NA ELEIÇÃO DOS EXTREMOS, A QUEM A DEMOCRACIA BRASILEIRA DEVE TEMER?

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Elizeu Lira

 

Por Elizeu Lira (*)

 

Escrevi recentemente sobre os ciclos históricos vivenciados na vida política do Brasil – e ilustrei os meus argumentos com fatos ainda frescos na nossa memória. Para isso, recorri aos princípios da dialética formulados pelo filosofo alemão Hegel, abdicando daqueles elaborados por Marx e Engels, na tentativa de evitar ser caracterizado como “comunista”, ou “socialista”, ou mesmo “esquerdista” – preferências ideológicas amaldiçoadas (quase criminalizadas até) nestas eleições. Neste artigo, quero abordar alguns aspectos da cena política postos na agenda eleitoral de 2018 e tergiversados pelos formadores de opinião, imprensa e lideranças políticas, além da sociedade como um todo. Isso ganha maior relevância ao se considerar o passado ditatorial do qual saímos recentemente.

 

A polarização das eleições nos dois extremos do espectro ideológico, reconhecidas por todos, merece, a título de reflexão, algumas considerações. O Partido dos Trabalhadores esteve disputando mandatos presidenciais desde a volta das eleições diretas no País. Foi assim em 1.989, quando Lula disputou com Fernando Collor; também em 1994 e 1998, quando Lula disputou com Fernando Henrique Cardoso, perdendo as duas eleições. O mesmo ocorreu nas quatro campanhas vencidas pelo PT (2002, 2006, 2010 e 2014).

 

Embora a polarização estivesse presente em todas elas, em nenhuma das eleições passadas ocorreram animosidades no nível do constatado nesta. Isto é, não havia entre os militantes dos partidos e campanhas adversárias, e nem entre os eleitores dos candidatos em disputa, radicalização suficientes para produzir conflitos violentos e mortes.

 

No entanto, fosse quem fosse o vencedor, em nenhuma dessas eleições o risco à democracia surgiu como preocupação concreta ao longo das disputas. Nem o PT e nem o PSDB, os partidos envolvidos nas disputas pós 1989, sugeria à sociedade que pudesse patrocinar algo além da postura oposicionista normal de quem perde as eleições num regime democrático.

 

Nestas eleições o sentimento popular em relação à solidez da democracia brasileira foi alterado. Pesquisa realizada e divulgada no dia de ontem, 19, pelo Datafolha, apontou que 50% dos eleitores acha que há chances do Brasil viver uma nova ditadura. Esse percentual é a combinação de duas perguntas colocadas para serem respondidas pelos entrevistados. Na primeira, à pergunta feita pelo entrevistador, 31% os entrevistados responderam “sim, há muita chance de ocorrer uma nova ditadura no Brasil”. Na segunda pergunta, 19% dos entrevistados responderam que “sim, há um pouco de chance de ocorrer uma nova ditadura”.

 

O PT sempre teve papel protagonista nas eleições brasileira. E, nas anteriores, sempre representou o extremo (à esquerda) no espectro ideológico das candidaturas, uma vez que os adversários ou não tinham posição definida (Fernando Collor), ou se posicionavam mais ao centro (Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves). Nessa posição perdeu e ganhou.

 

No entanto, as eleições de 2018 inseriram na cena política uma candidatura do espectro ideológico oposto ao Partido dos Trabalhadores, a extrema direita. O clima de animosidade criado a partir desse fato no processo eleitoral nos sugere duas possibilidades, sem juízo de valor sobre as virtudes ou fragilidades que o candidato que a representa possa ter.

 

A primeira delas é a constatação de que não temos maturidade para conviver com as contradições que uma disputa de dois extremos produz. A segunda possibilidade sugere que a extrema direita brasileira não consegue lidar com os contraditórios inerentes à uma eleição disputada em regimes democráticos. A história de poder da extrema direita brasileira aponta para excessos, para a não convivência com os contraditórios e para a radicalização das suas práticas políticas. O extremo esquerdo dos dois polos, representado pelo PT, pelo seu histórico, não parece ser a origem das angústias da sociedade brasileira em relação à solidez da sua democracia.

(*) Elizeu Lira é sociólogo, 55 anos, especialista em políticas públicas