O Brasil mais uma vez no banco dos réus perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos

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Walter Gustavo Lemos, advogado
Walter Gustavo Lemos, advogado
Walter Gustavo Lemos, advogado

Por Walter Gustavo Lemos

 

Na semana passada, iniciaram as audiências do processo em que o Brasil está sofrendo na Corte Interamericana de Direitos Humanos em decorrência de duas chacinas ocorridas em 1994 e 1995 no Rio de Janeiro, sendo que a alegação é de que o Brasil   responderá por não punir a violência policial promovida nos casos.

 

As audiências aconteceram nos dias 12 e 13 de outubro em Quito, no Equador, com o objetivo de se ouvir as partes, as testemunhas, receber documentos, bem como a determinação de outras medidas. A ação cobra a responsabilização do Estado brasileiro por 26 mortes na favela Nova Brasília, onde foram mortos 13 pessoas na chacina de outubro de 1994 e mais 13 na chacina de maio de 1995, ambas durante ações policiais. Até hoje, ninguém foi preso, julgado ou condenado por nenhuma das mortes.

 

A primeira chacina decorreu de uma operação da Polícia Civil supostamente na busca por carros roubados, armas e drogas, na data de 18 de outubro de 1994. Ocorre que dias antes, traficantes do complexo do Alemão haviam metralhado a delegacia da região. Neste caso, a polícia não promoveu a abertura de atos de investigação em decorrência das mortes deste confronto, já que promoveu o registro deste ato como auto de resistência, mesmo existindo sinais de execução na maioria das mortes. Ainda, três pessoas que não foram mortas denunciaram os fatos, inclusive que sofreram abusos sexuais das forças policiais, que mesmo assim não promoveu o avanço nas investigações para que se tivesse o conhecimento dos fatos realmente ocorridos.

 

Já o segundo evento, já ocorrido em 8 de maio de 1995, a Polícia Civil fez operação em Nova Brasília e outras 13 pessoas morreram, num tiroteio com traficantes, sendo que não foi realizada a perícia no local das mortes e nos corpos por estes serem retirados da favela antes desta realização.

 

Assim, nos dois inquéritos houve a condução no sentido de que houve resistência por parte dos mortos, concluindo-se que os policiais não agiram fora da lei nas suas condutas. No primeiro caso, as denúncias de delitos sexuais realizadas pelos policiais também não foram apuradas. Estes inquéritos foram enviados para o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), que corroborou com os seus arquivamentos.

 

Mas as OnG´s CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) e Human Rights Watch notificaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA sobre estes casos. Em respostas a tais indagações, a OEA recomendou ao Brasil que promovesse o prosseguimento das investigações efetivas destes casos a fim de encontrar os seus responsáveis e puni-los.

 

Por conta desta recomendação, o Ministério Público do Rio de Janeiro desarquivou os inquéritos e ordenou o prosseguimento das investigações, sendo que, no caso da primeira chacina, em 2013 o MPRJ denunciou quatro policiais civis e dois militares pelos 13 homicídios de 1994, usando como base as informações de uma série de testemunhas que afirmaram que as vítimas foram algemadas pelos policiais, passando a sofrer violência física e moral e depois foram executadas.

 

Já o inquérito da 2ª chacina foi arquivado novamente em 2015 por pedido do MPRJ que não conseguiu promover a identificação das pessoas que realizaram tais disparos, embora tenha reconhecido que as vítimas haviam sido executadas.

 

Assim, é perceptível que o Estado brasileiro não promoveu os devidos atos necessários para a promoção das punições destes dois graves delitos, cometidos com ofensas aos direitos humanos e caracterizados como execuções, demonstrando a grande preocupação sobre a questão da violência policial no Brasil.

 

Esta ação internacional que tem agora a sua continuidade objeta que o Estado brasileiro seja reconhecido como responsável por tais atos, ao não promover todos os procedimentos necessários para impedira impunidade para estas agressões, condenando o país a adotar medidas legais para evitar que este tipo de violência policial ocorra, devendo legislar de forma rígida sobre a atuação policial.

 

Ainda, visa que as famílias das vítimas sejam reparadas pelos sofrimentos que tiveram, sendo que esta reparação deve se dar na indenização monetária e na forma simbólica, por via de reconhecimento do fato, da perpetuação da memória, entre outras medidas de acolhimento.

 

Tal fato se dá pelo Poder público brasileiro não adotar todas as medidas necessárias para promover a continuidade das investigações, bem como pelos erros mais absurdos cometidos durante as supostas operações e nas investigações que as seguiram, como por exemplo a não realização de perícias, não tomada de testemunhos de pessoas que viram os fatos, bem como nenhuma medida adotada em face dos envolvidos.

 

É obrigação do Estado promover todos os atos investigativos necessários para a apuração correta das ocorrências policiais, principalmente se esta detém indícios da realização de violência policial e execução.

 

No presente caso, o Estado agiu de forma pífia, acabando por promover a impunidade daqueles que cometeram tais ofensas, infringindo os Direitos Humanos daqueles que sofreram as execuções e dos seus parentes.

 

Durante o processo, o Brasil já reconheceu a sua responsabilidade por omissão ao não promover a medidas necessárias para as investigações dos ocorridos, bem como já descreveu a necessidade estabelecer normatizações para regulamentar as atuações de suas forças policiais, promovendo avanços nas políticas de segurança pública em todo o país.

 

Este é o primeiro caso brasileiro junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos relativo a punição por ofensa aos Direitos Humanos em decorrência de violência policial. Este processo será, então, um divisor de águas nas políticas de segurança pública, já que importará na necessidade de desenvolvimento de novas políticas nesta área, com uma atuação mais humanizada, respeitosa e pautada numa atuação legalmente estabelecida.

 

É imperioso que as forças policiais promovam o seu importante trabalho, de garantir a paz social e promover o combate ao crime, mas devem promover as suas atuações a partir de uma ideia humanizada, participativa e pacificadora.

 

É importante se salientar a importância destes serviços, mas não havendo com isso a busca de uma atuação de criminalização das ações policiais, e sim de chamar a atenção destas forças de segurança de toda a nação sobre a importância de uma atuação que parta de uma ideia integrativa, que se utiliza da força somente quando iminentemente necessário, já que as forças policiais devem ser vistas como propagadoras de uma ideia da mão do Estado na aplicação da lei, de todas as leis.

 

(*)Sobre o Autor: Walter Gustavo Lemos é advogado e professor universitário em Porto Velho/RO, formado pela UFGO, com pós-graduação em Direito Penal e P. Penal pela Ulbra/RS, em Direito Processual Civil pela FARO/RO, Mestrado em Direito Internacional pela UAA/PY e em História pela PUC/RS. Professor de Direito Internacional Público e Privado e de Hermenêutica Jurídica da FARO/RO e da FCR/RO. Ex-Secretário Geral Adjunto da OAB/RO. Membro do IDPR.