Leiam esta história: “Gato” rouba trabalhadores em Rondônia

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adinoel-180x300Por Adinoél Sebastião(*)

Há poucos dias um trabalhador procurou a Auditoria Fiscal do Trabalho aqui em Rondônia. Ele procurava ajuda. Havia trabalhado por mais de 80 dias e não recebeu um tostão.

Esse trabalhador contou que foi aliciado por um gato* para trabalhar numa propriedade rural. O serviço era para fazer roçada dentro da mata.

Ele disse que inicialmente o gato foi gentil. Informou sobre o serviço, disse que a propriedade ficava distante da cidade do trabalhador (mas não informou a distância). Combinou o preço. Combinou o dia de saída para a empreitada.

Segundo o trabalhador, saíram de madrugada. Ele e outros trabalhadores aliciados viajaram sobre a carroceria de um caminhão. Viajaram deitados para não serem descobertos pela Polícia Rodoviária. Assim, deitados, ninguém viu para onde estavam indo.

Eles somente levantaram da carroceria quando chegaram no local de trabalho, uma mata fechada. O trabalhador disse que não viu nenhuma “casa” nas proximidades. Ficaram acampados no meio do mato e dormiam em barracos de lona.

O trabalhador disse que o gato os deixou lá no meio da mata e eles não tinham noção de onde estavam. O gato aparecia de vez em quando trazendo comida e material de trabalho. O gato continuou sendo muito cordial.

Assim, trabalharam por mais de 80 dias. O preço combinado foi de R$ 80,00 por dia de trabalho.

Quando acabaram o trabalho, o gato disse que levaria os trabalhadores para as suas cidades. Marcaram o dia da saída. Desmontaram o acampamento.

Novamente, saíram de madrugada. Novamente, deitados na carroceria do caminhão. Novamente, sem saber onde estavam e para onde estavam indo.

Quando estava amanhecendo, o veículo parou numa cidade próxima da capital (Porto Velho). Não era a cidade de onde o trabalhador tinha sido levado. Todos desceram do caminhão. O gato reuniu o pessoal e disse que estava muito cedo e o banco ainda demoraria para abrir. Assim, como ele tinha alguns negócios a resolver na cidade, pediu que todos esperassem no local que ele voltaria com o pagamento. Estavam perto de um hotel. Inclusive, o gato disse que podiam se hospedar no hotel para descansar e tomar um banho que ele pagaria as despesas.

O gato saiu. O trabalhador esperou uma hora. Duas horas. Três horas. Passou o horário do almoço. Entardeceu. Anoiteceu. O trabalhador esperou e nada. Somente no dia seguinte o trabalhador e seus companheiros perceberam que haviam sido enganados.

A Auditoria Fiscal do Trabalho tentou colher informações do trabalhador para tentar encontrar o local do trabalho realizado ou o gato que aliciou os trabalhadores. No entanto, o trabalhador não conhecia o gato, o chamavam por apelido, ele não sabia a que horas tinham saído e a que horas tinham chegado no acampamento. Não viu nada durante a viagem. Não viu nenhuma residência próxima ao local de trabalho. O acampamento somente foi visitado pelo gato durante o tempo de trabalho. Não soube dizer a que horas da madrugada saiu do acampamento. Não soube dizer se o caminhão rodava rápido ou devagar. Não soube dizer se passaram por rios e pontes. Apenas disse que se visse novamente o gato, o reconheceria.

Infelizmente, por não desconfiar da situação, nem mesmo a placa do caminhão o trabalhador anotou. Ainda ficou confuso e não soube dizer exatamente qual a marca, cor e modelo do caminhão porque sempre teve contato com o veículo durante a noite.

No caso em tela, a Auditoria Fiscal do Trabalho não pode agir, pois não foi possível encontrar o gato e a propriedade rural. Deixamos nosso número de telefone com o trabalhador para que ele pudesse entrar em contato se tivesse alguma notícia da pessoa que o contratou ou tivesse algum fato novo que pudesse ajudar a esclarecer a situação.

O que percebemos aqui é que está havendo uma mudança de postura das pessoas que “dão o golpe” nos trabalhadores. Está deixando de existir o capataz bruto e mal. Na relação de trabalho acima, o gato foi sempre muito cordial. Não deixou faltar comida no acampamento. Sempre aparecia. Conversava com todos. Fazia piadas. Comia com eles. Essa atitude foi para que nenhum dos trabalhadores desconfiasse da situação e saísse do acampamento para pedir ajuda ou denunciar o trabalho sem registro e em condições precárias.

*Gato: Indivíduo que contrata trabalhador para prestar serviços em grandes fazendas, muitas vezes em regime escravo ou em condições de trabalho precárias, como mediador entre estes e o empreiteiro (dicionário online Michaelis)

(*)  Adinoél Sebastião é professor e Auditor Fiscal do Trabalho e Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil lotado na Delegacia da Receita Federal do Brasil em Maringá-PR