Norte-americanos com dívidas e sem diploma

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Antonio Carbonari Netto*

 

O financiamento estudantil do Governo dos Estados Unidos está fazendo água. Várias faculdades, principalmente as que apresentaram irregularidades, estão fechando, pois não podem ter mais acesso ao sistema de créditos. Hoje, há 42 milhões de alunos que se evadiram, deixando uma dívida de US$ 1,3 trilhão. Ou seja, não têm diploma e meios de arcar com os compromissos. Nos próximos 10 anos, será necessário alocar mais um trilhão de dólares para que o programa tenha continuidade. Para diminuir a demanda, o comprovante do Imposto de Renda do aluno ou dos pais começa a ser exigido, adotando-se o critério de renda mais baixa.

Os alunos norte-americanos pedem o empréstimo no dia da matrícula e incluem auxílio moradia, carro e pensionato, dentre outras despesas. Os juros são de aproximadamente 6% ao ano (mais altos do que os da casa própria, que são de 4%). O resgate do crédito deve ser feito em aproximadamente 100 ou 120 parcelas mensais após a formatura. Isso quer dizer que uma dívida de US$ 150 mil será quitada em 100 prestações mensais de US$ 1,5 mil. Quantos recém-formados ganham o suficiente para arcar com tal valor? Poucos, menos de 10%. Quanto aos que se evadiram das faculdades e não conseguiram graduar-se, sua renda média é pouco superior a dois mil dólares. Não têm condições de pagar!

Na revista “Consumer Report” do mês de agosto, ampla matéria, a manchete da capa, mostrou a realidade da maioria dos inadimplentes. Empregos iniciais de dois mil dólares ou mais são raros. A baixa renda inicial impede o pagamento do empréstimo, adia casamentos e até a aposentadoria dos pais, que, em muitos casos, auxiliam no resgate da dívida. Buscar emprego após o final do ensino médio tornou-se a grande opção da classe de jovens trabalhadores dos Estados Unidos, pois acreditam que não podem arcar com esses empréstimos. Assim, buscam primeiramente um trabalho e, depois, o curso superior.

No caso das faculdades, muitas usam antecipadamente os recursos que recebem do financiamento estudantil. Ficam sem lastro para suas atividades-fim. Tais problemas começam a diminuir sua reputação e a qualidade dos seus cursos. Nesses casos, primeiramente o governo proíbe novas matrículas com empréstimos. Depois, exige cartas de crédito de grandes bancos ou financeiras para que as instituições consigam sobreviver sem o dinheiro público, o que é muito difícil lá.

A faculdade recebe o dinheiro das anuidades à vista e os alunos, o montante relativo às outras despesas pessoais. Muitos estabelecimentos de ensino superior têm problemas de sustentação financeira, pois, como toda empresa privada norte-americana, seus dirigentes têm altos bônus, a despeito da situação financeira da organização.

Vale a pena lembrar que as mensalidades dos cursos superiores de média qualidade e boa reputação nos Estados Unidos são próximas de dois mil dólares (nas grandes e famosas universidades, o valor é muito maior). Multiplicando-se o montante por 48 parcelas (a graduação toda), mais auxílio moradia, transporte, alimentação e os juros, a dívida pessoal do estudante soma cerca de US$ 150 mil, no mínimo. Muitos são os casos assim. Segundo as estatísticas, a capacidade de pagamento dos graduados é de aproximadamente 15% do seu ganho mensal.

A crise do financiamento estudantil começa a se manifestar por lá. Precisamos refletir sobre a questão, para não cometer os mesmos erros aqui no Brasil e, mais do que isso, corrigir os problemas do nosso FIES.

 

*Antonio Carbonari Netto, membro do Conselho Nacional da Educação (CNE), é matemático pela PUC-Campinas, com MBA em Gestão Universitária e Mestre em Administração, Educação e Comunicação na Unimarco, membro da Academia Brasileira de Ciências da Administração e vice-presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior do Estado de São Paulo.