Infidelidade conjugal: O preço da dor e a (im)possibilidade de indenização por danos morais

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Por José Sauaia

 

Na última semana, me deparei com uma situação um tanto inusitada no escritório quando fui procurado por uma cliente que desejava ingressar com uma ação por danos morais em face do seu ex-noivo, devido a uma infidelidade conjugal cometida pelo mesmo e que fora descoberto. Na mesma hora, me veio à cabeça que a música brasileira vem fazendo sucesso com o sertanejo “sofrência” que trata exatamente sobre o tema, tal como ocorre com o sucesso musical da cantora Naiara Azevedo com “50 reais”, Marília Mendonça com “Infiel”, Maiara e Maraisa com “Motel”, dentre outros sucessos.

Ouvindo atentamente a situação narrada pela minha cliente, busquei de forma técnica extrair os termos que mais me chamaram atenção para exatamente transpor àquele sentimento para a ação cível, demonstrando, por conseguinte, que diante do fato apresentado, caberia uma indenização por danos morais.

No caso tratado pelo meu escritório, deixei bem claro à cliente que o sentimento amargurado por ela, externado através das palavras “desilusão”, “decepção”, “vexame”, e pelo fato de estarem noivos, com data marcada para o casamento, com distribuição de convites para o casamento, com apartamento mobiliado para mudança após lua de mel, o fato em si havia lhe colocado em uma delicada situação de exposição social, aí ficando bem claro que uma vez que ambos optaram pelo matrimônio, mesmo ainda não casados, deveriam honrar seus deveres, independente da natureza jurídica do pacto matrimonial.

Nesse sentido Maria Berenice Dias (in Manual de Direito das Famílias, p.93, 2016), disserta acerca da responsabilidade decorrente das relações afetivas:

Todas as relações que têm origem em vínculo de afetividade propõem-se eternas, estáveis, duradouras e com uma perspectiva infinita de vida em comum, até que a morte os separe. Os pares carregam a expectativa de um completar o outro na satisfação de suas necessidades de afeto, amor, relacionamento social etc, e a separação representa o rompimento desse projeto. É um dos mais sofridos e traumáticos ritos de passagem.

É fato que a jurisprudência dos Tribunais Superiores pátrios não é pacífica acerca dessa possibilidade de indenização por danos morais. Existem entendimentos isolados sobre a matéria que vislumbram a indenização por danos morais por infidelidade conjugal entre ex-cônjuges, tal como exemplo que fora divulgado pelos canais de notícias jurídicos acerca de um processo que tramitou na 2ª Vara Cível de Brasília, onde um ex-marido infiel foi condenado a pagar danos morais na importância de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) à sua ex-cônjuge, porque manteve relacionamento com outra mulher durante a vigência do casamento. A referida “traição” foi comprovada por meio de e-mails trocados entre o acusado e sua amante. (Proc. Nº 2005.01.1.118170-3-com informações do TJ-DFT).

Ou também podemos citar:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE. OMISSÃO SOBRE A VERDADEIRA PATERNIDADE BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR MORAL CONFIGURADA. REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. 1. Os alimentos pagos a menor para prover as condições de sua subsistência são irrepetíveis. 2. O elo de afetividade determinante para a assunção voluntária da paternidade presumidamente legítima pelo nascimento de criança na constância do casamento não invalida a relação construída com o pai socioafetivo ao longo do período de convivência. 3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal. 4. O cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade biológica do filho gerado na constância do casamento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de relevantíssimo aspecto da vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro projeto de vida.5. A família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF⁄88) devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a reputação e a autoestima dos seus membros. 6. Impõe-se a redução do valor fixado a título de danos morais por representar solução coerente com o sistema.7. Recurso especial do autor desprovido; recurso especial da primeira corré parcialmente provido e do segundo corréu provido para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios. (RESP nº 922.462 – SP. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Terceira Turma. Data do julgamento: 04/04/2013)

Diante do caso concreto, caberá apresentarmos ao Magistrado que ocorreu a lesão moral pela manutenção do relacionamento extraconjugal com o consequente rompimento da confiança preexistente entre o casal e que tal ato gerou reflexos na vida social e familiar da pessoa ofendida.

Ainda, há possibilidade de indenização derivada do mandamento constitucional que diz ser inviolável a honra das pessoas, sendo assegurado o direito à indenização pelo dano moral decorrente de sua violação (Art. 5, X, Constituição Federal de 1988). Cabe ao juiz ponderar os valores éticos em conflito, não devendo deixar de notar que, na relação fundada no amor, o desaparecimento da afeição não pode ser, por si só, causa de indenização.

Sendo assim, aos que desejam ingressar com ações por danos morais em face dos seus ex-namorados, ex-cônjuges, ex-noivos, devem apresentar ao magistrado a tese de que qualquer relacionamento, em especial o amoroso, por se tratar de um ato de liberalidade, no qual as pessoas envolvidas optam por permanecerem conectadas, deve haver a obrigatoriedade de ambos os parceiros em cumprir o dever legal da fidelidade pautado na ética e boa-fé, sob pena de, como bem retratado na letra da música da cantora Marília Mendonça – “Infiel”: “(…) Iêê Infiel. (…). Assuma as consequências dessa traição”.

Sócio do Serra e Sauaia Advogados Associados, Especialista em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina, militante nas áreas do Direito Processual, ênfase no, Civil, Penal e Trabalho, desde o ano de 2006. Advogado atuante no Tribunal de Justiça do Maranhão, recursos e sustentação oral.