Fazendeiro que mandou matar posseiros agora sofre ameaças e mora num apê de 80m2 em Ariquemes

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altoHá mais de um ano, o espaço do pecuarista Caubi Moreira Quito se resume a um apartamento de 80 m² em prédio de Ariquemes, Rondônia. Aos 70 anos, ele diz que passou a viver confinado como gado desde setembro de 2014, quando sofreu emboscada. “Estou encurralado, preso nesse lugar. Fui expulso da minha fazenda, saí de lá tocado a bala”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo.

Eram 11 horas. Acompanhado de um funcionário, ele chegou à Fazenda Formosa, em Alto Paraíso, a 230 km de Porto Velho. Ao passar na portaria, deparou-se com homens armados. “Eram oito ou dez. Estavam no mato, encapuzados. Quando parei perto da entrada, meteram bala. O carro ficou com 24 perfurações”, disse. Caubi e o empregado escaparam.

A disputa pela Fazenda Formosa tem capítulos de sangue desde 2000, quando parte da terra foi comprada por Caubi. A raiz do conflito está na desapropriação da área. Em 1995, o Incra já havia determinado que as terras receberiam assentamento de reforma agrária. Ainda assim, Caubi adquiriu parte da propriedade porque, segundo ele, o próprio Incra garantiu que não havia obstáculo.

“Entrei com permissão do Incra. É uma posse assinada pelo superintendente do Incra.” Um grupo de assentados resiste na área desde 2004. Nos últimos anos, o clima ficou mais tenso. A tentativa de assassinar o fazendeiro ocorreu logo após reintegração de posse, em setembro de 2014. Em outubro daquele ano, um grupo invadiu a sede da propriedade, matou um funcionário e incendiou instalações. Em maio do ano passado, dois homens foram assassinados.

O fazendeiro promete retornar à fazenda e ocupar os 2,4 mil hectares. Neste ano, ele obteve ordem de reintegração de posse, decisão questionada por Ministério Público Federal e Incra. “Tive de tirar 1,8 mil cabeças de gado de lá e alugar um pasto, porque estavam matando animais. Vou ter de reconstruir toda a fazenda, mas não vou abrir mão. Eu vou lá pra dentro”, garantiu.

Entenda o caso

A Fazenda Formosa, em Alto Paraíso, RO, a 230 km de Porto Velho, foi ocupada pela segunda vez em maio de 2013, inicialmente por cerca de 100 pessoas. Parte dessas famílias luta pela criação de um assentamento na área desde 2004.

Em julho de 2013, dois meses após a ocupação, com uma ordem judicial de reintegração de posse, um grupo de 40 policiais militares e quatro civis acompanhou o oficial de justiça Lucio Nobre até a Fazenda. Durante as negociações, os sem-terra enfatizaram que não sairiam da área, mesmo com a ameaça de retirada.

“Esta área é da União; não tem documento. Não temos para onde ir. Só queremos um pedaço de chão para trabalhar”, disse Claudio Ribeiro, um dos membros do grupo, à época. Sem negociação, a polícia deixou o local. Após pedido da Ouvidoria Agrária Nacional, o juiz estadual de Ariquemes suspendeu a liminar de reintegração de posse requerida por Caubi Moreira Quito e Nilma Alves Barbosa Quito.

No dia seguinte à suspensão da liminar de reintegração de posse, segundo informações da Resistência Camponesa, policiais do GOE (Grupo de Operações Especiais) de Ariquemes, acompanhados do latifundiário Caubi Moreira, foram até o acampamento com a alegação de que estariam fazendo “segurança preventiva” e para entregar uma ata da reunião realizada no dia 23 de julho com a Ouvidoria Agrária.

Segundo informações de camponeses da região, policiais do GOE já haviam feito um despejo de famílias sem ordem judicial. O fato ocorreu em um acampamento vizinho, denominado Santa Fé, que fica no projeto de assentamento Santa Cruz e que está “grilado” por latifundiários.

Em julho de 2014 as famílias foram despejadas da área. O advogado do grupo, Ermógenes Jacinto de Souza, foi ameaçado de morte. Segundo informações da época, o responsável pela ameaça foi Edelvan Moura da Silva, um policial militar.

No segundo semestre de 2014, após um conflito na fazenda Formosa, em que homens armados invadiram o local, atiraram contra o carro do pretenso dono da fazenda e mataram um de seus funcionários, a investida da polícia contra os ocupantes, que voltaram para o Acampamento após o despejo, se intensificou. A Polícia Civil em um trabalho integrado com a Polícia Militar e a Força Nacional iniciou em novembro a “Operação Terra Limpa I”, com cumprimento de mandados de busca e apreensão no acampamento 10 de maio, sob a justificativa de identificar possíveis envolvidos no ataque à sede da Fazenda Formosa. A operação foi desencadeada pela Delegacia Regional e Delegacia de Homicídio de Ariquemes (RO).

No início do ano corrente, os camponeses pediram à Ouvidoria Agrária Nacional proteção para as famílias do acampamento e a retirada de policiais militares que fazem segurança particular na Fazenda. Segundo os mesmos, continua a presença de policiais militares fazendo segurança particular na fazenda em 2015, além de patrulhamentos oficiais intimidatórios. O assunto foi denunciado em reunião da Ouvidoria Agrária Nacional realizada o dia 17 de dezembro de 2014 na sede do INCRA em Porto Velho, na qual foi debatido o conflito agrário com presença do advogado da fazenda e representantes dos acampados.

Fazenda já foi desapropriada pelo Incra

É importante destacar que a citada fazenda já foi desapropriada pelo INCRA para realização de um assentamento de reforma agrária, no ano de 1995. Decisão a qual resiste o atual fazendeiro Caubi Moreira Quito, que teria comprado a fazenda, apesar da mesma ter sido desapropriada, segundo o advogado do mesmo, acreditando poder realizar a regularização fundiária da terra. Tendo as decisões da justiça recorridas pelo INCRA, o advogado de Caubi pediu na citada reunião para ser indenizado pelas benfeitorias realizadas, se a área da fazenda não pode ser regularizada. Segundo representantes do INCRA, não está claro se é possível esta indenização em área já desapropriada.

Com informações de O Estado de S. paULO