Pandemia empareda governadores bolsonaristas e escancara contradições

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Marcos Rocha que está alinhado com Bolsonaro, não terá seu apoio no primeiro turno

Eleito na esteira da onda conservadora puxada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o governador de Rondônia, Coronel Marcos Rocha (sem partido), costuma seguir fielmente os protocolos da pandemia: usa máscaras e costuma manter o distanciamento de seus interlocutores.

Dentre todas as reuniões documentadas em suas redes sociais durante a pandemia, deixou de usar máscara raríssimas vezes. Uma delas foi no final de março, quando esteve no Palácio do Planalto.

No encontro, Bolsonaro elogiou o aliado. “É um estado que praticamente não fechou nada, não destruiu a sua economia e está vencendo essa pandemia”.

Não era bem assim. Da caneta do governador Marcos Rocha foram assinados nos últimos meses decretos que instituíram toque de recolher noturno e fechamento do comércio aos fins de semana.

No momento mais crítico da pandemia da Covid-19 no Brasil, governadores alinhados a Bolsonaro enfrentam dilemas e contradições para adotar medidas contra disseminação do vírus e, ao mesmo tempo, manter um discurso alinhado ao do presidente e não fustigar o eleitorado bolsonarista.

Dos 27 governadores, cinco têm uma relação mais próxima com Bolsonaro. Quatro deles estão na região Norte: Coronel Marcos Rocha, de Rondônia, Antônio Denarium (sem partido), de Roraima, Mauro Carlesse (PSL), do Tocantins, e Wilson Lima (PSC), do Amazonas.

O Norte foi uma das regiões das que mais sofreram com a pandemia, com falta de leitos nos hospitais, transferências de pacientes para outros estados e pacientes morrendo sem oxigênio.

No Amazonas, estado que enfrentou o cenário mais crítico, o governador Wilson Lima chegou a ter embates com Bolsonaro no início da pandemia. Defendeu adoção de medidas de isolamento social no momento em que o presidente clamava por volta à normalidade.

Meses depois, voltou a se alinhar com o presidente após enfrentar uma crise política e um pedido de impeachment, que foi arquivado.

Lima foi alvo de uma operação da Polícia Federal após a compra de respiradores com suspeita de sobrepreço por meio de uma importadora de vinhos de Manaus. Na última segunda-feira (26), foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelos supostos crimes.

No final do ano passado, voltou atrás na adoção de medidas restritivas após protestos de comerciantes. Semanas depois, o sistema de saúde de Manaus colapsou, com recordes de mortes por Covid-19 e falta de oxigênio nos hospitais.

Conforme revelado pelo jornal Folha de S.Paulo em janeiro, o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi avisado sobre a escassez crítica de oxigênio por integrantes do governo do Amazonas e pela empresa que fornece o produto.

A crise serviu de munição para que bolsonaristas no Amazonas mirassem o governador, como uma forma de eximir o presidente do colapso na saúde. O deputado federal Delegado Pablo (PSL), por exemplo, entrou com um pedido de intervenção federal na saúde do estado.

Nesta sexta-feira (23), o governador participou, junto com Bolsonaro, da inauguração do Centro de Convenções de Manaus. Foi vaiado pela claque bolsonarista e ainda viu aliados do presidente incentivarem Eduardo Pazuello como possível candidato a governador no próximo ano.

O governador afastado de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), enfrentou uma trajetória semelhante. No início da pandemia, descolou-se de Bolsonaro e buscou um construir um discurso de defesa do isolamento social.

Em março do ano passado, chegou a afirmar que ficou estarrecido com o pronunciamento do presidente ocorrido no dia anterior, no qual Bolsonaro comparou a Covid-19 a uma gripezinha.

Meses depois, contudo, se viu no meio de uma crise política após o governo gastar R$ 33 milhões na compra de 200 respiradores que nunca foram entregues. Desgastado, enfrenta um processo de impeachment e está temporariamente afastado do cargo desde março.

Isolado politicamente e sendo alvo da artilharia de grupos bolsonaristas em meio à crise, o governador retomou um discurso mais alinhado ao presidente e restringiu as medidas de restrição aos finais de semana mesmo no auge da segunda onda da pandemia.

Carlos Moisés afastado disputa o apoio do presidente com a governadora em exercício Daniela Reinehr (sem partido), que assumiu o cargo temporariamente e logo recebeu o apoio de caciques políticos locais. Ambos estão rompidos desde o início do ano passado.

No primeiro período de interinidade no governo catarinense, Daniela Reinehr flexibilizou medidas de restrição e chegou a apagar uma postagem na qual incentivava a população a usar máscara.

O governador de Rondônia, Coronel Marcos Rocha, é outro gestor que venceu na esteira da eleição de Bolsonaro, mas passou a ser fustigado pelos bolsonaristas após a adoção de medidas restritivas.

O sistema de saúde de Rondônia entrou em colapso em janeiro deste ano e teve que mandar pacientes para outros estados. Diante do avanço da doença, emitiu um decreto que fechou o comércio não essencial, medida fortemente criticada por uma parcela do seu eleitorado.

A visita de Marcos Rocha ao presidente no início do mês acirrou a disputa entre os grupos bolsonaristas. O deputado federal Coronel Chrisóstomo (PSL), por exemplo, chegou a participar de uma audiência com Bolsonaro tão somente para desmentir o governador.

Na saída da reunião, gravou um vídeo com ataques a Marcos Rocha: “O senhor não merece nada de Rondônia, governador. Peça Perdão, peça desculpas à Rondônia pelas mentiras que o senhor falou para o presidente Bolsonaro”.

Procurados, os governadores Wilson Lima (AM), Marcos Rocha (RR), Carlos Moisés e Daniela Reinehr (SC) não responderam aos questionamentos da reportagem.

Os repasses federais aos estados na pandemia também virou um dos centros da tensão entre Bolsonaro e os governadores. E criou uma saia-justa para os aliados do presidente, que evitaram confrontar os dados divulgados pelo presidente

Bolsonaro tem divulgado valores de repasses aos estados que incluem verbas constitucionais e programas já existentes e sem relação com saúde.

De cada R$ 100 que Bolsonaro diz ter repassado aos estados em 2020, R$ 30 correspondem a repasses obrigatórios e a programas sociais sem relação com o auxílio emergencial.

Diante da ofensiva do presidente, 16 governadores divulgaram uma carta em março deste ano na qual questionavam os dados, alegaram que os repasses são uma obrigação constitucional e que a parcela efetivamente enviada para a saúde foi “absolutamente minoritária”.

Entre os que não assinaram a carta estava o governador do Tocantins, Mauro Carlesse (PSL), que ainda referendou o argumento do presidente em ato oficial na última semana.

“Todas as nossas UTIs, todo o tratamento que foi feito foi custeado pelo governo federal, foi feito pelo senhor Jair Bolsonaro. [O dinheiro] não veio de outro lugar, veio da União, veio de um homem que tem preocupação com o povo”, disse.

Outros governadores como Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, Cláudio Castro (PSC), do Rio de Janeiro, Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, Gladson Cameli (PP), do Acre, e Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, têm uma postura dúbia em relação ao presidente, com críticas pontuais e alinhamento em alguns temas.

Em Minas, a entrevista do governador Romeu Zema concedida à Folha no início deste mês sumarizou esta corda-bamba: ele afirmou Bolsonaro deveria ter capitaneado o combate à da pandemia, mas disse considerar exageradas as críticas ao presidente.

“Não vi nenhum governador ser chamado de genocida e nenhum prefeito. Me parece que há uma certa perseguição a uma pessoa. Ficar xingando, acusando a esta altura do campeonato não vai melhorar a situação”.

João Pedro Pitombo/Folhapress