NOTA EM DEFESA DE INÊS ETIENNE ROMEU! REPÚDIO À DECISÃO DA 1ª VARA FEDERAL DE PETRÓPOLIS!

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O Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania vem a público manifestar seu mais veemente repúdio à 1ª Vara Federal de Petrópolis/RJ. Em decisão do dia 06/03/2017, assinada pelo juiz Alcir Luiz Lopes Coelho, foi negada a ação penal pelo sequestro e estupro de Inês Etienne Romeu. Tal estupro foi perpetrado pelo torturador de presos(as) políticos(as) Antônio Waneir Pinheiro Lima (codinome Camarão),  paraquedista do Exército.

Inês Etienne, guerrilheira da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi sequestrada pelo aparelho repressivo da ditadura militar, em 1971, e encaminhada à Casa da Morte, Petrópolis/RJ – um dos maiores centros clandestinos de tortura do sistema, coordenado pelo Centro de Informações do Exército (CIE). Lá ela foi confinada e barbaramente torturada durante 96 dias, tendo sido estuprada pelo menos duas vezes.  Inês Etienne foi a única sobrevivente da Casa da Morte onde testemunhou o assassinato de pelo menos 9 companheiros(as). Foi condenada a prisão perpétua. Tornou-se a última mulher a ser solta dos cárceres da ditadura, por comutação de pena, em 1979 – ela não foi contemplada pela Lei 6683/1979, a lei de anistia parcial.

 

Inês Etienne com Dilma Rousseff

Ao sair da prisão, Inês identificou e denunciou a Casa da Morte, as torturas e os estupros que sofreu, os assassinatos que testemunhou. Os estupros, no entanto, só passaram a ser investigados em 2013. Inês faleceu em 2015, aos 72 anos de idade. No dia 05/12/2016, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou judicialmente o estuprador.

No dia 8 de março de 2017 – Dia Internacional da Mulher – veio a público a decisão escabrosa deste juiz Alcir, a qual desvela o reacionarismo e o machismo do judiciário brasileiro. A peça de sua lavra beira o fascismo: criminaliza a vítima; desqualifica o seu testemunho, assim como todas as robustas provas testemunhais, documentais e periciais. Só leva em conta aquilo que foi emanado nos porões da ditadura. Além disso, o juiz destroça o significado de direitos humanos alegando que estes não podem ser brandidos em favor de minorias suspeitas (?) – neste trecho é citado literalmente texto do famigerado Olavo de Carvalho. É explicitada a banalização do estupro, como se algumas mulheres fizessem por merecê-lo.

O juiz sustenta sua decisão nos indefectíveis e surrados argumentos de prescrição do crime e de que a Lei 6683/1979 anistiou sumariamente, automaticamente e previamente todos aqueles que cometeram crimes contra a humanidade: agentes do Estado que torturaram, estupraram, assassinaram e fizeram desaparecer os corpos de presos(as) sob sua tutela. Tal interpretação equivocada da Lei de Anistia foi positivada pelo Supremo Tribunal Federal com o indeferimento da ADPF 153 (28/04/2010). Esta decisão tem efeito definitivo, não há possibilidade de recursos. A decisão da 1ª Vara Federal de Petrópolis consolida ainda mais a ofensiva do Estado contra a luta por memória, verdade e justiça.  Consolida também a prática de confrontar os preceitos do direito internacional dos direitos humanos: crimes contra a humanidade são imprescritíveis, inafiançáveis e inanistiáveis.

Cabe recurso contra a decisão escabrosa da 1ª Vara Federal de Petrópolis. O MPF vai impetrá-lo junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Há 27 ações penais contra torturadores em andamento, propostas pelos procuradores de São Paulo, Rio de Janeiro, Petrópolis, Marabá/PA e Rio Verde/GO. Temos visto, no entanto, que a judicialização destes casos acaba por dar ganho de causa aos torturadores e assassinos da ditadura militar (1964-1985).  No Brasil, nenhum deles sequer chegou ao banco dos réus.  A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi ineficaz no que diz respeito à responsabilização judicial dos crimes contra a humanidade e à questão dos desaparecidos políticos. Daí a importância da continuidade da luta por memória, verdade e justiça também nos espaços extrajurídicos de debate, luta e ação – no chão das ruas.

Pelo direito à História, à Memória, à Verdade e à Justiça!

Nem perdão, nem esquecimento, nem reconciliação: punição para os responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos durante a ditadura militar e para os crimes contra a humanidade nos dias de hoje! Abaixo o terrorismo de Estado e do Capital!

 COMPANHEIRA INÊS ETIENNE ROMEU:

 PRESENTE, HOJE E SEMPRE!

Belo Horizonte, 11 de março de 2017

Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania