Pesquisa inédita revela o tamanho da desigualdade entre os recursos de campanha disponibilizados para candidaturas negras e brancas nos estados da Amazônia Legal em 2018

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Quase metade dos estados da região não tem nenhum parlamentar autodeclarado(a) preto(a) nas Assembleias Legislativas

No dia da Consciência Negra (20/11), organizações da sociedade civil lançam pesquisa sobre representação política nas Assembleias Legislativas dos nove estados da Amazônia Legal, e dados revelam um abismo de distância no que tange o acesso a recursos para campanhas políticas entre as candidaturas brancas, pretas e pardas que foram eleitas à vaga de deputado(a) estadual em 2018.

Mesmo sendo a população negra (que representa, juntas, as populações autodeclaradas preta e parda pela definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) ampla maioria nos estados da Amazônia Legal, o levantamento de dados evidencia uma gigantesca desigualdade em relação aos recursos utilizados para as campanhas eleitorais de candidaturas brancas, pardas e pretas, o que contribui ainda mais diretamente para uma sub-representação da população negra destes estados.

Quando comparados os recursos de campanha utilizados para as candidaturas eleitas nas Assembleias Legislativas da Amazônia Legal em 2018, os dados mostram que, nos estados do Amazonas, Amapá e Maranhão, as candidaturas autodeclaradas pardas receberam recursos para campanha equivalente a cerca de um terço do que receberam as candidaturas autodeclaradas brancas, representando, respectivamente, 31%, 35% e 35%. No estado do Mato Grosso, essa diferença é a maior da região, sendo o recurso utilizado para candidaturas eleitas autodeclaradas pardas apenas 16% do total utilizado por candidaturas brancas.

A pesquisa revela também que nos estados do Pará, Rondônia e Tocantins a distribuição de recursos para as campanhas eleitorais para o cargo de deputado estadual em 2018 foi mais igualitária, representando, respectivamente, 87%, 92% e 94% para as candidaturas eleitas autodeclaradas pardas em relação às brancas. E, ainda, apenas nos estados do Acre e Roraima a destinação de recursos para candidaturas pardas é maior do que para candidaturas brancas. Nestes dois estados a conta se inverte e a destinação de recursos para candidaturas brancas representa, respectivamente, 20% e 39% daquilo que foi destinada a candidaturas autodeclaradas pardas.

Isso significa que analisando as candidaturas eleitas em 2018, dos nove estados da Amazônia Legal, sete deles tiveram destinação de recursos para campanha eleitoral maior para candidaturas brancas do que para candidaturas autodeclaradas pardas e pretas.

A pesquisa deflagrou uma situação ainda mais desigual quando se trata de candidaturas autodeclaradas pretas. Nos estados do Amapá, Maranhão, Pará, Rondônia e Tocantins , por exemplo, a proporção de recursos para candidaturas eleitas autodeclaradas pretas em relação às autodeclaradas brancas é, respectivamente, 13%, 1%, 3%, 7% e 9%, todos na casa de 10% ou inferior a esse patamar. O que demonstra uma distribuição de recursos para campanhas eleitorais bastante distinta quando se compara as candidaturas brancas, pardas e pretas que foram eleitas para as Assembleias.

Para Rodrigo Dolandeli, cientista político, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), isso mostra que “há um forte desequilíbrio na representação política, uma vez que pouquíssimas candidaturas autodeclaradas pretas e pardas conseguiram obter êxito eleitoral”. O pesquisador ressalta ainda que “além do financiamento eleitoral, é preciso observar os incentivos à carreira política dentro da organização partidária, como a ocupação de cargos de direção nos partidos, por exemplo, dentre outros fatores fundamentais para o acúmulo de capital político e a construção de candidaturas competitivas”.

Para Michelle Andrews, produtora cultural e ativista do movimento negro e da cultura, “a leitura das violências de gênero e raça no contexto da política partidária, e sobretudo eleitoral, pelo viés dos recursos investidos em campanha é um indicativo forte, mas o mais grave é vermos a falta de representatividade nos parlamentos. Aponta que nossas populações sofrem com racismo, machismo e que nem há perspectiva de superar essa condição pela política institucional. Precisamos construir soluções contra esse estado das coisas”.

A pesquisa também traz um cruzamento de dados revelando as consequências do acesso desigual aos recursos para campanhas políticas. Ao comparar os(as) parlamentares eleitos(as) em 2018 nas Assembleias Legislativas, observa-se que em 5 dos 9 estados da Amazônia Legal (a maioria dos estados) a presença de parlamentares autodeclarados(as) brancos(as) representa mais da metade dessas casas legislativas, com destaque para Mato Grosso (79% da Assembleia Legislativa formado por parlamentares autodeclarados(as) brancos(as)), Maranhão (69%), Amapá (63%), Amazonas (63%) e Pará (54%). Mesmo esses estados tendo uma população negra de mais de 70%. Em apenas dois estados da Amazônia Legal a representação de parlamentares brancos(as) eleitos(as) em 2018 não é maior que a metade da casa legislativa. São eles Rondônia (50% da Assembleia Legislativa formado por parlamentares autodeclarados(as) brancos(as)) e Tocantins (50%). E em apenas em dois estados da Amazônia Legal a representação de parlamentares autodeclarados(as) brancos(as) eleitos(as) para as Assembleias Legislativas é menor que a metade da casa legislativa. São eles: Acre (25%) e Roraima (46%).

Segundo José Carlos Galiza, assessor da Malungu e coordenador executivo da Conaq, “o movimento quilombola da Amazônia vem trabalhando numa nova estratégia de luta para assegurar direitos e acesso às políticas públicas. Para isso, entendemos que precisamos ocupar espaços de poder, queremos ser gestores das nossas próprias escolas, postos de saúde e CRAS. Assim, é importante que façamos parte do legislativo e sejamos incluídos nas diversas esferas políticas do país. Quando alguém nos representa nesses espaços, não sentimos a representatividade, pois não conhecem a nossa história e a profunda exclusão em que ainda nos encontramos. O desafio é grande e, enquanto a população preta e pobre não dispõe ou dispõe de muito pouco, será difícil entrar na disputa eleitoral. Como alerta o dito popular: ‘não entre na política sem dinheiro'”.

E, ainda, a pesquisa evidencia que em 4 estados da Amazônia Legal não existe representação de parlamentares eleitos(as) autodeclarados(as) pretos(as) nas Assembleias Legislativas, são eles: Acre, Amazonas, Mato Grosso e Roraima. E nos demais estados com representação de parlamentares eleitos(as) autodeclarados(as) pretos(as), em nenhum deles tal representação passa da marca de 10%. São eles: Amapá (8% de parlamentares eleitos(as) autodeclarados(as) pretos(as), Rondônia (8%), Pará (5%), Tocantins (4%) e Maranhão (2%).

Para Douglas Belchior, historiador, cofundador da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra por Direitos, “essa pesquisa reforça aquilo que sentimos diariamente, na pele, dentro das instituições partidárias. Não há um partido do movimento negro no Brasil e o coletivo de partidos reproduz práticas racistas. Nós, do movimento negro, nos organizamos para pressionar essas estruturas e levar seus dirigentes a se comprometerem com a agenda do movimento negro”.

Para Leonildes Nazar, cientista política e coordenadora da Iniciativa Amazônia do Portfólio de Comunicação e Engajamento do Instituto Clima e Sociedade, “É fundamental que, sendo a Amazônia prioritária para nossa democracia e para o pacto social de futuro que desejamos em defesa da floresta e de sua gente em pé, a questão da representação política na região seja uma agenda que se fortaleça enquanto direito inegociável. Assim como é inegociável que não existe Brasil sem Amazônia, deve-se assegurar que nosso sistema eleitoral-partidário supere a histórica e profunda desigualdade racial e de gênero a fim de dar conta e sentido às múltiplas realidades que atravessam a vida dos/das amazônidas, e evitar perpetuar a situação da sub-representação”.