“IDEOLOGIA, EU QUERO (CONTINUAR A TER) UMA PRA VIVER!”

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Elizeu Lira

 

Por Elizeu Lira (*)

Já escrevi aqui artigos sobre as questões objetivas relacionadas ao ambiente político do País percebido nestas eleições. Neles tratei sobre a concentração dos fundos partidários e eleitorais nas mãos dos caciques dos partidos, produzindo desequilíbrios nas eleições, abordei também sobre a estrutura partidária viciada e do quanto isso contribui para o atraso político do País e, por último, refleti sobre os riscos que a jovem democracia corre a partir do acirramento constatado nas eleições até agora. Agora sinto a necessidade de escrever sobre algo não tão objetivo mas, a meu ver, tão importante quanto os aspectos que afetam o dia a dia da vida de todos.  Senão vejamos.

 

Os militares que conduziram o golpe de 1964 utilizaram como argumento para o evento o risco de implantação, pelo governo de então,  do comunismo tal como ocorria na antiga União Soviética, Cuba e nos países do Leste Europeu.  Com o apoio dos Estados Unidos, a ditadura se prolongou por 21 anos e nunca surgiram indícios de que o comunismo seria de fato implantado.

 

Com a redemocratização, iniciada em 1985, materializada com a Lei da Anistia, a eleição de deputados constituintes e a promulgação da Constituição de 1988 a vida institucional no País entrou na normalidade. Ao mesmo tempo em que as pessoas exiladas retornam ao País, as instituições públicas e os movimentos sociais iniciam suas atividades interrompidas nas duas ultimas décadas. Quatro anos depois do fim da ditadura, em 1989, ocorre a primeira eleição direta para presidente da república, na qual é eleito um candidato conservador.

 

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os parâmetros da vida em sociedade foram dados, com seus limites e possibilidades. Os agentes políticos (pessoas e partidos) buscam se organizar e ocupar os espaços que julgam apropriados. O mesmo ocorre com a organização do trabalho, com e reorganização sindical, seja de trabalhadores ou patronais; os movimentos sociais se espalham por toda a sociedade, indo daqueles que lutavam por direitos (reforma agrária, moradia, saúde, educação), até os que buscavam afirmação de identidades (negros, quilombolas, índios, gays), passando pela defesa do meio ambiente. A vida acadêmica pululava, com os grêmios estudantis e os centros acadêmicos. Foi neste ambiente que surgiram os grandes personagens políticos e culturais que formaram a geração atual e produziram o caldo de cultura em que hoje vivemos.

 

Havia naquele momento o interesse dos jovens em se envolver na política, em atuar nos partidos, nos movimentos sociais, nos centros acadêmicos, nos grupos de jovens, nas igrejas, na vida comunitária, enfim. A liberdade alcançada recentemente trouxe consigo a necessidade de participação das pessoas em todas os aspectos da vida em sociedade, sem maiores traumas ou eventos que colocassem dúvidas sobre a nossa capacidade de viver numa democracia. A sombra da ditadura não pairava sobre as nossas cabeças.

 

A mim não importa quem seja o ganhador nestas eleições nacionais. Os resultados eleitorais é o que menos importa, após campanhas tão temerárias. No último fim de semana, fatos me levaram a temer pelo fim do que considero mais importante para os seres humanos: a ameaça escancarada ao fim dos sonhos daqueles que veem na liberdade política o bem maior que o homem pode ter.

 

Isso vem numa progressão espantosa, em que candidatos buscam criminalizar quem pensa ou atua diferente deles. Frases como “fulano é socialista”, “sicrano é esquerdista” são utilizadas como se quisesse criminalizar fulano ou cicrano por ser socialista ou esquerdista, numa clara negação daquilo que consta na Constituição Federal – que garante a liberdade política e o livre pensamento. Ao se afirmar que “esses vermelhos ou aceitam as leis ou se mudam do País” fica clara a afirmação de que os “vermelhos” daqui vivem a infringir as leis, o que não é verdadeiro. Mais ainda, ao dizer que “será uma limpeza nunca vista na história do Brasil”, o candidato ameaça aqueles que defendem modelos de sociedade diferente daquelas que ele defende.

 

Diante disso, os sonhos daqueles que buscam construir uma sociedade livre, plural, contraditória, solidária, produtiva, criativa e organizada correm risco de serem interrompidos mais uma vez. Ser de esquerda, de direita, socialista, comunista, capitalista ou anarquista (Ideologia, eu quero uma pra viver) é uma condição elementar do homem, anterior a luta pelo poder – este sim, que o escraviza e o prende à barbárie do autoritarismo.

(*) Elizeu Lira é sociólogo, 55 anos, especialista em políticas públicas