sarah Evans, coordenadora sênior do Programa de Saúde Pública da Open Society e autora do relatório.

Apesar de diferentes em formato, os três projetos analisados compartilham do princípio chave de buscar entender as pessoas que habitam esses locais e tratar seus problemas de forma pragmática, em benefício de toda a comunidade local e do entorno.
A análise conjunta das pesquisas permitiu à OSF estabelecer 7 lições para reduzir danos do uso de crack por pessoas em situação de rua:

1. Não exigir abstinência dos usuários de drogas como pré-condição para participar dos programas de atendimento e assistência

2. Ouvir os usuários e valorizar vínculos familiares e relações existentes, bem como sua autonomia

3. Garantir oferta de moradia como fator-chave de estabilidade na vida dos usuários

4. Proporcionar oportunidades de treinamento, emprego e geração de renda para ajudar a reinserir os usuários no mercado de trabalho e na comunidade

5. Criar medidas para reduzir a vulnerabilidade de pessoas em situação de rua que usam drogas à violência e homicídios

6. Oferecer diversidade de tipos de tratamentos para o uso de drogas, garantindo acesso de usuários à saúde clínica e mental como deve ser de direito de todos os cidadãos

7. Engajar as agências de governo de forma multisetorial, inclusive os órgãos de segurança pública, e envolver organizações de base comunitária.

Lançamento em São Paulo (31/01)
Além da apresentação de Liz Evans, o evento no Tucarena, na cidade de São Paulo, terá uma mesa redonda com a participação de Dr. Drauzio Varella (médico), Luciana Temer (ex-secretária de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo), Nathalia Oliveira (Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas) e Pedro Abramovay (diretor da OSF para América Latina e Caribe) para discutir programas de redução de danos para pessoas em situação de rua que usam crack nas chamadas ‘Cracolândias’ brasileiras. A moderação é da jornalista Fernanda Mena (Folha de S. Paulo).

Lançamento no Rio de Janeiro (01/02) e em Recife (02/02)
A publicação do relatório Crack: Reduzir Danos e a visita de Liz integram o maior projeto já realizado pela OSF no país. Na capital carioca, no Museu de Arte do Rio (MAR), além de Liz e Sarah, o debate terá a participação de Eliana Souza Silva (diretora da Redes da Maré) e Marcelle Decothé (Anistia Internacional), com moderação da jornalista Flávia Oliveira (O Globo).

Já em Recife, o debate será realizado no Hotel 7 Colinas e contará com a presença ainda de Ingrid Farias (diretora da Associação Brasileira de Redução de Danos) e José Luiz Ratton (coordenador do Núcleo de Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da UFPE), ao lado de Liz Evans e Sarah Evans, com moderação do jornalista Bruno Paes Manso (Ponte Jornalismo / Carta Capital).


Pano de fundo
Populações em situação de rua que usam drogas existem em centros urbanos ao redor do mundo, e o Brasil não é exceção. São indivíduos que estão entre os grupos mais vulneráveis da sociedade. Vivendo na pobreza, em geral com baixos índices de educação, muitas com histórico de passagem pelo sistema prisional e expostas ao escrutínio público, as pessoas em situação de rua que usam drogas se encontram encurraladas entre a polícia e o sistema de justiça criminal – que as veem como uma ameaça à ordem pública; e o crime organizado, que as tratam como mercado e fonte de renda e mão de obra.

Tradicionalmente, os governos têm respondido à presença de pessoas em situação de rua que usam drogas com encarceramento e violência, ou internações e remoções forçadas em nome de um tipo de “ajuda” que aprofunda problemas de saúde pública e marginaliza ainda mais esses cidadãos. Quando um usuário escapa à criminalização do Estado e busca acesso à moradia e tratamentos de saúde, encontra obstáculos ou é obrigado a provar abstinência como pré-condição para obter auxílio.

Maré/ Rio de Janeiro / RJ
Pesquisa realizada pela Redes da Maré, com apoio do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CeSEC) e do Núcleo Interdisciplinar de Ações para a Cidadania (NIAC), entrevistou 59 residentes da cena de uso de crack localizada à R. Flávia Farnese dentro do programa Aproximação. A média de idade dos participantes é de 31,5 anos. Dos pesquisados, 30% são negros, 53% são pardos, 25% são brancos e 2% indígenas.

Cerca de 86% dos participantes da pesquisa tem nível de ensino médio incompleto – uma proporção maior que o índice geral da população da Maré com mais de 16 anos (68.2%) e quase o dobro da registrada na população fluminense com mais de 15 anos de idade (47.8%). Quase metade dos residentes da cena da Maré (46%) não completaram o ensino fundamental, enquanto esse índice é de 28.1% na população da cidade com mais de 15 anos de idade, de acordo com o Censo de 2010.

A maioria não é de usuários iniciantes. Em média, os residentes da Flávia Farnese tem usado drogas ilícitas por 15,5 anos. Dos entrevistados, 76% se encontram em situação de rua há um ano ou mais e 25% há seis anos ou mais. O grupo acompanhado pela pesquisa tinha paridade virtual de gênero com 28 mulheres e 31 homens. Esse indicador difere de numerosos relatórios que apontam predominância do sexo masculino da ordem de 80% nas Cracolândias brasileiras.

A Redes também identificou empecilhos significativos na coordenação entre as instituições de cuidado e outros órgãos governamentais que interagem com essas populações, principalmente os ligados ao sistema de justiça criminal. Em uma amostra clara da contradição inerente ao sistema, as operações realizadas pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e a ação de “Ordem e Choque” do Departamento de Ordem Pública da Prefeitura do Rio de Janeiro afetaram não apenas os usuários mas a continuidade dos serviços públicos de saúde e assistência social na Maré.

São Paulo / SP
Uma pesquisa sobre os participantes do Programa De Braços Abertos e sobre o impacto e a eficiência do programa foi realizada por especialistas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (LEIPSI), com apoio institucional da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD).

A pesquisa indica que a média de idade dos participantes é de 30 anos. 73% deles tem pelo menos um filho, 43% até dois filhos e 30% tinham três ou mais filhos. A maioria dos participantes tem baixos índices de escolaridade e não tem carteira de trabalho. 68% se identificam como negros ou pardos, 37% dos participantes do programa são mulheres e 5% dos participantes são pessoas trans. São pessoas que vivem sob estado de medo: 39% temem violência sempre ou quase sempre e 26% temem violência às vezes. Isso inclui medo das forças públicas de segurança com 80% definindo sua relação com a polícia como ruim ou muito ruim.

Como constatado nas outras pesquisas, os participantes do De Braços Abertos querem as mesmas coisas que a maioria das pessoas: dinheiro, família e lazer. Suas prioridades não são sobre drogas, mas sobre sua situação econômica (para 66%), suas relações familiares (para 60%) e a falta de atividades de lazer (para 53%). Os assistidos pelo programa têm vidas que foram moldadas pelo sistema de justiça criminal. A maioria já cumpriu pena em presídios (67%). Mais de metade (53%) dos participantes do DBA já tinham recebido algum tipo de tratamento para dependência.

Graças ao DBA, 84% dos participantes conseguiram emitir documentos de identidade, 53% retomaram contato com a família e 73% ingressaram na frente de emprego oferecida pelo programa. Dos beneficiários, 95% avaliam o DBA como tendo um impacto positivo ou muito positivo em suas vidas. O grande diferencial do Programa De Braços Abertos foi a escolha de não estabelecer abstinência do uso de drogas como pré-condição ou objetivo em troca de oferecer moradia. Mesmo sem pregar abstinência, a avaliação do DBA apontou que pelo menos 65% dos usuários reduziram seu consumo de crack após participar no programa – e outro estudo apontou que esse número chegaria a 85%.

Pernambuco
Foram analisados quatro bancos de dados de abrigos do ATITUDE em quatro municípios, reunindo informações sobre um total de 5.714 indivíduos atendidos pelo programa. Além disso, foram conduzidas 30 entrevistas e realizados três grupos focais com participantes, familiares e equipes.

Reforçando aspectos das pesquisas do Rio de Janeiro e de São Paulo, a maioria dos usuários de crack pesquisada pelo ATITUDE compartilha um determinado perfil sócioeconômico e tem trajetórias similares. Entre 65%-70% são negros, e majoritariamente homens, pobres e jovens (18-33 anos de idade); tem baixa escolaridade e trabalharam no setor informal e, em alguns casos, com grupos criminosos.

Provém de famílias com pouca estrutura, muitas vezes criados apenas por mães que trabalham fora para sustentar sozinhas a casa, deixando as crianças sob cuidados de parentes ou vizinhos. Viveram em comunidades com prevalência de violência e tráfico de drogas ilícitas, e vários relataram casos de assassinatos de pais, irmãos e amigos. Em geral, os participantes estavam desempregados e muitos vivem ou viveram em situação de rua. Grande parte dos indivíduos pesquisados consumia crack há 3 – 5 anos, geralmente com padrão de uso diário.

Antes do ATITUDE, 93% dos pesquisados (177 de 191) se identificavam como usuários ativos de crack; após o engajamento no programa, esse número caiu para 64%, com 36% dos participantes deixando de usar a droga. Aqueles que seguiram consumindo crack reportaram uso menos intenso da substância e intervalos mais longos entre episódios de alto consumo. Por exemplo: indivíduos que fumavam cinco ou menos pedras de crack por episódio eram 10% antes do ATITUDE; após a implementação do programa, esse índice subiu para 39,4%; no caso de indivíduos que consumiam mais de 15 pedras de crack por episódio, o índice caiu de 57% antes para menos da metade (24,8%) depois do ATITUDE. Ou seja, o volume total de uso da droga foi reduzido, bem como caiu a intensidade de uso dos indivíduos que continuaram a consumir a substância.

Em paralelo, cerca de 91,1% (174) dos participantes responderam que sua saúde melhorou após ingressar no programa.

Conclusões do relatório
Ao serem examinados individualmente, os projetos vistos em Rio de Janeiro, São Paulo e Recife são pautados pela não-violência e pelos direitos humanos,para responder ao uso de drogas por pessoas em situação de rua nas cidades brasileiras. Coletivamente, essas iniciativas representam uma resposta significativa a um problema urbano global e uma forma de resistência às políticas negativas e ao sofrimento humano observado nas congregações de pessoas em situação de rua que deveria ser intolerável em qualquer sociedade moderna. Mais além, ao demonstrar que garantir direitos humanos para alguns não significa que outros percam, estes programas têm saldo positivo e são uma clara vitória para suas cidades.

Sobre a Open Society Foundations
A Open Society Foundations trabalha para construir sociedades vibrantes e tolerantes cujos governos sejam responsáveis por seus cidadãos. Atuando junto a comunidades locais em mais de 100 países, a Open Society Foundations apoia a justiça e os direitos humanos, a liberdade de expressão e o acesso à saúde e educação públicas.

Lançamento: Crack: Reduzir Danos (São Paulo)
Palestra: Liz Evans
Debate com: Pedro Abramovay, Luciana Temer, Dr. Drauzio Varella e Nathalia Oliveira
Moderação: Fernanda Mena
Local: Teatro Tucarena
Endereço: R. Monte Alegre, 1024 – Perdizes, São Paulo – SP
Horário: 19h às 23h
https://www.facebook.com/events/358940301153690/?ti=cl

Lançamento: Crack: Reduzir Danos (Rio de Janeiro)
Palestra: Liz Evans
Debate com: Sarah Evans, Eliane Souza Silva e Marcelle Decothé
Moderação: Flávia Oliveira
Local: MAR – Sala do Olhar
Endereço: Praça Mauá, 5 – Centro, Rio de Janeiro – RJ
Horário: 19h às 23h
https://www.facebook.com/events/1101338756655928/?ti=cl

Lançamento: Crack: Reduzir Danos (Recife)
Palestra: Liz Evans
Debate com: Sarah Evans, Ingrid Farias e José Luiz Ratton
Moderação: Bruno Paes Manso
Local: Hotel 7 Colinas
Endereço: R. de São Francisco, 307 – Carmo, Olinda – PE
Horário: 19h às 23h
https://www.facebook.com/events/1338971282841731/?ti=cl