Prisão do governador do RJ mostra um novo paradigma para a Justiça Penal brasileira

0
545

A prisão de Luiz Fernando Pezão, governador do estado do Rio de Janeiro, representa um novo paradigma para a justiça penal brasileira. “Essa é a primeira vez na história do estado fluminense que um governador eleito não foi retirado do cargo para cumprir medida cautelar de antecipação da reclusão penal”, destaca Carlos Eduardo Rodrigues Bandeira, advogado especialista em Direito Penal.

Segundo o especialista, isso significa que o juízo entendeu que o mandato pode ser interrompido em decorrência das investigações.

Essa decisão mostra que o principal problema do estado fluminense não é meramente econômico ou de alguma ineficácia de uma política pública como saúde, educação, moradia ou segurança; mas decorre de uma crise política de má gestão e desvio das atividades públicas.

Além disso, o mandato de governador não representa uma cláusula impeditiva para o cumprimento de cautelares de natureza penal. “Elas não impedirão o cumprimento de uma futura condenação definitiva, mesmo sobrevindo no cumprimento do mandato”, explica Bandeira.

A crise política no Rio de Janeiro é visível a partir do julgamento de ações e das condenações dos quatro últimos governadores do estado: Anthony Garotinho e a cônjuge Rosinha Matheus (por crimes de natureza eleitoral), Sérgio Cabral Filho (condenado a mais de uma centena de anos de pena) e, por último, Luiz Fernando Pezão (no momento em prisão de natureza cautelar).

“Ao somar oito anos de dois mandatos da família de Garotinho, oito anos de governo Cabral e quatro anos de governo Pezão, é possível observar que 22 anos da história recente do Rio de Janeiro foram governados por gestores acusados de alguma espécie de crime; dois deles em reclusão”, lembra Carlos Eduardo Rodrigues Bandeira.

A única exceção é o governo de Benedita da Silva, atual deputada federal do estado fluminense. “Fica claro que o principal problema do estado fluminense possui natureza política e está relacionado com a gestão”, afirma Bandeira. Trata-se de um  problema muito superior aos déficits nas políticas públicas e na incorporação de parcela cidadã historicamente excluída das políticas sociais.

Para o advogado, a prisão de um governador em exercício de seu mandato não representa um atentado contra a democracia, mas uma garantia para que sejam preservados os princípios constitucionais que garantem uma gestão idônea e a preservação da supremacia do interesse público, conforme obediência ao texto da lei constitucional.

“Essa justificativa é plenamente válida para romper com um mandato eletivo e explicar o afastamento de um acusado, observado o respeito ao seu direito de ampla defesa, para o cumprimento de uma punição de natureza penal”, complementa.

Esse novo paradigma é uma continuidade do entendimento da Suprema Corte brasileira a partir da relativização do foro por prerrogativa de função, em que um tribunal de composição mista e não um juiz singular é responsável pelo julgamento dos ocupantes de cargos eletivos, seja do parlamento federal ou do poder executivo estadual e federal.

“No caso de um governador, o órgão responsável a priori é o Superior Tribunal de Justiça, contudo, a competência pode ser alterada quando o réu, no caso o governador, for acusado de participar de um crime cujos outros personagens envolvidos na trama são titulares de cargos que atraem a competência para a Suprema Corte brasileira”, explica.

A decisão que deu origem à prisão de Pezão chama a atenção dos especialistas em direito penal. Carlos Eduardo Rodrigues Bandeira diz que foi uma decisão monocrática proferida por um relator do processo baseada em um acordo de delação. “Isso, em princípio, processualmente tornaria a prisão um ato precário e sujeita ao ataque mediante habeas corpus pela ausência de deliberação pelo plenário da corte e pela pouca ´força´ da prova apresentada”, diz.

Contudo, os efeitos políticos da decisão já podem ser sentidos, posto que fora iniciado o processo de impedimento do governador pela ALERJ, o órgão legislativo estadual e o vice governador Francisco Dornelles assumiu o mandato de governador.

“Esse novo paradigma penal representa uma transformação em sede administrativa e criminal, pois o mandato eletivo não blindará aqueles gestores acusados de atos não compatíveis com o cargo”, aponta. Além disso, o advogado afirma que o cenário mostra que a jurisdição penal está se transformando. ” A mudança parece tentar combater os chamados  ‘crimes de colarinho branco’ e a justiça começa a romper com a velha questão da impunidade nesses tipos de crimes”, conclui.

 

 

Sobre o advogado

Carlos Eduardo Rodrigues Bandeira é advogado especialista em Direito Penal, Mestre em Direito Político e Econômico, consultor em direito penal no Theon de Moraes Advocacia Empresarial. Site: (http://theondemoraes.com.br)