Historiador Marco Teixeira analisa os 34 anos de criação do estado de RO

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2000px-Bandeira_de_Rondônia.svgFilhos e netos de migrantes nascidos em Rondônia nos anos 1970 conheceram o extinto território federal, sempre dependente dos recursos financeiros e dos humores das autoridades de Brasília. Só agora, eles começam a saborear os frutos do estado mais populoso do norte brasileiro, cuja criação na  terça-feira (22) e a instalação, em 4 de janeiro próximo, completam 34 anos.

Rondônia passou a ser o 23º estado brasileiro em 22 de dezembro de 1981 e no ano seguinte o recém-criado Tribunal Regional Eleitoral fazia as primeiras eleições para Câmara dos Deputados e Senado Federal. O Partido Democrático Social (PDS) conquistava as três vagas senadores [Claudionor Couto Roriz, Odacir Soares Rodrigues e Reinaldo Galvão Modesto], e a maioria dos deputados federais. A Assembleia Constituinte foi instalada em 31 de janeiro de 1983.

No cômputo geral, os resultados são satisfatórios para o estado. Agroindústrias familiares passam de quinhentas. A soja obteve safra superior a 470,4 mil toneladas, das quais, 16% destinados a óleo vegetal. O plantel bovino e bubalino alcança 12,2 milhões de cabeças. Maior produtor de tambaqui em cativeiro do País, o estado constatou crescimento superior a 300% nesse setor, com perspectiva de produzir até 80 mil toneladas/ano.

Por ironia, está às voltas com um enorme desafio: aqueles 30 búfalos vindos da Ilha do Marajó nos anos 1960 multiplicaram-se para aproximadamente cinco mil, perderam a mansidão, não foram distribuídos para tração animal, romperam as cercas da Fazenda Pau d’Óleo [herdada do ex-território federal] e agora ninguém os quer por perto. O governo de Rondônia tem um projeto para controle desses animais.

Em 1984 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatava que a taxa demográfica de 15,80%, superava as médias de outros estados, especialmente os da região centro-oeste.

Definitivamente, a rodovia BR-29 [depois BR-364] “empurrou” a migração e interiorizou Rondônia. Atualmente, o estado tem 1,7 milhão de habitantes, com taxa de concentração demográfica de 6,58 habitantes por quilômetro quadrado.

DO EIXO DOS RIOS À FLORESTA

“A população saiu do eixo dos rios para conhecer áreas de floresta e terras firmes, predispondo o espaço a um projeto de colonização agropastoril”, analisa o professor de História na Universidade Federal de Rondônia, Marco Antônio Teixeira.

Demograficamente, Rondônia perde apenas para o Amazonas e o Pará. Porto Velho (503 mil habitantes) é a cidade mais populosa, seguida de Ji-Partaná (130 mil) e Ariquemes (104 mil).

O Produto Interno Bruto (PIB) per capita [por cabeça] estadual alcançava R$ 18,4 mil em 2012, segundo o IBGE. Esse valor lhe assegurou a 12ª posição no ranking nacional e o 1º da região norte.

Segundo a Secretaria Estadual de Finanças, em dez anos, a receita estadual cresceu 309%, e em 2014 totalizou R$ 6,9 bilhões.

DOIS PRINCÍPIOS

“Com a crise da borracha houve um esmaecimento do ímpeto migratório, que foi retomado nos anos 1950, com os achados da mineração de cassiterita [minério de estanho], diamantes e ouro”, lembra.

A mineração exerceu o domínio territorial e também trouxe migrantes, mas causou convulsão social em 1970, quando o governo federal proibiu a lavra manual de cassiterita, permitindo a grupos multinacionais e mecanização das lavras.

Professor Marco Teixeira, da Unir

Professor Marco Teixeira, da Unir

A notável Marcha para o Oeste estendeu-se aos estados do Acre, Mato Grosso e Rondônia, entretanto, a dificuldade de acessos impediu-a de avançar para o Estado do Amazonas. “O primeiro mapa de Rondônia incluía Lábrea, depois devolvida àquele estado”, assinala o professor.

Teixeira alerta para as “tendências do momento”: com a acentuada migração agropastoril que tem como subproduto a indústria madeireira, a distribuição de terras e os cuidados com a preservação de reservas florestais nativas devem ser bem delineados.

“Nunca se destruiu um conjunto florestal em tão pouco”, lamenta.

Teixeira lembra o financiamento de US$ 300 milhões pelo Banco Mundial nos anos 1980, via Programa de Desenvolvimento Integrado do Noroeste Brasileiro (Polonoroeste) possibilitou a abertura de núcleos urbanos de apoio rural. Dos 32 núcleos, quase a metade, inevitavelmente, se transformou em cidades ao redor das quais o próprio Incra garantia lotes a quem desmatasse 50% da floresta.

“Hoje, nosso mapa florestal é exatamente o mapa de nossas reservas”, lamenta.

A respeito dos conflitos agrários envolvendo antigos posseiros, grileiros [antigos e novos], camponeses e latifundiários, o historiador aconselha: “É preciso conter o desmatamento e a ganância por tanta terra; há terras disponíveis para a reforma agrária, só precisamos de políticas públicas efetivas que possam viabilizá-la”.

Para o professor, o Incra atualmente tem o papel apenas regulamentador. “A reforma agrária anterior foi feita à revelia das populações tradicionais residentes, e isso também motivou disputas que começaram a ocorrer bem antes de Corumbiara, que é a face mais visível desse conflito da fase mais recente da colonização”.

“Com a nacionalização da Madeira-Mamoré, a mão de obra era fixa, permanente, não havia desemprego, nem êxodo rural”, assinala.

Em 1987, Rondônia teve um litígio de terras com o Estado do Acre, na Ponta do Abunã, região de terras férteis, rica em pedras e madeira. O advogado e ex-deputado federal [com três mandatos] Jerônimo Garcia de Santana governava o estado e ameaçou acionar tropas da Polícia Militar para desalojar 70 soldados do Acre instalados naquela região.

No início do ano seguinte, o Exército Brasileiro enviou tropas ao Abunã e assim, o Governo do Acre acatava um parecer do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dando ganho de causa a Rondônia. Os desentendimentos prosseguiam até 1990.

CAMINHO DA EXPORTAÇÃO

Brevemente, cargas fluviais e marítimas que demoravam até três meses para chegar aos portos russos e europeus viajarão no máximo 25 dias. A Federação das Indústrias do Estado de Rondônia e a Secretaria Estadual de Agricultura (Seagri) comemoram o futuro novo ciclo exportador com barcaças da empresa MSC [Mediterranean Shipping Company], que abriram nova rota entre Rondônia, Amazonas e o porto da Cidade do Panamá, onde as cargas são distribuídas.

Coincidentemente, em maio deste ano, durante a feira Rondônia Rural Show, o reitor da Universidade Marítima Internacional do Panamá e diretor da Seven Importação e Exportação, Roberto Pineda,  informou que empresários da construção civil desse pequeno país da América Central pretendem adquirir pedras em Rondônia, a fim de suprir os canteiros de obras avaliadas em US$ 165 milhões, incluindo a do novo aeroporto internacional.

O governo estadual estima safra de 4 milhões de sacas de café, até 2017. O porto organizado movimenta dez balsas por dia, e a Hidrovia do Madeira, de Porto Velho até a foz desse rio, na confluência com o rio Amazonas, escoa soja, fertilizantes, cimento, frutas, eletroeletrônicos, derivados de petróleo, veículos, produtos frigorificados, seixo, bebidas e outras cargas.

Há 85 anos, órgãos semelhantes ao atual Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ainda não funcionavam no País. As colônias agrícolas do Iata, Jacy-Paraná, Mutumparaná, Nova Viçosa e Poço Doce, abasteciam Guajará-Mirim e Porto Velho.

Paralelamente ao extrativismo vegetal, a proteína bovina chegou pela ferrovia, procedente das fazendas jesuíticas na Amazônia Boliviana. “Embora, anteriormente, fazendas de gado em Casalvasco [Vale do Guaporé] alcançassem um plantel de 25 mil cabeças e já abastecessem a região, isso teve consequência duradoura”, explica Teixeira.

Em 2014, Rondônia já era o 5º maior exportador de carne do Brasil, e o seu rebanho bovino de corte, o 7º. Segundo a Seagri, em Rondônia, 87,8 mil propriedades criavam bovino no ano passado em 79,67% de propriedades com áreas de até cem hectares; 65,55% delas tinham rebanhos até cem cabeças; e 75% eram formadas por agricultores familiares.

A CAPITAL TRANSFORMADA

Soldados da borracha chegaram entre 1943 e 1945, dando origem ao Bairro Arigolândia, em Porto Velho. Prédios do Porto Velho Hotel, Maternidade Darcy Vargas e do Relógio simbolizavam a cidade no período de 1940 a 1950.

A Catedral do Sagrado Coração de Jesus, construída em 1928, foi concluída somente nos anos 1970. Ao lado dela já estava edificado o Colégio do Bom Bosco e, bem próximo à Avenida Sete de Setembro, o Hospital São José [que substituíra o Hospital da Candelária] e o Instituto Maria Auxiliadora. Em 1983 foi inaugurado o Hospital de Base.

O Bairro Caiari, uma vila operária e funcional nascida com o apadrinhamento do ex-presidente Getulio Vargas, hoje está desfigurado. A cidade caminha rumo à população de meio milhão de habitantes.

O Bairro Olaria abastecia a cidade com telhas e tijolos de boa qualidade. Atualmente está cheio de prédios modernos, entre os quais, o do Ministério Público Estadual.

Mocambo e Triângulo, os mais periféricos, entraram em decadência desde a retirada de famílias barbadianas que trabalharam na Madeira-Mamoré. Surgia a Vila Ferroviária.

Em 1976, Porto Velho “parava” na Avenida Jorge Teixeira [então denominada Kennedy]. Hoje, bairros das zonas leste e sul crescem a cada dia. O conjunto Residencial Cristal da Calama [Programas Morada Nova-Minha Casa Minha Vida], por exemplo, dará origem a um bairro com 12 mil pessoas.


Fonte
Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Daiane Mendonça e Maicon Lemes
Secom – Governo de Rondônia