Prefeitura é multada em mais de R$ 6 milhões por mais de 2 mil dias sem aulas nas escolas

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Por Val Barreto*

A irregularidade no serviço de transporte escolar ensejou prejuízos incalculáveis à sociedade como um todo, atingindo não apenas os usuários do transporte escolar da zona rural, mas todo o sistema de ensino, os alunos, familiares, professores, gestores, supervisores, orientadores e demais profissionais da educação que sofreram com a irregularidade do Transporte Escolar Rural.

O Ministério Público do Estado De Rondônia (MPE-RO), multou a Prefeitura de Porto Velho em R$ 6.049.487,95 (Seis milhões, quarenta e nove mil quatrocentos e oitenta e sete reais e noventa e cinco centavos) por 2.763 dias letivos sem aulas em virtude do NÃO funcionamento do Transporte Escolar Terrestre e Fluvial nas escolas da Zona Rural dos Distritos de Porto Velho.

Confira as multas judiciais estipuladas nas ações ajuizadas pelo MPE-RO:

 

As multas estipuladas pelo MPE se referem ao não cumprimento do calendário escolar nos anos letivos em 2015 e 2018, de modo que cerca de 2.400 (dois mil e quatrocentos) alunos da zona rural do Município de Porto Velho ficaram sem o transporte escolar, dos quais aproximadamente 1.400 (um mil e quatrocentos) relativo ao transporte escolar terrestre e cerca de 1.000 (um mil) ao transporte escolar fluvial.

Alvo de várias denúncias na época, uma das razões de não haver aulas nas escolas foi devido as empresas contratadas de forma emergencial pelo Município de Porto Velho não cumprirem integralmente os contratos celebrados.

Os veículos utilizados no transporte dos alunos não atendiam às regras mínimas de segurança e acessibilidade e alguns sequer estavam regularizados documentalmente junto aos órgãos competentes, representando risco à segurança e vida das crianças, motoristas e monitores de Transporte Escolar.

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:

Vale lembrar que tramita na 18ª Promotoria de Justiça de Porto Velho inquérito civil público de n° 2019001010013359 que tem por objeto a apuração de improbidade administrativa nos contratos de transporte escolar no Município de Porto Velho e, em via judicial, tramitam várias as ações.

Essa representação do Ministério Público de Rondônia é muito importante, afinal é de interesse primordial da sociedade o cumprimento da obrigação e garantia do acesso à educação, bem como o atendimento dos objetivos do processo de ensino aprendizagem, através de efetivo serviço de transporte escolar, ainda que as multas aplicadas possuam somente caráter coercitivo.

AÍ VEIO A PANDEMIA:

É uma vergonha uma situação dessas, afinal, os alunos afetados pela falta de transporte escolar não tiveram acesso à educação de forma regular, ao longo de vários anos, com prejuízo dos anos letivos de 2018 e 2019, situação agravada pelas medidas de distanciamento social implementadas no ano de 2020 em razão da pandemia da Covid-19.

SOBRA PRA QUEM?

Sobra para os professores, afinal, é imprescindível a adoção de medidas para reordenação e cumprimento do calendário escolar, reposição de conteúdos curriculares, estudos de recuperação com metodologias adequadas para os alunos que não conseguiram atingir os objetivos de aprendizagem do ano/série escolar (especialmente no que concerne à alfabetização até o 3º ano do Ensino Fundamental).

OUTROS PREJUÍZOS:

Muitos prejuízos se somam a falta de aulas, como a evasão escolar, a desestruturação familiar provocada pela descontinuidade das aulas desde 2018, a migração de alunos da zona rural para a zona urbana sem a família e vulneráveis aos riscos da adaptação ao novo modo de viver, dentre outros… Seria interessante a adoção de medidas com viés de compensação do dano moral coletivo a estes alunos e familiares.

O PROBLEMA NÃO ERA E AINDA NÃO É, SÓ OS ÔNIBUS, OUTROS ENTRAVES:

Embora a Prefeitura tenha adquirido uma frota própria de ônibus, outros entraves, atrapalharam as aulas da zona rural, e alguns problemas ainda seguem acontecendo como a falta de combustível, falta de manutenção nos ônibus escolares, a intrafegabilidade das estradas vicinais, pontes quebradas, atoleiros entre outras circunstâncias que impediram e ainda impedem o acesso à escola.

A frota própria de ônibus é formada por 146 (cento e quarenta e seis) ônibus escolares para atendimento dos alunos da zona rural de Porto Velho e seus distritos que custou um total de R$36.200.699,20 (trinta e seis milhões, duzentos mil e seiscentos e sessenta e nove reais e vinte centavos).

OPERAÇÃO CIRANDA – POLÍCIA FEDERAL:

Entre os anos de 2014 a 2018, os recursos envolvidos na contratação da empresa alcançam o montante de R$ 33,5 milhões, sendo apontado superfaturamento dos preços do contrato de transporte fluvial da ordem de 426%, correspondendo a R$ 20 milhões.

O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) participa, realizaram em 2018 a Operação Ciranda, em Porto Velho (RO). Realizada em parceria com a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF), a ação visou desarticular um esquema que desviava recursos de contratos do transporte escolar fluvial, por meio de conluio e prática de preços abusivos.

As investigações indicam que as empresas de um mesmo grupo participavam de licitações para a execução dos serviços de transporte escolar fluvial. Elas simulavam a concorrência perante a administração pública para a escolha da proposta mais vantajosa. A disputa era forjada, pois não efetivava competição.

A fiscalização preliminar da CGU identificou, quanto à execução do contrato, indícios de formação de cartel e conluio entre os concorrentes; a existência de sócios “laranjas”; superdimensionamento de combustível na planilha de composição de custos; armazenamento de combustível de forma irregular e em desacordo com as exigências da licitação. Ainda, verificou-se que tais fatos concorreram para celebração de um contrato superfaturado e que, posteriormente, foi reajustado em desacordo com as suas próprias cláusulas.

Com base nas informações disponíveis elaboradas pela CGU, a Polícia Federal responsável pelo inquérito e o Ministério Público Federal em Rondônia obtiveram junto à 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária de Rondônia decretou o cumprimento de 29 mandados de busca e apreensão, 10 de prisão temporária, o sequestro de valores, veículos e imóveis.

REPOSIÇÃO DAS AULAS:

O MPE-RO firmou um TAC (Termo de Ajustamento do Conduta) com Município de Porto Velho, Secretaria Municipal de Educação – SEMED, Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – SEMAGRIC, Procuradoria-Geral Do Município – PGM e Controladoria – Geral Do Município – CGM ficando estabelecido um prazo de 90 (noventa) dias para realizar um levantamento de informações detalhadas quanto aos alunos da zona rural prejudicados pela falta ou precariedade de transporte escolar, devendo para tanto:

– Identificar relação e quantidade total de alunos por instituição de ensino;

 

– Identificar o ano/série escolar, localidade (distrito, comunidade, assentamento etc.);

 

– Identificar o ano/período do calendário escolar e quantidade de dias defasados por escola;

 

– Identificar o quantitativo de horas a serem repostas com projeto de reorganização do calendário escolar para sanar a defasagem;

No prazo de 60 (sessenta) dias, deverá ser elaborado um plano de reposição de aulas específico para os alunos da sua rede de ensino afetados pela falta de transporte escolar nos anos letivos anteriores, contemplando, o período da suspensão das aulas em razão das medidas de afastamento social decorrentes da pandemia da Covid-19, a ser implementado logo após o retorno das atividades educacionais presenciais.

A SEMED, junto as escolas deverão promover as medidas necessárias para recuperação de conteúdos, com foco nos objetivos da aprendizagem estabelecidos no projeto pedagógico das unidades de ensino e no combate à evasão escolar, destacando-se as seguintes ações NECESSÁRIAS:

– Estabelecer metodologias e instrumentos para o diagnóstico das dificuldades em relação aos objetivos de aprendizagem e habilidades a serem aplicadas logo após o retorno às aulas presenciais, de forma individualizada, para identificar as necessidades, dificuldades e potencialidades de aprendizagem do aluno;

– Considerar, na avaliação diagnóstica, os diferentes perfis de alunos que tiveram defasagens distintas, decorrentes de diferentes níveis de impacto pela falta de transporte escolar, uma vez que algumas rotas eram cumpridas parcialmente e outras ficaram completamente desassistidas e, ainda, considerando os diferentes rendimentos/aproveitamentos nas atividades não presenciais realizadas no período de distanciamento social em razão da pandemia de Covid-19, identificando as singularidades em níveis e/ou categorias: desempenho superior, satisfatório, aproveitamento parcial ou nenhum aproveitamento, falta de recebimento das atividades não presenciais ou segundo outra classificação similar, de modo a customizar, na medida das necessidades individuais, programas específicos de intervenção pedagógica (aulas de reforço), reposição de conteúdos curriculares aos que tiveram aproveitamento insatisfatório, além de instrumentos de estímulo aos que tiveram aproveitamento superior ou suficiente aos avanços educacionais estabelecidos nos projetos pedagógicos das unidades escolares. Como um dos instrumentos de Avaliação, poderá ser utilizado a metodologia da Rede Municipal, “Avalia Porto Velho”, método de avaliação que proporciona mensurar os níveis de aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática dos alunos;

– Implementar, após o processo de avaliação diagnóstica, ações contínuas para levantamento dos avanços e lacunas do processo de aprendizagem de cada aluno no retorno às aulas presenciais e durante o funcionamento do sistema de ensino híbrido (a ser implementado em virtude das medidas relativas à pandemia da Covid-19) utilizando estratégias, metodologias e recursos pedagógicos diferenciados para favorecer os avanços na aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos que apresentarem dificuldades, observado o plano de recuperação elaborado pela SEMED e escola;

– Elaborar planos de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao ano letivo, para os casos de baixo rendimento e rendimento escolar, ampliando programas e ações de correção de fluxo de idade/ano escolar, por meio de acompanhamento individualizado do aluno com rendimento e aproveitamento escolar defasados, principalmente àqueles que estão em processo de alfabetização até o 3º ano do Ensino Fundamental, para dar qualidade à sua aprendizagem e celeridade à conclusão do Ensino Fundamental na idade certa.

– Revisar os objetivos de aprendizagem para o presente ano letivo e disponibilizar um programa de reposição, intervenções pedagógicas e reforço dos conteúdos curriculares para o cumprimento da proposta pedagógica e da carga horária mínima obrigatória, observadas as recomendações e Normativas dos Conselhos Nacional, Estadual de Educação, porém sem condensar ou acumular conteúdos em pouco tempo ou sobrecarregar educandos e educadores tão somente para registro de aulas;

  1. f) Criar, aperfeiçoar ou aderir aos mecanismos de busca ativa e disponibilizar ferramentas às unidades escolares para a execução e monitoramento de tal ação, sugerindo-se aqui o uso da plataforma Busca Ativa Escolar (UNICEF), de forma a se prevenir e combater a baixa frequência e a evasão escolar, articulando toda a rede de proteção para esse fim, notadamente o Conselho Tutelar e a Secretaria de Assistência Social e Familiar, quando esgotadas as intervenções competentes à escola e à Secretaria de Educação;

– Promover o necessário acolhimento de profissionais da educação e alunos quando do retorno às atividades presenciais, com vista a averiguar problemas que possam impactar os progressos da comunidade escolar, com escuta que permita subsidiar avaliações diagnósticas, verificando-se problemas referentes à saúde física e mental, detecção de situações de vulnerabilidade e violência, a serem encaminhados ás redes de proteção, aos serviços de saúde e socioassistenciais, buscando-se sempre minimizar os efeitos resultantes do longo período sem efetivas aulas presenciais;

– Realizar um levantamento de demandas e possíveis estratégias para provimento de novas vagas de matrículas escolares, considerando a mudança de endereço e a migração de alunos da rede municipal de ensino para a zona urbana ou desta para a zona rural, em razão do longo período sem efetivo transporte escolar na zona rural e sem aulas presenciais na rede pública e privada na quase totalidade do primeiro semestre deste ano, observado o disposto no Plano de retorno às aulas presenciais elaborado pela SEMED, quanto à gestão de matrículas;

– Elaborar e executar plano de comunicação de retorno às atividades escolares e do serviço de transporte escolar com alcance da família de aluno, com disponibilização das informações e orientações quanto as normas de uso e segurança no transporte escolar, além das relativas ao plano de reposição de aulas e de cumprimento de calendário escolar.

Os prejuízos sequer podem ser medidos, mas são muitos, como a reorganização de algumas famílias em razão da evasão de alunos da zona rural para a zona urbana, além de representar grave dano social e violação aos direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente que, privados do acesso à escola, estiveram por longo período em situação de vulnerabilidade social, o que pode resultar em aumento significativo de evasão escolar, trabalho infantil, além de outros efeitos danosos que se pode mensurar.

*Val Barreto é professora na Rede Municipal, Jornalista no Portal Professores de Rondônia, consultora educacional e pré-candidata a deputada Estadual pelo Partido Avante em Rondônia.