Marinete Feliszyn recebeu doações de desconhecidos para estadas, refeições e até aluguel. Foram 81 dias de internação no Rio — 55 deles na UTI. No início de junho, mãe e filha voltaram para Rondônia
Grandes doses de solidariedade de cariocas, na maioria de desconhecidos, ajudaram a esteticista rondoniense Marinete Gonçalves Feliszyn, de 38 anos, a acompanhar o tratamento da mãe, internada com Covid a 3.500 quilômetros de casa.
Dona Maria das Graças Gonçalves foi uma das últimas pacientes de Porto Velho transferidas para o Rio, ainda em fevereiro, quando da superlotação da rede de saúde na Região Norte. A ajuda de anônimos permitiu que Marinete permanecesse perto da mãe — realocada no Hospital São Francisco na Providência de Deus (HSF), na Usina, na Zona Norte — por quase três meses.
A rede de acolhimento carioca fez com que a esteticista ganhasse passagem, estadias, refeições e até dinheiro para um aluguel. Foram 81 dias de internação — 55 deles na UTI. No início de junho, mãe e filha voltaram para Rondônia, livre do coronavírus.
“Sobrevivi graças à solidariedade que encontrei nas pessoas do Rio. Pessoas que nunca me viram, mas que me apoiaram e me ajudaram muito nessa saga que foi acompanhar o tratamento da minha mãe. Falam que o Rio é perigoso, mas no meu caminho só encontrei amor e compaixão”, declarou.
Cuidado com 15 parentes infectados
A saga da rondoniense, penúltima filha de nove irmãos, começou quando toda a família pegou Covid. Ela se desdobrava todos os dias por 20 quilômetros para cuidar de 15 parentes entre Porto Velho e Candeias do Jamari, onde fica o sítio onde moram seus pais octogenários.
Esteticista, impedida de trabalhar por causa da pandemia, Marinete começou a ver minguar o pouco dinheiro que tinha guardado, quando o estado de saúde de seus pais se agravou.
O pai José Ribeiro Gonçalves Filho foi internado num hospital de campanha. Mas a mãe, Maria das Graças, mais grave, precisava de um leito de UTI. Rondônia, na ocasião, estava com todos os leitos ocupados, por causa da crise da saúde no Amazonas.
“Havia 40 pessoas na fila por uma vaga de UTI. Foi quando o estado da minha mãe se agravou e decidiram transferi-la para o Rio. Mas a saúde estava tão caótica, que só soubemos da transferência dois dias depois, quando fui levar uma sopa para ela e ela não estava mais em Rondônia”, contou a esteticista.
Em desespero, Marinete e o irmão passaram um dia inteiro ligando para todos os hospitais do Rio até descobrir que Maria das Graças estava em um hospital da Zona Norte.
Sem dinheiro, a esteticista fez um voto de fé para atrair solidariedade: raspou a cabeça e doou seus longos cachos para uma amiga com suspeita de câncer fazer uma rifa e obter o dinheiro para pagar uma biópsia.
“Acredito que quando a gente faz o bem, Deus nos dá alguma coisa boa em troca. Estava fazendo uma vaquinha com a família, quando uma amiga me doou uma passagem aérea de ida para o Rio. Não pensei duas vezes: juntei o pouco que consegui, deixei meus filhos de 14 e 19 anos com uma irmã, e fui atrás da minha mãe. Não podia deixar ela sozinha”, disse Marinete.
Solidariedade de desconhecidos
Ela passou a primeira noite no Rio em um hotel, mas a diária era muito cara. Marinete contou, então, a situação para um médico do HSF, que conseguiu abrigo na casa de uma psicóloga, também natural de Rondônia. Durante uma semana, ela ficou na casa da desconhecida.
“Mas era longe do hospital e gastava R$ 20 por dia de ônibus e metrô. Pesquisei e aluguei um quartinho na Usina, por R$ 700, mas não gastava mais com passagens. Andava 25 minutos até o hospital. Uma outra médica, quando soube da minha situação, conseguiu autorização para que eu almoçasse todo dia no hospital. Meus irmãos me mandavam o que podiam, R$ 20, R$ 50”, contou.
Conforme as dificuldades surgiam, a corrente de solidariedade aumentava. Parentes de pacientes também internados com Covid, sensibilizados com a história de Marinete, doaram roupas de cama, de banho e utensílios para ajudar a estadia da esteticista no Rio.
“Encontrei gente de muito bom coração, que me dava forças para continuar com minha mãe. O amigo do marido de uma paciente, que nunca tinha me visto na vida, foi especialmente um dia ao hospital só para me doar R$ 1 mil. Ele marcou comigo na portaria do hospital, para que eu não ficasse com medo, e me entregou o dinheiro, dizendo: ‘não é muito, mas é para te ajudar'”, lembra.
Ela passou a primeira noite no Rio em um hotel, mas a diária era muito cara. Marinete contou, então, a situação para um médico do HSF, que conseguiu abrigo na casa de uma psicóloga, também natural de Rondônia. Durante uma semana, ela ficou na casa da desconhecida.
“Mas era longe do hospital e gastava R$ 20 por dia de ônibus e metrô. Pesquisei e aluguei um quartinho na Usina, por R$ 700, mas não gastava mais com passagens. Andava 25 minutos até o hospital. Uma outra médica, quando soube da minha situação, conseguiu autorização para que eu almoçasse todo dia no hospital. Meus irmãos me mandavam o que podiam, R$ 20, R$ 50”, contou.
Conforme as dificuldades surgiam, a corrente de solidariedade aumentava. Parentes de pacientes também internados com Covid, sensibilizados com a história de Marinete, doaram roupas de cama, de banho e utensílios para ajudar a estadia da esteticista no Rio.
“Encontrei gente de muito bom coração, que me dava forças para continuar com minha mãe. O amigo do marido de uma paciente, que nunca tinha me visto na vida, foi especialmente um dia ao hospital só para me doar R$ 1 mil. Ele marcou comigo na portaria do hospital, para que eu não ficasse com medo, e me entregou o dinheiro, dizendo: ‘não é muito, mas é para te ajudar'”, lembra.
“Sou evangélica, mas fui descobrindo a fé não só em Deus, mas em outras religiões. E descobrir uma força maior que é a fé nas pessoas. Todo mundo fala que fui guerreira. Mas a verdade é que sem a solidariedade, o apoio de toda essa gente que nunca tinha visto, não teria conseguido. O povo do Rio é muito solidário”, disse a esteticista.
Um dia, pegou um ônibus e foi parar em Ipanema, na Zona Sul. Se preparava para fazer uma selfie no calçadão e mandar para a família, quando um jovem, que caminhava com a mãe, que era cuidadora de idosos, se ofereceu para fazer a foto.
Marinete contou sua história e recebeu um convite para dar um passeio pelos pontos turísticos da cidade.
“Aceitei o convite para almoçar com eles, mas não quis fazer o passeio. Queria voltar logo ao hospital. Dias depois, minha mãe saiu da UTI e fiquei feliz da vida. Quando ela acordou levou um susto quando me viu com a cabeça raspada. Agora, a luta é para refazer nossas vidas”, disse.
Ainda sem conseguir retomar o ritmo de trabalho de antes da pandemia, a esteticista disse que continua contando com o apoio da família para pagar as contas e a fisioterapia da mãe. Seu pai vendeu alguns bois para ajudá-la com as dívidas.
“Quero um dia voltar ao Rio não só para conhecer a cidade, mas para agradecer a toda gente que me ajudou muito na minha saga. Quero levar minha mãe comigo, mas ela só pensa em voltar o mais rapidamente possível para a vida no sítio com meu pai, em Candeias”, contou Marinete.
Ela diz que primeiro vai esperar a família recuperar a saúde, estabilizar as finanças e o cabelo crescer para ficar bem na foto em Copacabana e no Cristo Redentor.
Fonte: G1 Rio de Janeiro