Previsão: 80% dos prefeitos que buscarem a reeleição vão se dar mal

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Na foto Carlos Manhanelli

Na foto Carlos Manhanelli
Na foto Carlos Manhanelli
Publicitário, radialista, jornalista, sociólogo, cientista político, formado em Marketing, com quatro graduações, cinco pós-graduações lato sensu, um MBA e uma pós stricto sensu (mestrado em Comunicação Social, pela Universidade Metodista de São Paulo). Também presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos, professor em três universidades da Espanha — Salamanca, Camilo José Cela e Instituto Ortega y Gasset. Tem 18 livros publicados, o último deles lançado em 23 de abril, em Madrid (ainda sem versão em português), sobre consultoria política. Este é o rico currículo de Carlos Manhanelli, uma das referências em consultoria política no Brasil.

Com 42 anos de experiência em campanhas políticas, ele prevê dificuldades enormes para os prefeitos que tentarem se candidatar à reeleição. “Cerca de 80% dos que se aventurarem não devem ser reeleitos”, diagnostica. Pesará, segundo Manhanelli, o grave momento financeiro por que praticamente todas as prefeituras têm passado nos últimos anos.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, o consultor falou ainda sobre o que espera o eleitor, as especificidades da eleição em cada município e como cada político precisa ressaltar suas qualidades. Também olha com um viés crítico os que buscam na rede social a redenção para buscar o mandato. “Não adianta entrar na internet para pedir voto quem não usou esse ambiente para fortalecer sua imagem com mais tempo”, analisa.

Patrícia Moraes Machado — Quando o sr. começou a trabalhar com campanhas políticas?
Comecei em 1974, com a candidatura de Orestes Quércia ao Senado por São Paulo. Naquele ano, houve a primeira concessão para que houvesse um partido opositor ao regime militar. Até então, o MDB [Movimento Democrático Brasileiro, do qual se originou o PMDB] apenas fazia parte do Congresso, uma vez que todos os cargos do Executivo eram por indicação, incluindo os senadores. Ali, então, foi aberto o sistema e nós participamos — nunca digo que fiz, porque sou apenas consultor — da campanha de Quércia. Quatro anos depois, abri minha empresa de consultoria em marketing político.

Patrícia Moraes Machado — Naquela época havia restrições para fazer campanha em TV e rádio?
Podíamos usar tudo em 1974, e esse foi o grande problema dos militares. Usamos todos os recursos da televisão para elegermos senadores pelo MDB e, por isso, em 1976 foi restringido o uso da TV pela Lei Falcão [criada no governo do general Ernesto Geisel para limitar a propaganda política no país por meio da padronização da apresentação dos candidatos políticos na TV e no rádio].

Cezar Santos — Então passaram a colocar somente os “bonequinhos” dos candidatos, em forma de retrato, com breves dados curriculares…
Exatamente. O retrato e um locutor, falando em off. E eu me lembro de que o melhor era o de Lula: ex-metalúrgico, ex-sindicalista, tudo ex, ele não era nada, só aparecia “ex” (risos).

Patrícia Moraes Machado — E como o sr. avalia o avanço do trabalho de marketing político? O que mudou de 1974 para cá?
Isso começa em 1954 no Brasil, não em 1974. Começou quando o dono do Banco Nacional, Magalhães Pinto, apoiou Celso Mello de Azevedo para prefeito de Belo Horizonte. Celso estava muito ruim na campanha, e Magalhães Pinto, da UDN, pediu à agência de propaganda do Banco, a JMM, de João Macedo, uma ajuda para o candidato. Um dos estagiários da agência era Cid Pacheco, que depois se tornou professor de comunicação da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Bem, aí eles interferiram na campanha, usando a metodologia da propaganda e da publicidade e conhecendo um pouquinho do que era o marketing dos Estados Unidos para trazer ao Brasil. Eles aplicaram o que apreenderam e Celso virou, ganhando a eleição em Belo Horizonte. Então, a partir de 1954 começa um estudo mais aprofundado do marketing político — o que, na verdade, já tinha sido iniciado em 1950 na campanha de Getúlio Vargas. Em 1940, Getúlio, no período ditatorial, mandou Osvaldo Aranha aprender com Goebbels [Paul Joseph Goebbels, 1897-1945, político alemão e ministro da Propaganda na Alemanha Nazista entre 1933 e 1945] a como usar a propaganda política para a população fazer o que os donos do poder queriam — no caso da Alemanha, matar judeus e conseguir convencer o povo a matar outro povo considerando o massacre moralmente legal. Então começam no Brasil, na década de 40, os primeiros acordes, digamos assim. Em 1954 temos incursões dentro do marketing político eleitoral.
Na campanha de 1960, de Jânio Quadros — e pouca gente sabe disso —, ele tinha um programa de televisão, na TV Record, que ele usava para se projetar como candidato a presidente da República — eu tenho arquivos de cenas de Jânio apresentando esse programa.

Cezar Santos — E Jânio já vendia aquela persona estranha, marcante?
Sim, e é o que lhe dava destaque, a imagem de um ultradireitista. Aquela pose era derivada da própria ideologia que ele defendia, tinha de ser rígido. Era professor de português, ele corrigia jornalista que o entrevistava, “mude o verbo, está errado, coloque a sentença no passivo”. Ele era um rigorosíssimo professor de português do Dante Alighieri [tradicional colégio de São Paulo]. Ele sabia fazer o marketing dele. Em 1959 houve o primeiro comercial de 30 segundos, que foi do Jânio — tenho essa peça arquivada. Foi a primeira vez em que se usou a televisão com o intuito de fazer uma campanha eleitoral para convencer as pessoas a votarem em alguém.

Patrícia Moraes Machado — Pelo que o sr. conta, o marketing político não se preocupava em transformar o político naquilo que ele não era, diferente de hoje…
Hoje não acontece mais, já aconteceu. Nossa linha de trabalho é justamente essa: não existe teatro. Tomamos as qualidades existentes no candidato e as destacamos.

Cezar Santos — E em relação às pesquisas, tidas hoje como fundamentais para o sucesso de uma campanha?
O que é mais importante hoje numa pesquisa que se faz no marketing? Números, para mim, não querem dizer nada. Já cansei de virar campanha eleitoral em 24 ou 72 horas. Na eleição para a Prefeitura de São Paulo, em 1985, 24 horas antes do pleito, o Ibope garantiu que Fernando Henrique Cardoso seria vencedor contra Jânio Quadros; FHC sentou-se na cadeira de Mário Covas (então o prefeito), foi fotografado pela revista “Veja”, saiu na capa da revista como prefeito eleito e Jânio ganhou a eleição. Então, número é besteira (enfático).

Cezar Santos — Então, o que interessa numa pesquisa?
O que me interessa na pesquisa é saber, primeiramente, o que a população quer de qualidades para votar no candidato; em segundo lugar, quais os defeitos ela não vai suportar nele; e, em terceiro, qual a imagem que ela quer do futuro mandatário da cidade. Para o estudo dessa imagem, desde a década de 70, usamos o livro “O Estado Espe­táculo”, do sociólogo francês Roger-Gérard Schwartzenberg. Ele estabelece quatro imagens que qualquer político passa ao seu eleitor: o “herói”, que vai resolver todos os problemas da cidade; o “pai”, que vai cuidar dos mais fracos e oprimidos; o “líder charme”, que por meio de sua elegância, postura e argumentação, conquista o voto; ou “homem simples”, que emerge das massas para comandá-las. São só quatro imagens. Qual a imagem que a população quer do futuro mandatário? Então, temos de traçar imagem, qualidades e defeitos. A pesquisa tem de nos mostrar isso, quais os defeitos e as qualidades que a população enxerga no candidato. Se tivermos uma congruência de imagem, qualidades e não defeitos do candidato, 50% da campanha está feita. Os outros 50% se constituem em apresentá-lo como “o que vocês querem nós temos”. Não é teatro, é a verdade. Quando não se tem, aí surge o problema chamado “di­cotomia de imagem”. Isso aconteceu com Dilma Rousseff (PT).

Fui chamado duas vezes para campanha nos Estados Unidos. A primeira vez pelo pessoal de Bush [George W. Bush, então presidente do país], que me perguntou: “Manhanelli, como um analfabeto de pai e mãe, sem dedo, que não sabe falar, como esse cara se torna presidente da República de seu país?”. E lá fui eu explicar a eles a história de Lula, dos 20 anos em que ele vendeu a imagem do homem simples, do defensor dos trabalhadores, do sujeito que foi preso porque fazia greves para defender seus direitos, aquela história toda que se conhece de Lula. Passei isso em vídeo por duas horas e meia, explicando a história dele e como foi suavizada a imagem de Che Guevara que ele tinha para viabilizar sua chegada ao poder.

Passou Lula, e Dilma foi eleita. Aí eles me chamam para me perguntar como uma terrorista, comunista, que pegou em armas e roubou banco, se tornou presidente do País. Lá fui eu de novo explicar a eles, para entender essa história de imagem.

Tudo começou dois anos e meio antes da eleição de 2010, quando o pessoal do marketing de Lula e Dilma fez o diagnóstico, a pesquisa que fazemos.

Patrícia Moraes Machado — É uma pesquisa qualitativa?
Não, é uma quanti de profundidade. Lula queria que Dilma fosse sua sucessora. Foi realizado um diagnóstico e se apurou que a população queria alguém que tivesse a imagem da mãe, que desse continuidade ao que o “homem simples” Lula havia colocado como visão social. Ou seja, Dilma seria aquela que iria cuidar dos pobres, dos mais fracos, dos trabalhadores. E a imagem que se tinha dela era a de heroína, a que resolvia todos os problemas de Lula, caia na mesa dela um problema e ela chamava os ministros, dava bronca, resolvia tudo para ele. Então, tínhamos aí uma dicotomia de imagem: a população queria a mãe, e Dilma era vista como heroína. O que fazer, então?

No primeiro palanque em que ela esteve com Lula, ele levanta o braço dela e diz: “Aqui está a mãe do PAC” [Programa de Aceleração do Cres­ci­mento, um megapacote de obras que o governo implantou a partir do segundo governo Lula]. Começa então uma transformação de Dilma. Ela faz uma cirurgia plástica, tira o “bigode chinês”, diminui as rugas, arruma os dentes, suaviza o tom de voz, muda o “habitué”, começa a usar pérolas —quer saber se uma mulher é mãe, observe se ela usa pérolas; se usa, é matrona —, muda o cabelo, tira os óculos com armação de tartaruga, pesados. Essa transformação começou dois anos e meio antes da campanha. E quem tem sorte tem sorte. No meio da campanha, ela se torna avó. E avó é mãe duas vezes. Consagra-se a imagem de mãe e ela ganha a eleição. Isso é o que o marketing faz.

Patrícia Moraes Machado — Então, o marketing transforma o candidato. Comparando-se os casos, com Jânio foi preservada uma imagem, mas com Dilma houve uma transformação.
Não. Tem de ver qual o porcentual de imagem que o eleitor observa no candidato. Com Dilma, tinha lá 30% de heroína, era o que mais se destacava nela, mas tinha 10% de mãe. Então tinha de diminuir o que se tinha de heroína e aumentar o já observam de mãe; a imagem está ali, falta mostrar que existe a qualidade, ou seja, a verdade. Não se está construindo, mas, sim, ampliando uma verdade já existente. Lula identificou o perfil que a população queria e começou a trabalhar isso em Dilma dois anos e meio antes da eleição.

Patrícia Moraes Machado — Tra­zen­do a questão para o presente em Goiâ­nia, há uma base governista com vários pré-candidatos a prefeito da capital. É um erro não ter identificado o perfil adequado e ter lançado apenas um nome que preenchesse esse perfil?
Você falou bem. O grande erro é ter muitos pré-candidatos sem saber quais as qualidades que a população quer, para botar essas qualidades em alguém. Foi o que Lula fez com Dilma. Quais os defeitos o eleitor não vai suportar no candidato? Qual a imagem a população quer do futuro mandatário?

Patrícia Moraes Machado — Hoje em Goiânia se diz que a população quer um gerente…
Isso a população quer em todo lu­gar, é unanimidade no Brasil. Esse di­agnóstico estou fazendo em 40 cidades no Brasil.

Patrícia Moraes Machado — Então como se justifica que em Goiânia o Delegado Waldir (PR), o avesso da imagem de gestor, esteja na frente das pesquisas?
Em Belém (PA), também um delegado [Éder Mauro, deputado federal pelo PSD], que matou mais de 300 pessoas, está em primeiro. Qual é a maior demanda da população? Ela quer alguém que gerencie a segurança. Quem tem capacidade de fazer isso? O delegado é, em tese, o gerente ideal para o maior problema da cidade. Mas esse candidato corre grande perigo se não conseguir mostrar que também é capacitado para as outras áreas. Aí vira candidato de uma nota só. No plano nacional, é o que acontece com a ex-senadora Marina Silva (Rede), identificada pela população apenas como voz do meio ambiente, ou com o senador Cristovam Buarque (PDT), ligado apenas à educação.

Elder Dias — Eduardo Campos (PSB), na última eleição, em 2014, teve um acidente fatal. Logo em seguida, sua vice, Marina Silva (então no PSB), aparece em seu lugar e imediatamente sobe nas pesquisas. O que ocorreu ali?
Ali houve uma grande comoção social, uma bolha emocional. Só que ocorreu muito cedo, ainda em agosto, a tempo de os adversários a reverterem.

Patrícia Moraes Machado — Quais são os riscos de as bolhas emocionais elegerem alguém em uma eleição?
Muitos grandes. Citando esse caso de Marina Silva, Se fosse em um tempo mais curto até a data da eleição, ela estaria eleita. O problema, para ela, foi que faltava muito tempo ainda quando Eduardo Campos morreu. Se o acidente ocorresse a apenas poucos dias da votação, o resultado poderia ser outro, ela poderia ter sido eleita.

Cezar Santos — Mas houve uma campanha violenta de desconstrução da imagem dela.
Sim, mas porque teve tempo hábil para essa campanha dar efeito. Se fosse com menos tempo, não daria para mudar o efeito.

Patrícia Moraes Machado — Então, uma bolha emocional funciona às vésperas de uma eleição?
Com certeza. Essas bolhas, quando acontecem — e acontecem —, são úteis sempre às vésperas de uma votação. Do contrário, são desconstruídas.

Elder Dias — No caso específico de Marina Silva, o que leva o sr. a dizer tão assertivamente que ela não se sustentaria?
Candidata de uma nota só. As pessoas olham para Marina e só veem “meio ambiente”. Mas, pensam: será que ela seria capaz de gerir a economia, a saúde, a educação, a segurança? Onde ela mostrou isso. Não, ela se mostrou competente apenas para o meio ambiente.

Cezar Santos — Qual grande caso de sucesso, um belo “case”, de marketing político no Brasil o sr. destacaria, se pudesse citar apenas um?
Tancredo Neves, na campanha presidencial de 1985. É fácil entender: tínhamos o colégio eleitoral [composto por deputados federais], o povo e o marketing. O marketing tinha de fazer o povo fazer pressão no colégio eleitoral para eleger Tancredo. É preciso lembrar que a eleição era indireta e que o colégio eleitoral era predominantemente por adversários dele. Era necessário fazer esse jogo virar e os deputados votarem em Tancredo. Não era uma campanha direta, então tínhamos de fazer essa estratégia. E isso ocorreu a tal ponto que os deputados diziam: “rapaz, eu sou do partido do Maluf [Paulo Maluf, então no PDS, adversário de Tancredo Neves naquela eleição indireta] mas vou ter de votar no Tancredo, porque minha mulher disse que vai me abandonar se eu não votar nele”. A pressão foi tão forte que interferia dentro da casa do sujeito.

Cezar Santos — Mas essa pressão não aconteceu de forma espontânea…
Claro que não! (enfático) Tive­mos de fazer muito trabalho em nossa área para chegar a alcançar aquela mobilização.

Elder Dias — Então, como o sr. diz, o marketing influenciou decisivamente na mobilização para a eleição de Tancredo Neves, inclusive ao fazer uma ligação direta com os símbolos da campanha das Diretas.
Sim, trocamos o “Diretas Já” por “Tancredo Já”. Foi uma estratégia muito bem pensada. Pra que mudar jingle, símbolo, slogan? Bastou trocar uma palavra pela outra.

Cezar Santos — O sr. uma vez definiu o debate entre candidatos não como uma arena, mas como uma passarela. Como seria isso?
Quando você vai observar alguém na TV, o que você observa? A interpretação que ela tem e o que passa como mensagem. É isso que fica na cabeça. Quando se está em um debate, as pessoas estão vendo aquilo para saber o que vão fazer de melhor para elas. Por que alguém é melhor do que o outro num debate? Por que uma proposta dá mais benefícios do que outra? As pessoas pedem razões, é isso que elas procuram. Então, os debatedores devem desfilar os argumentos, as razões, para mostrar quem é o melhor.

Só que o debate vira uma arena: um tentando desconstruir o outro, falando mal, desqualificando-o, e vice-versa. Ora, a ideia original de um debate é levar propostas para convencer o eleitor de que sua proposta é melhor. Vamos a um exemplo, o debate de Lula (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) em 2006, na campanha à Presidência. Alckmin chegou à porta da TV Cultura e ali estavam os militantes do PSDB — o pessoal do PT foi para a Avenida Paulista, para ver pelos telões. A torcida chamou o tucano e o instigou: “Geraldo, você tem de ir pra cima do Lula, tem de descer o pau, você está muito ‘picolé de chuchu’, muito bonzinho, tem de bater a mão na mesa!”. E assim fez Alckmin naquele debate, “botou quente”, como se diz. Saiu aclamado pela militância. Na pesquisa seguinte, ele tinha caído 15 pontos. Por quê? Porque as pessoas estavam lá para ouvir o que ele iria fazer, saber de seu plano de governo. Mas não falou uma única palavra sobre isso, sobre suas propostas, apenas usou o tempo para desqualificar o oponente. Já no último debate de 2014, entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), houve as duas partes, a desconstrução e a construção, que era o que Alckmin não havia feito.

Elder Dias — Por que se diz que o que atrai as pessoas para ver os debates são as acusações, e não as propostas?
Quem fala isso não faz pesquisa, não trabalha cientificamente em uma campanha, faz uma análise à base de “achômetro”, o “eu acho que”. Hoje a pesquisa, numa campanha eleitoral, é a bússola, é ela que mostra o norte. E é preciso acompanhar o que o norte está dizendo. O “achômetro” acabou faz tempo.

“Candidato de uma nota só dificilmente tem sucesso”

Patrícia Moraes Machado — Como o sr. avalia as pesquisas chamadas de “quanti de profundidade”. Como ela se constitui em relação à pesquisa quantitativa e à qualitativa?
A quanti de profundidade tem muitas perguntas abertas. A maioria dos institutos não gostam de trabalhar com consultores políticos, porque preferem perguntas fechadas, “você vai votar em ?” etc. O problema maior é de tabulação, um trabalho ainda mais demorado do que o questionário de campo. Em uma quanti de profundidade se conseguem informações qualitativas, além das quantitativas.

Elder Dias — Mais isso deve demandar muito mais tempo — por conta da tabulação — e também ser mais oneroso, não?
Com certeza mais tempo, de 15 a 20 dias. Mas, embora seja a quanti de profundidade seja mais cara do que a quali, é mais barata do que a quantitativa.

Patrícia Moraes Machado — O sr. já foi convidado a trabalhar para al­guém que, a partir do momento em que fez essa pesquisa de quanti de profundidade, verificou que era um candidato sem chances de eleição?
Já. Várias vezes. E sempre aconselho a pessoa a desistir.

Patrícia Moraes Machado — Alguém resistiu e não desistiu?
O que não desistiu teve 1% da votação geral. Depois, me ligou dizendo “é, você tinha razão”. E eu disse, “pois é, e você gastou dinheiro à toa”.

Patrícia Moraes Machado — Algum desses que desistiram tinha a máquina nas mãos?
Um? Não, vários! (enfático) Ter a máquina na mão e não saber trabalhar com ela é como ter uma mina de ouro e não saber como tirar o metal. O que adianta? Nada.

Patrícia Moraes Machado — Então, o argumento de alguns candidatos derrotados, de que o adversário usou a máquina, é nada mais do que uma desculpa?
É conversa de quem perdeu. Hoje, de quem tem a máquina na mão para reeleição, em 80% dos casos não será reeleito. Ou seja, candidato a prefeito que for almejar um segundo mandato neste momento tem 80% de risco de não ser reeleito.

Cezar Santos — Isso vai muito por conta do desgaste, não?
Ocorre que essas gestões que agora estão se encerrando foram as que menos dinheiro tiveram para trabalhar.

Marcos Nunes Carreiro — E esta parece ser uma eleição que tem essa característica, de que os novos candidatos, os que estão entrando, terem mais chance.
Por que há um delegado em primeiro lugar em Belém? Por ser gestor de segurança, que é o principal problema da atualidade.

Elder Dias — Como fica a sustentabilidade das candidaturas “de uma nota só” nesse período de crise?
Eles precisam mostrar capacidade para atuar em outros temas, além daquele em que são especialistas. Esse é o problema crônico de Marina Silva (Rede) e de Cris­tovam Buarque (PDT); todas as ve­zes que fazem alguma declaração, isso ocorre sempre dentro do próprio tema, não ampliam o leque.

Elder Dias — E como será isso em uma campanha de 45 dias?
Vamos analisar isso com calma. O que ocorreu desta vez na legislação eleitoral foi algo que nunca tinha havido antes no Brasil e ninguém percebeu. Principalmente os políticos. Eles estão acostumados a fazer campanha apenas quando começa a propaganda eleitoral de rádio e TV. Só que a lei agora fala o seguinte, na prática: a pré-campanha começa em janeiro, mas o período de campanha oficial terá apenas 45 dias. E tem muito político esperando chegar o período de campanha!

Cezar Santos — Mas já tem muita gente de fato em campanha…
Desde janeiro! É que não existia a figura do pré-candidato, que só passou a ser reconhecida legalmente neste pleito, pela nova legislação.

Patrícia Moraes Machado — Como acessar o eleitor nesta pré-campanha, em um momento em que eles não querem ser acessados?
Como não querem? Basta o candidato querer. “É só você querer…” (cantarola o refrão do jingle da campanha presidencial de Lula em 2002). A classe média talvez não queira, mas não se pode tomar a população de modo geral dessa forma. Fui, na semana retrasada, com um candidato a prefeito de uma cidade da região metropolitana de Goiânia, a uma reunião domiciliar que tinha mais de 60 pessoas aplaudindo ele. E os adversários dele também estão fazendo reuniões assim, o que é permitido pelo Artigo 36-A [da Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015]. Agora é permitido fazer reuniões domiciliares para obter informações para o plano de governo, reuniões com outros partidos para fazer alianças partidárias, reuniões de pré-candidatos a vereador e é permitido, também, pedir para esses pré-candidatos a vereador fazerem reuniões nas casas deles para que os pré-candidatos a prefeito conversem com o eleitorado deles.

Patrícia Moraes Machado — En­tão, por que esse interesse da po­pulação não aparece nas pesquisas?
Porque não entrou veículo de massa no processo ainda.

Cezar Santos — Propaganda eleitoral…
Propaganda eleitoral. Eu acompanhei as duas campanhas do [presidente dos Estados Unidos Barack] Obama e Roy Campos, que é muito meu amigo e um dos estrategistas das campanhas, foi conversar com a gente. Eles nos disseram: “Vocês, no Brasil, acham que a internet ganhou a eleição para o Obama e estão completamente enganados ao tentar copiar isso, porque há duas diferenças básicas entre os Estados Unidos e o Brasil que vocês não perceberam: primeiro, o voto de você é obrigatório; o nosso é facultativo. No voto facultativo, a pessoa quer ou não votar, e ela entra na internet porque quer ou não saber o que está acontecendo. Segundo, aqui a internet serve para angariar dinheiro. No Brasil, vocês têm horário eleitoral gratuito; aqui, cada segundo é pago. E conseguimos dinheiro na internet, com os eleitores que querem o Obama como seu representante, que entram com seu cartão de crédito e mandam debitar.” Ou seja, a internet foi usada para conseguir espaço em rádio e TV. O voto é amarrado na propaganda, mas antes é preciso ter uma base, que é a conversa com o eleitor.
Nos próximos dias 7, 8 e 9 nós, consultores políticos brasileiros, estaremos na George Washington University para conversar com os estrategistas das campanhas de Donald Trump e Hillary Clinton. Eles vão mostrar o que farão, na última semana de campanha, para convencer o eleitor a votar.

Patrícia Moraes Machado — Então, os números das pesquisas não refletem nada?
Nada. Já disse: número, eu já virei em 24 horas antes das eleições. Jânio virou em 24 horas em São Paulo. A base é que conta e u­ma analogia boa para entender isso é um iceberg: você vê a ponta do iceberg, mas a maior parte do gelo não pode ser vista. Hoje, a movimentação dos candidatos mais espertos começou no dia 1º de janeiro, conversando com a população e estabelecendo a base para quando o período de propaganda começar. Esses são os inteligentes.

Cezar Santos — O sr. diz que a eleição é altamente científica. Então, não há mais lugar para intuição? A desistência do ex-prefeito Iris Rezende (PMDB), por exemplo, não foi intuitiva?
Não é nada intuitivo. Pode contar aí que ele tem pesquisa e sabe onde está pisando. Sabe por que ele recuou. Não existe mais espaço para o “feeling”.

Patrícia Moraes Machado — Iris Rezende se enquadraria em qual daqueles perfis que o sr. apontou anteriormente?
Isso é a população quem diz. Não sou eu. É necessário fazer u­ma pesquisa para saber. Vou dar quatro exemplos: se se fizer uma pesquisa, você verá que o grande pai da nação foi Getúlio Vargas, o homem que fez a CLT [Conso­li­dação das Leis Trabalhistas], os direitos trabalhistas, o 13º salário, as férias, tudo o que se deu para os trabalhadores foi Getúlio Vargas que fez.

Cezar Santos — A ponto de esquecerem que ele foi um ditador…
Tanto que Getúlio, por meio do movimento queremista, volta pelo voto. Ele foi ditador durante 15 anos e volta ao poder pelo voto popular. É uma coisa maluca. Então, o grande pai da nação: Getúlio Vargas. Quem foi o herói? Aquele que veio para re­sol­ver todos os problemas do Brasil? Fernando Collor de Mello, o que iria dar um tiro na inflação. Era quem pi­lotava F5 [avião caça] e lutava karatê.

Elder Dias — E, na época, ainda tinha a figura de Ayrton Senna…
E, por outro lado, José Sarney [presidente do Brasil entre 1985 e 1990]. Quem era Sarney? É preciso entender, também, aquele momento histórico. Sarney pega um período de transição entre o militarismo e um presidente civil. Se ele fosse muito duro, os militares voltariam; se fosse muito mole, os civis teriam problemas. Então, Sarney precisou transitar entre o poder militar e o poder civil e, por isso, ficou naquela história de passar pano quente em todos os lados. Vem Collor e diz: “Não tem pa­no quente aqui. Vou botar para arrebentar”. Era o que a população queria ouvir.

Elder Dias — Seria diferente se fosse Tancredo o presidente?
Muito diferente (enfático). Tancredo tinha o referencial do voto, Sarney não, porque era vice. É o que Dilma fala hoje de Temer.

Elder Dias — Tem a questão também do político Tancredo.
O Brasil já teve parlamentarismo e Tancredo foi o primeiro-ministro. Então, ele sabia como surfar nessas ondas todas. Ele tinha o conhecimento. Então, já falei do “pai” e do “herói”. Quem é o “homem simples”, aquele que emerge das massas para comandá-las? Lula. E quem é o “líder charme”? Juscelino Kubits­chek. Ele tinha um poder de argumentação muito forte. Então, são esses os exemplos dentro de cada uma das imagens estabelecidas por Roger-Gérard.

Cezar Santos — Os Kirchner [o casal Nestor e Cristina Kirchner, a segunda sucessora do primeiro na presidência da Argentina] caíram e, na Europa, a esquerda mais radical também está perdendo espaço. Na América Latina, verifica-se que o populismo tem perdido terreno. Como o sr. analisa isso?
Isso não é momentâneo, mas cíclico. Isso pode ser verificado na história mundial. O poder desgasta qualquer ideologia. Então, depois da esquerda vem a direita, que também se desgasta e, em seguida, retorna a esquerda. O próprio Lula disse isso uma vez, que o modelo de gestão do PT era para se desgastar em 2018, mas se desgastou antes. É um ciclo que só é interrompido pelo interregno de ditaduras, caso dos países latino-americanos.

Elder Dias — É possível ver isso claramente na história do Brasil?
Vejamos a campanha de 1960: Marechal Henrique Teixeira Lott e seu vice, João Goulart, o Jango, contra Jânio Quadros e seu vice Milton Campos. Naquela época, e devia ser assim até hoje, o voto para presidente era independente do voto para o vice. A população votava nos dois. Então, tínhamos o candidato a presidente Jânio, ultradireita, e o candidato a vice Jango, ultraesquerda. E as pesquisas mostravam que as pessoas queriam votar em Jango, mas não queriam Lott, e quem votava em Jânio não queria Milton. O que aconteceu: Jânio, muito espertamente, começa a mandar pichar nas paredes a inscrição “Jan-Jan”, isto é, Jânio e Jango. Eram campanhas diferentes, com jingles diferentes. O jingle dizia: “Faltam sete dias para a eleição. Jânio e Milton, vamos eleger para o bem da nação. Jânio Quadros, Milton Campos, Jânio Quadros, Milton Campos…” (cantarolando). E o Jânio, por baixo, fazendo o Jan-Jan. Tenho foto de paredes pintadas com as inscrições “Jan-Jan”. “Na hora de votar, eu vou jangar. É Jango, é Jango, é o Jango Goulart. Pra vice-presidente, Jorge Veiga vai jangar. É Jango, é Jango, é o Jango Goulart”. Jingles diferentes para presidente e para vice.

Patrícia Moraes Machado — O sr. disse que 2010 foi uma campanha plebiscitária.
Toda reeleição é uma campanha plebiscitária, não apenas a de 2010. Por quê? Se o governo está bom, continua; se não, elege-se outro. Ninguém vai olhar muito o plano de governo. É sim ou não.

Patrícia Moraes Machado — O desgaste do PT fará com que as eleições municipais sejam também plebiscitárias?
Quando se tem uma campanha de reeleição, ela é plebiscitária. Quando não há o fator reeleição, a campanha é eleitoral.

Marcos Nunes Carreiro — O que é o caso de Goiânia, neste ano, sem prefeito buscando reeleição.
Sim. A população vai avaliar a competência de cada candidato. Quando se tem um candidato que vai à reeleição, a população o observa: se ele está bem, continua; se está ruim, sai. Agora, quando os candidatos têm o mesmo peso, as pessoas olham quem tem mais competência para gerenciar o que elas precisam. Foi o caso de [Luiz Antônio] Fleury, em São Paulo, em 1990. [Orestes] Quércia sai para tentar o Senado e coloca seu secretário de Segurança Pública no lugar e ele ganha a eleição. Por quê? Porque ele podia gerenciar o problema maior da época, que era a segurança pública.

Patrícia Moraes Machado — Mas po­de ser plebiscitária também em re­lação ao tema a ser discutido, ou não?
Não. Nesse caso, é o programa, o que o candidato vai fazer para a segurança e qual a sua competência para a segurança. Vão comparar a capacidade dos demais à dele. Aí temos um comparativo de programas de governo e de capacidade gerencial.

Patrícia Moraes Machado — Hoje uma campanha mais populista tende a não ter êxito?
Em cada município é uma situação particular. Eu estou fazendo 40 diagnósticos em todo o Brasil. Tem município onde a imagem que as pessoas querem é do pai, do protetor, aquele que vem para continuar o trabalho social ou para fazer um novo trabalho social para passar a mão na cabeça de quem está necessitando. A maioria é herói, é aquele que vem para gerenciar o maior problema. Cada cidade tem uma demanda diferente. Não dá para falar que vai ser tudo igual. De bairro para bairro, as demandas já são diferentes. Tem bairro que tem problema de educação e outro tem problema de saúde.

Patrícia Moraes Machado — Então o discurso de que o PT desgasta a candidatura de quem é candidato hoje pelo partido, não vale?
É um dos fatores. Nós vamos cair em uma coisa que é definir o que é o voto. Há uma série de fatores positivos que desaguam no voto. Da mesma forma que eu tenho uma série de fatores negativos que desaguam no “não voto”. Eu posso votar em você porque você é da mesma religião que a minha. O fator maior, que vai pesar mais no meu voto, é que você é da minha religião. Outra pessoa pode votar porque gostou de seu plano de governo. O de um terceiro, porque achou você bonita e simpática. Os fatores que levam ao voto são uma somatória de fatores.

Não existe um só fator. Existe um primeiro e isso vai se somando. Eu sou da sua religião, mas o que você está falando no seu programa é legal. Você é bonita, você é simpática e sorriu para mim, vou votar em você. Ou você foi à minha casa tomar um café. Começam a somar os fatores positivos que desaguam no voto. O dia que você descobrir qual é o único fator que leva ao voto, me avisa que eu fico rico (risos).

Patrícia Moraes Machado — Mas e o caso do desgaste do PT? Um can­didato petista não tende a ser derrotado?
Lembre-se de que eu te falei sobre fatores positivos e negativos. É preciso pesquisar quais são as qualidades e defeitos e ver se isso é o que a população quer. Um dos defeitos apresentados é se ele for do PT. É um fator de “não voto”. Mas é um fator.

Elder Dias — Seria um fator grave hoje, para boa parte da população?
Depende, para cada eleitor. Para o militante do PT, obviamente, não é um fator grave.

Elder Dias — Mas para a população em geral hoje é grave?
Nessas 40 análises que eu estou fazendo sempre aparece “se ele for do PT” como fator negativo.

Patrícia Moraes Machado — Mas se ele tiver outros valores acaba minimizando o valor negativo.
Exatamente, você matou a charada. Eu tenho candidatos hoje do PT que vão ser eleitos, embora sejam do PT.

Elder Dias — Aqui em Goiânia te­mos, como pré-candidata do PT à Pre­feitura, a deputada estadual e delegada Adriana Accorsi, ligada portanto à questão da segurança, mas que também atua em outras áreas. Algumas pessoas dizem “ah, se a Adriana não fosse do PT eu votaria nela”. Ela é uma pessoa carismática, mas o cenário não a beneficia.

Patrícia Moraes Machado — Existe a desaprovação das administrações municipais em geral e o PT é poder em Goiânia. Isso é mais desgastante para ela do que ser do partido?
Só uma pesquisa pode responder isso. Não existe mais o feeling. O “achômetro” não existe mais. Hoje, para qualquer assunto que você queira desvendar, faça uma pesquisa. Ela vai ter de responder cientificamente, é a bússola.

Patrícia Moraes Machado — Não tem erro? Sempre é “2 e 2 igual a 4”?
Muito difícil ter erro, é sempre “2 e 2 igual a 4”. Isso se você fizer a coisa com a metodologia correta. Esqueça os números. Tanto que hoje é mais importante a qualitativa do que a quantitativa. A qualitativa é uma pesquisa que procura saber os sentimentos e as emoções, a qualidade da informação. A quantitativa quer saber quantas pessoas pensam do mesmo jeito. Isso é quantificar o pensamento. Na qualitativa, eu posso aprofundar, saber o sentimento. Se eu falar o nome de Iris Rezende aqui, o que desperta em você? Qual o sentimento, a emoção?
Isso é a pesquisa qualitativa. Ela vai me ajudar a construir um discurso para alcançar o coração, que é onde está o voto, a emoção. E a qualitativa ajuda nisso. Ela desperta emoções e sentimentos quando você joga, você sabe qual é a emoção e o sentimento que você vai ter de usar para chegar no coração do eleitor, e não na cabeça.

Patrícia Moraes Machado — Em 2012, as campanhas municipais de vereador e prefeito custaram R$ 4 bilhões Brasil afora.
Hoje nós temos, pela conta do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], 585 mil candidatos no Brasil inteiro. O Brasil não é um país, o Brasil é um continente.

Patrícia Moraes Machado — Mas há quatro anos se gastaram R$ 4 bilhões…
Se você dividir isso por 585 mil não dá muita coisa.

Patrícia Moraes Machado — Mas, com todas as mudanças na legislação eleitoral, espera-se que haja uma dificuldade de recursos para o político se apresentar como candidato. O sr. já percebe o reflexo disso?
Eu achei excelente, porque só há uma coisa que substitui dinheiro em campanha eleitoral, que é a criatividade. E o consultor político é quem tem criatividade na campanha.

Patrícia Moraes Machado — Nem todos.
Aí, então, não é consultor político. É marqueteiro.

Patrícia Moraes Machado — Qual a diferença entre consultor político e marqueteiro?
Quem é o marqueteiro? Bom, eu sou web designer e vejo a oportunidade na campanha eleitoral de ganhar dinheiro. Eu vou vender a internet como sendo a melhor coisa do mundo, “não gasta com mais nada, só investe em internet que nós vamos ganhar esta eleição”. Outro exemplo: jornalista que acabou de sair da redação e se apresenta ao candidato como jornalista, diz que entende muito de comunicação e que vai ganhar a eleição para o candidato. Esse é o marqueteiro.

O consultor político tem faculdade, conhecimento, capacidade, experiência, sabe o que fazer em cada momento, porque estudou, investiu em si, participou de vários congressos, seminários, ouviu vários especialistas, se formou como consultor político. Ele tem uma formação acadêmica e prática. A diferença é essa.

Cezar Santos — O marqueteiro é, então, um marqueteiro de si mesmo…
Nenhum consultor aceita o final “eiro”, de “marqueteiro”. Para nós, isso é altamente depreciativo. O professor Celio Pacheco, aquele que participou em 1954 da campanha de Belo Horizonte e depois se tornou professor da UFRJ, nos conta o seguinte: “Nunca se deixe chamar de marqueteiro. Quando o Brasil foi descoberto, ele virou colônia de Portugal. Só que Portugal já tinha outras colônias. Angola, Moçam­bique. E o pessoal especializado, que fazia teares, que faziam engenhos de cana, foram para Angola e Moçambique desenvolver aquele staff que eles tinham. Então, descobriram o Brasil. O que fazer com esse monte de terra? Quem é que nós vamos mandar lá para ocupar esse espaço? A maioria dos portugueses já estava nas colônias. O que nós vamos fazer? Abram a prisão e mandem tudo que é preso, degradado, assassino, para tomar conta lá, para resolver o problema daquele monte de terra que ninguém sabe o que fazer. Ficou uma dúvida: como é que nós vamos chamar os filhos desses desgraçados que foram para lá? Quem nasce, em Angola é angolano; quem nasce, em Moçambique é moçambicano; quem nasce no Brasil, pela lógica, seria brasiliano. Mas, como foi aquela ‘racinha’ pra lá, vai ser brasileiro, de ‘cueiro’, ‘doleiro’. Tudo que é de final ‘eiro’ é altamente depreciativo.”

Você se formou em jornalismo, então é jornalista, não é jornaleiro. Quem tem uma Harley-Davidson é motociclista; quem tem uma Honda 125 é motoqueiro. Banco é banqueiro. Porque que é engenheiro? Porque trabalha na obra, enquanto o arquiteto planeja. Então, todo final “eiro” é depreciativo.

Marcos Nunes Carreiro — E como seria uma boa analogia para o consultor político?
Olhe para o consultor político como você olha para um médico e perceba como essa é uma analogia bem prática e próxima. Comece pelo nome: “médico” não existe. Você vai falar com ele e vai a um “consultório”, fazer uma “consulta”; então, ele é um “consultor”. Um consultor especializado em saúde. Nós somos consultores na área política.

Quando um político vem conversar conosco, ouvimos como um médico ouve seu paciente. “O que está sentindo?”, e ele dirá tudo o que sente. Em cima disso, prescreve um exame de laboratório. Se for dor no peito, precisa fazer um exame de esteira. E o que pode ser? Pode ser um edema pulmonar, uma gripe, uma pneumonia, um câncer, pode ser um tanto de coisas, mas só terei certeza depois, com o exame. Para nós, consultores, existe o briefing, que é a mesma coisa. Ele diz o que sente da campanha e o nosso exame de laboratório é um questionário, vamos a campo, então. Quando volta o exame para o médico, ele faz o cruzamento de dados e tem certeza da doença. O resultado do exame diz que não é gripe, que é edema. Ele tem certeza disso. O consultor, com sua experiência, quando volta, vê qual o problema que o político tem; é com a classe A ou B, com os idosos, com os jovens, por exemplo. E ali que se tem de trabalhar.

E se o médico estiver com um câncer terminal? Da mesma forma, é a minha obrigação como consultor político, dizer que tal candidato não tem condições, como é obrigação do médico dizer que seu paciente está com câncer terminal. É obrigação profissional. E, depois do diagnóstico, se o problema é edema pulmonar, o tratamento é tal, e tal é o remédio. O mesmo vale para o consultor político. Ele indica o tratamento para os problemas da campanha. Daqui a dois meses, o paciente faz outro exame para saber se o remédio está funcionando; e o que o consultor faz? Daqui a dois meses, também faz outra pesquisa, para saber se o “remédio” tem dado resultado. É uma analogia perfeita. O consultor político não é quem faz um desenho, a propaganda, a música. É quem pensa estrategicamente a campanha.

Elder Dias — Agora, então, estaria muito tarde para quem quisesse começar o tratamento…
Depende da doença. Se precisar apenas de um comprimido, é mais simples. É o que digo, é preciso fazer um diagnóstico. Se for apenas uma gripe, tudo bem; mas a analogia da empreitada eleitoral for um câncer, não dá para salvar em dois meses, o candidato teria sequelas em outubro. Uma boa campanha começa um ano, ou um ano e meio antes.

Patrícia Moraes Machado — Se esta será a campanha da criatividade, como e onde ela vai aparecer?
Em tudo, em tudo. (enfático)

Patrícia Moraes Machado — Por que a criatividade pode se destacar ainda mais?
Porque, mesmo sem o recurso financeiro, alguém pode ser altamente criativo. Agora, será preciso criar coisas sem esse recurso, ter criatividade para criar atividades publicitárias de marketing e de propaganda que sejam condizentes com o dinheiro que se tem para pagar. Esse é o grande desafio. Quem tem essa criatividade? Quais atividades de campanha vão chegar no eleitor sem custar o que custavam antes?

Patrícia Moraes Machado — Então o grande desafio não é o tempo de eleição, mas quem vai fazer esse serviço de criatividade sem dinheiro?
Isso. É saber que não há dinheiro para desenvolver aquilo que se desenvolvia em outras eleições. Que outras atividades existem que não envolvam dinheiro? É preciso apostar nestas. Crie. (enfático) A criatividade vai substituir o dinheiro. Não tenha dúvida.

Patrícia Moraes Machado — E por que quase sempre nas eleições ganhava quem gastasse mais?
Porque ele pagava mais cabo eleitoral, mais som, mais atividades. Por isso hoje será preciso ter criatividade para essas atividades serem condizentes com o dinheiro. Se eu podia comprar naquela época 100 carros de som, agora eu vou ter de diminuir para 20. Mas o que eu vou colocar nesse carro de som para substituir os outros 80 carros? Como eu vou chamar a atenção do ouvinte para substituir os 100? Essa criatividade é que vai valer nessa campanha.

Patrícia Moraes Machado — Esses grandes nomes das campanhas são consultores ou marqueteiros?
São homens de propaganda. Tanto que atrás deles sempre tem o marketing. Atrás de Duda Mendonça tem Nelson Biondi. Atrás do João Santana tem o pessoal que pensa o marketing.

Patrícia Moraes Machado — O pensamento não é deles?
Eles fazem a propaganda, mas a estratégia, o marketing, é de outra pessoa. O estudo do que o eleitor quer, necessita, anseia e precisa, dentro das qualidades que ele quer para votar em alguém, os defeitos que ele não vai suportar e a imagem, tudo isso é feito por alguém que conhece marketing. Ele faz isso tudo e entrega para o homem de propaganda. Este, por sua vez, transforma isso naquilo que você vai ver.

As pessoas acreditam que o marketing é propaganda. O marketing não é propaganda. A própria palavra “marketing”, em inglês, quer dizer “mercado”. O sufixo “ing” é ação, da ação de mercado, do mercado em ação. Marketing é a ciência que estuda o movimento do mercado. Aonde o mercado quer ir? O que ele quer, o que deseja? O que anseia? De que precisa? Qual é a onda em que se vai surfar?

Patrícia Moraes Machado — Mas, e o consultor?
É o consultor político que faz o marketing. Ele faz a estratégia.

Patrícia Moraes Machado — Então o sr. aceitaria o termo “marquetólogo”?
Pode ser. Não tem problema nenhum, só o “eiro” é que não pode. Vamos falar da diferença entre o marketing e a publicidade. Marketing é estudar o mercado para saber o que o mercado deseja, anseia, necessita e precisa. Em cima disso, propõem-se ações para atender aquelas demandas. Isso, depois, é passado para a propaganda. A propaganda vai publicitar de tal forma que você enxergue aquilo que você precisa.

Vou dar um exemplo fácil. Alguns anos atrás, três marcas — a Cica, a Etti e a Peixe — soltaram o molho pronto para macarrão. Foram para a televisão. A Etti falou: “Compre o meu molho para macarrão. Meu molho pronto tem mais tomate que os outros”. Aí veio a Peixe e falou: “Não. Compra o meu. O meu é mais vermelhinho”. Aí veio a Cica e disse: “Não. Compra o meu. O meu tem a receita da vovó”. Isso para convencer comprar uma coisa que eles já fabricavam. Não perguntou para você se queria molho pronto no macarrão. Tiveram a ideia, fabricaram e estavam massificando para vocês comprarem. Isto é propaganda: convencimento.

Aí, a Etti resolveu pesquisar por que 20% das mulheres não compravam o produto dela. Foram para o mercado e perguntaram às mulheres por que não compravam o molho pronto para macarrão, que era mais simples. Afinal, não tinha de descascar cebola, ficar com a mão cheirando a alho, era só esquentar, pôr no macarrão e comer. A resposta foi: “Nós não compramos porque no molho de todos vocês tem cebola e na minha casa molho de tomate não leva cebola.” A Etti voltou na linha de produção e transformou 20% de sua produção em molho de tomate sem cebola. Entregou esse produto dessa forma e ganhou 15% de mercado a mais.

Na primeira vez que ela fabricou e simplesmente foi para a TV falando “compre o que eu estou fazendo”, ela estava fazendo propaganda. Quando ela foi ao mercado e perguntou o que as mulheres queriam e qual era o problema com o produto, o mercado respondeu, ela foi na linha de produção, modificou o produto e devolveu. Aí, fez marketing. Ela estudou o mercado e foi ver qual era a onda que tinha de seguir. A propaganda é tão forte que vocês já compraram várias coisas que nunca usaram: aquela esteira que virou cabide, ou aquela vassoura Feiticeira, ou o Vaporetto. A propaganda faz você comprar coisas de que você não precisa. A força dela é muito grande.

Patrícia Moraes Machado — Este ano haverá mais inserções (pílulas) e menos tempo no horário fixo eleitoral. Como o sr. viu essa mudança.
O programa eleitoral tem horário certo, então você muda de canal, pode desligar o rádio e a TV. A inserção não, pega de surpresa. Agora, vão ser mais inserções. Diminuiu o tempo do programa fixo, porque os políticos perceberam que as inserções eram a onda para chegar ao eleitor. Com o programa, a pessoa estava mudando de emissora ou desligando o aparelho.

Patrícia Moraes Machado — É uma reforma de acordo com a conveniência dos políticos?
Elementar, meu caro Watson (risos). Aliás, essa minirreforma eleitoral foi para eles, como vocês já devem ter percebido.

Elder Dias — Foi, na verdade, uma contrarreforma.
Sim, os deputados federais começaram a perceber que a população quer mudança, quer o novo, e eles estavam ameaçados em seus cargos de deputados federais. Eles, então, resolveram diminuir dinheiro, tempo, inserções, tudo aquilo que tinham usado para se elegerem, a fim de que o novo não tivesse o que eles tiveram. Participei da bancada de uma entrevista na TV Cultura com o publicitário Washington Olivetto e ele disse: “Olha, o único que disse uma coisa certa aqui foi o Manhanelli. Quando foi proibida a propaganda de cigarro, a Souza Cruz comemorou, pois seria sempre a primeira, nunca nenhuma outra marca chegaria perto dela.” O que os deputados fizeram com essa reforma? Estão cerceando, reduzindo o número de veículos, de dinheiro, de tempo, para que o novo não se apresente na mesma condição que eles se apresentaram, quando foram eleitos. E outra: durante quatro anos, o deputado conversa com seu eleitor, manda cartão de Natal e de aniversário, manda informativo do que está realizando; já o novo terá apenas 45 dias para se apresentar. E tudo que o deputado faz é pago pelo Congresso. “Preservação do status quo”, é isto. Para preservar o que é meu, dificultemos o seu.

Patrícia Moraes Machado — E como fica o cenário municipal em cidades nas quais não há televisão, como no interior?
Nelas têm rádio, carro de som; a comunicação é por meio de um maior número de veículos que se tem à disposição.

Patrícia Moraes Machado — E a campanha eleitoral pelas redes sociais?
Hoje, quem trabalha com rede social acha que descobriu o ovo de Colombo, que encontrou a varinha mágica e que vai eleger um candidato facilmente. Não é assim! (enfático). Estou com 42 anos de campanha eleitoral e comecei a usar a internet em 1996. No meu canal do YouTube, existe uma entrevista na TV Gazeta, naquele mesmo ano, em que falo da internet em campanha eleitoral. Em 1996. Ou seja, eu sei qual o efeito da internet.

Patrícia Moraes Machado — E qual é o efeito da rede social?
É formar conceito e imagem, que é o que dá o voto depois.

Patrícia Moraes Machado — Mas, então, o voto é consequência direta?
Pense: qual a imagem que você representa? Quais suas qualidades? A internet ajuda muito a divulgar isso, não a construir isso.

Elder Dias — A internet seria o “Biotônico Fontoura” [antigo tônico fortificante] da campanha.
Exatamente. Ela desperta o desejo, mas tem de saber conduzir isso.

Elder Dias — Não adianta o candidato cair de paraquedas na internet em época de campanha.
Não. E tem de saber o objetivo, que é formar imagem e conceito. Mas os candidatos entram para pedir voto. Aí não dá.

Patrícia Moraes Machado — Mas a rede social é uma comunicação, por vezes, não tem troca de ideias. Quando a pessoa sai da bolha criada por ela, com a divulgação da imagem, e vai a público, essa imagem corre o risco de ser descontruída?
Depende. Se a imagem e o conceito construídos são ou não falsos; caso seja, certamente serão desconstruídos. Se for verdade, dificilmente se desconstrói. Em entrevista ao “Estadão”, questionei sobre o povo brasileiro — este que não é simpatizante ou militante de partido, os mais aguerridos na internet, onde brigam com grupos opostos. Qual é o cidadão comum que entra na internet para saber em qual candidato vai votar. Por sexo, muita gente entra na internet, mas não por política. Assim, voltamos ao problema inicial: no Brasil, diferentemente dos EUA, o voto é obrigatório; você é obrigado a votar, mas quem gosta de ser obrigado? Ninguém, as pessoas gostam de ter direito.

Elder Dias — As pessoas confundem “política” com a palavra “polis” [“cidade”, em grego]. Estamos em uma eleição municipal e o candidato que se colocar diante dos problemas da cidade, ter um discurso não apenas político, mas discutir de fato os problemas da cidade e fizer isso por um tempo, pode levar vantagem.
Sim, isso porque ele consolidou um conceito e uma imagem. É alguém que conhece os problemas daqui e, por isso, tem dado soluções. O conceito, portanto, é que ele é o candidato certo para administrar a cidade. Forma conceito e imagem e a amarração do voto será na mídia de massa, tudo o que ele falou na internet para se tornar “o candidato”, “o cara”.

Patrícia Moraes Machado — O sr. ainda tem dado palestras, aulas?
No Brasil, eu tenho feito formação para vários candidatos e partidos. Normalmente, fazemos treinamento de candidatos. O PR e alguns outros partidos me contratam.

Elder Dias — Ainda dá tempo de um candidato começar agora a se preparar em nível competitivo para a eleição deste ano?
Não, não mais. O que se poderia fazer agora seria um diagnóstico para saber como se inserir no ambiente eleitoral existente e, a partir do momento que souber isso, começar a trabalhar.