O incrível caso dos vereadores que lutaram para que a Turma da Mônica não pervertesse as crianças

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Tudo começou com um inocente bilhete. A professora da turma de pré-escola, com alunos de 4 e 5 anos, mandou um recado na agenda pedindo que os pais mandassem as crianças com roupas coloridas na quarta-feira. O motivo, dizia o bilhete, era uma apresentação do pré sobre o tema diversidade.

Uma mãe recebeu o bilhete e achou estranho. Colocou num grupo de WhatsApp. A história foi num telefone sem fio até chegar a um pastor de uma igreja evangélica que fica a cinco quadras da pré-escola, o CMEI Itacelina Bittencourt, da Vila Guaíra, sul de Curitiba.

Numa daquelas histórias de comédia de erros, o pastor da igreja Sara Nossa Terra, na Avenida Kennedy, calha de ser também vereador.

Thiago Ferro, do PSDB, é um dos mais ativos integrantes da bancada evangélica de Curitiba. Recém-eleito, tem atuado forte na denúncia de uma suposta doutrinação feita pelas escolas.

Entre os projetos que o vereador assina está o “Escola sem Partido“. Também é autor de uma outra proposta que veda praticamente toda menção a sexualidade em sala de aula, exceto para propósitos de explicar a reprodução. Com o bilhete em mãos, Ferro deu início ao seu próximo passo, o “Pré-Escola sem Partido”.

Munido do texto que falava as palavras mágicas “Diversidade” e “Cores” ele levou o tema à bancada, que somou dois e dois e, colocando a escola a favor do seu partido, chegou à conclusão de que a soma dava cinco. As cores do arco-íris são o símbolo do movimento gay. A diversidade do bilhete deveria ser a (temida) diversidade sexual!

Obviamente, não havia nenhuma relação entre as coisas. A apresentação era parte de um projeto da escola que valoriza as diferenças entre as pessoas.

Os alunos cantariam e dançariam ao som de uma música subversiva cuja letra diz:

Negro, branco, pardo ou amarelo
Alto, baixo, gordo ou magricelo
Moreno, loiro, careca ou cabeludo
Deficiente, cego, surdo ou mudo (…)
A gente é o que é
A gente é demais
A lista é imensa
Viva a diferença!

Como não se tem notícia de que a bancada tenha prevenção contra elogios a carecas ou loiros, tudo não deve ter passado de um mal-entendido.

Mas o fato é que o pastor, acompanhado de mais seis vereadores (20% da Câmara) foi à Secretaria de Educação reclamar.

Na escolinha ninguém entendeu nada. O projeto é do governo federal em parceria com o desenhista Maurício de Souza, que liberou as imagens da Turma da Mônica para o projeto. Com os personagens, os alunos aprendem que não há nada de errado em ser diferente, em ter alguma deficiência.

Leia mais: Novo projeto da bancada evangélica é ainda mais grave que o Escola sem Partido

“É claro que eles viram nessa falsa notícia uma chance de fazer propaganda do projeto deles de Escola sem Partido. Mas é um absurdo, não tinha nada com diversidade sexual. Expuseram a escola, expuseram a professora, os alunos. Tudo por uma cruzada política”, diz um profissional de educação que, devido ao clima exacerbado das partes, não quis se manifestar.

A bancada acabou ouvindo da prefeitura (que mobilizou tempo e recursos para isso) aquilo que era evidente e que teria sido esclarecido com um simples telefonema à pré-escola e um tantinho de bom senso.

Mas os vereadores ainda levaram um outro caso a conhecimento da prefeitura e ouviram que uma outra escola de ensino fundamental terá de adaptar seu plano pedagógico porque estava mencionando algo que as bancadas evangélicas país afora

Letra da música sobre diversidade cantada pelos alunos da Itacelina: perigo iminente.

apelidaram de “ideologia de gênero” (termo não reconhecido por ninguém sério na área de Pedagogia).

“Ideologia”

Deputados e vereadores fizeram um barulho gigantesco no país na aprovação dos planos de educação para evitar que se incluíssem discussões sobre gênero e diversidade sexual nas escolas. Um barulho muito maior do que já se viu no Brasil por qualquer outra causa educacional realmente válida nos últimos anos.

Conseguiram. A ideia de dizer para as crianças que ser homossexual, por exemplo, não é algo errado e que portanto não se deve bater em um gay ou matá-lo não está oficialmente num currículo escolar. O que não quer dizer que seja crime falar nessas coisas: apenas não está no plano.

Mesmo assim, a patrulha está nas ruas e agora a escola das Moradias Corbélia terá de se adaptar.

Até porque o prefeito Rafael Greca, um conhecido moralista da política nacional, decidiu que em Curitiba as crianças precisam ser educadas, segundo disse em declaração nesta semana, dentro “da inocência cristã”. Disse isso citando nominalmente seu amigo Thiago Ferro.