Miséria triplicada: pessoas em extrema pobreza saltam de 143 mil para 480 mil em um ano no Rio

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"Pessoas em situação de extrema pobreza têm rendimento domiciliar per capita de R$ 70, e em situação de pobreza, R$ 140", explica o pesquisador na entrevista

O pesquisador Francisco Menezes, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), trabalhou, de forma inédita, os dados do IBGE referentes à pobreza e à extrema pobreza. O economista ficou perplexo com os números que lhe vieram à vista. Francisco, que também trabalha na ActionAid (uma instituição com sede Johannesburg, na África do Sul), viu-se particularmente impressionado com a situação do Rio de Janeiro. Segundo ele, comparando-se o aumento da pobreza e da extrema pobreza em nível nacional, nota-se que, no Rio, os indicadores têm um percentual ainda mais elevado que os graves resultados do país. Nesta entrevista ao JORNAL DO BRASIL, Francisco Menezes esquadrinha os números do IBGE.

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Nas ruas, vê-se um contingente maior de pessoas sem casa; nos transportes, muito mais pessoas a pedir dinheiro. Os números do IBGE, de certa forma, traduzem o que salta aos olhos? 

Certamente. Os números da Pnad-Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) vêm confirmando aquilo que todos nós presenciamos no dia a dia. No Brasil e no Rio de Janeiro, crescem aceleradamente a pobreza e a extrema pobreza.

O senhor poderia fazer a distinção entre uma e outra? 

Entre diversas metodologias que apresentam números muito próximos, adota-se mais frequentemente aquela seguida pelo Programa Bolsa Família. A população em situação de extrema pobreza é a com rendimento domiciliar per capita de até R$ 70 e a em situação de pobreza de até R$ 140 referente a junho de 2011 e deflacionado/inflacionado pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) para os meses de referência de coleta da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).

Como então os números se apresentam? 

Com os dados divulgados em abril pelo módulo de rendimentos da Pnad-Contínua, chegamos a um número

correspondente a 11,8 milhões de pessoas em extrema pobreza em 2017. Ainda não temos os dados do ano passado para o Rio de Janeiro. Mas, em 2016 no Rio, tivemos um contingente de 480.620 pessoas nessa condição de miserabilidade. O que é mais alarmante é que, levando-se em conta que em 2015 esse número era 143.865, percebe-se que em um ano esse número mais que triplicou.

O senhor tem uma ideia da causa do crescimento da extrema pobreza? 

Vamos falar do Brasil e do Rio de Janeiro. No caso do Brasil, o enfrentamento da crise político-econômica dos últimos anos se deu pela via do pior receituário. A Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, sintetiza o equívoco perpetrado sobre o conjunto de políticas públicas. Suas repercussões mais graves recaíram sobre a população pobre. Combinado com isso, o desemprego alcançou índices que não eram conhecidos no Brasil, tendo direta responsabilidade nesse processo de empobrecimento.

E quanto ao Rio de Janeiro? 

No Rio de Janeiro, podem ser enumerados, além desses fatores acima citados, três de não menor relevância. O primeiro é mais óbvio. O desgoverno em nível estadual, em que se destaca a crise fiscal. Com ela, políticas públicas voltadas à população de baixa renda foram descontinuadas. Um exemplo: pouca gente conhece uma política pública como a do Busca Ativa. Trata-se de ir atrás de famílias mais carentes que não acessam às políticas a que teriam direito, como escola, Bolsa Família e saúde. Esse instrumento teve seu ritmo bastante diminuído.

Qual é o segundo fator? 

Esse segundo fator se relaciona aos megaeventos, ou seja, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Antes deles, houve uma intensa mão de obra empregada  na construção civil. Um exemplo foi o exército de pessoas empregado na obra do Maracanã. Só que todas essas intervenções relacionadas a esses dois grandes eventos obviamente não tiveram continuidade. A consequência foi o aumento do desemprego.

E quanto ao terceiro fator?

A Petrobras tem um peso particular para o Estado do Rio de Janeiro. O processo verificado a partir da operação Lava Jato paralisou atividades de porte na economia fluminense, haja visto o ocorrido com o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro). Ali, em Itaboraí, onde o empreendimento estava instalado, formava-se então uma espécie de nova região metropolitana, tamanha a dimensão do projeto. Nele, o investimento em si gerava milhares de empregos na construção civil e em toda uma cadeia subsidiária montada para lhe dar suporte. E aquela região também passou a ter, em função do Comperj, mais hotéis, pousadas, restaurantes, entre outros serviços, igualmente atingidos. A Laja Jato trouxe também uma queda no setor naval. Em Niterói, estaleiros eram equipados para manutenção de navios e plataformas. Com a crise da Petrobras, esse segmento se quedou.

Fonte: Jornal do Brasil

Jornal do BrasilROGÉRIO DAFLON