Ex-Chefe da Casa Civil de Rondônia diz que deputados estaduais fazem leis inconstitucionais para agradar eleitor

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Amadeu Machado, ex-Chefe da Casa Civil do governo de Rondônia
Amadeu Machado, ex-Chefe da Casa Civil do governo de Rondônia

PORTO VELHO- Quanto custa para manter um deputado estadual na Assembleia Legislativa de Rondônia? Eles valem o quanto ganham? Eles cumprem as obrigações de um legislador? Eles produzem leis que atendam aos anseios da população? Eles fiscalizam o executivo? Em artigo “O patrão é otário” (leia abaixo na íntegra), assinado pelo advogado e ex-Chefe da Casa Civil, Amadeu Machado, ele aborda o assunto, ao comentar sobre a questão da apreensão de um veículo da propriedade dele, numa blitz por atraso no IPVA, em Porto Velho.

Respondendo a primeira pergunta, cada deputado estadual recebe por mês, de salário, cerca de R$ 30 mil reais. Além disso, recebe verbas de gabinete que somam R$ 120 mil reais, recebendo no total R$ 150 mil por mês. Por mês, os 24 deputados estaduais de Rondônia custam R$ 3 milhões e seiscentos mil reais. Por ano, R$ 43 milhões e 200 mil reais. Por quatro anos de mandato, os 24 deputados estaduais custam ao “patrão”, que são os contribuintes, a bagatela de R$ 172 milhões e 800 mil reais.

E agora a pergunta de 1 milhão de dólares!  Eles valem o quanto ganham? Reposta correta: Não! Lá pelo meio do artigo de Amadeu Machado ele diz porque os deputados de Rondônia não valem aquilo que o gato enterra. “Fiz algumas rememorações e lembrei que quando chefiei a Casa Civil do governo do Estado, inúmeras vezes nos víamos diante de algum estrupício de lei que a Assembleia mandava, para o governador sancionar. Eram coisas horrorosas, sem nexo, sem mínima preocupação com razoabilidade, que dirá com constitucionalidade. Conversava com deputados e eles, sempre com aquele ar inteligente e malandro diziam que o projeto era um reclamo da sociedade e que, mesmo sabendo que a parte nitidamene ilegal do que eles haviam aprovado não seria possível executar, o nobre conjunto de deputados votava pela legalidade e constitucionalidade como forma de demonstrar que haviam atendido ao pedido dos eleitores e que ficasse o governador com o desgaste de vetar. Ou seja, eles queriam ficar bonitos no retrato”, relatou, acrescentando que nada mudou 30 anos após ter deixado a convivência com aquela Casa de  Leis.

De fato, em toda a existência da Assembleia Legislativa de Rondônia, pouco tem produzido em favor da população, pela educação, saúde e geração de empregos. Com raríssimas exceções, a maioria dos deputados só está preocupada com reeleição ou eleições à prefeitos de seus municípios. A atuação da maioria deles é tão pífia que apenas dois se elegeram governador de Rondônia, José Bianco e Osvaldo Piana, este último, em circunstancias que não é bom nem citar nesta matéria. O último a tentar foi o ex-presidente da Casa de Leis, Maurão de Carvalho (MDB), que não chegou nem ao segundo turno das eleições de 2018. Muito pelo contrário, a maioria dos deputado foi presa, cassada ou expurgada da vida pública. De uma só tacada, 23 deputados foram acusados de corrupção, na mesma legislatura. Quando não são inoperantes, se ocupam a desviar recursos públicos. Leia abaixo o artigo de Amadeu Machado.

O PATRÃO É OTÁRIO

Amadeu Machado

Madrugada de sábado para domingo, tipo 04:30, toca meu telefone. No display aparece o nome do meu filho, Lucas. Dá um frio na barriga, por conta do horário.
Atendo com a voz meio tremida.
– Que há, meu filho
– Seguinte pai, caí numa blitz e o IPVA está vencido. Eles vão recolher o carro.
Ele me informou onde estava; levantei e minha mulher também. Trocamos pijama por roupas adequadas e fomos ao local.
Já me fizeram entrar no brete, pediram-me documentos do veículo e habilitação, mesmo eu dizendo que viera atender ao meu filho, apontando para o rapaz que estava na calçada, de mãos dadas com a namorada e segurando pela coleira um cãozinho, ao qual ele deve estar dando treinamento para a boemia.
Documentação em ordem, outro brete para o teste de álcool. Como eu só bebo álcool quando acaba a pinga, o resultado deu zero.
Enquanto isto eu conversava com um policial militar, muito educado e respeitoso Não pude ver se era soldado, cabo, sargento ou oficial porque estava meio escuro no local.
Timidamente eu ponderei ao militar que lera recentemente em vários veículos de comunicação que estava vigorando uma lei que proibia a apreensão do carro, na hipótese de estar desatualizado o imposto.
Ele me olha com olhos penalizados e me diz:
– Pois é senhor, mas esta lei é inconstitucional e nós estamos aplicando o CTB, que é lei superior.
CTB é o código de trânsito brasileiro.
Eu ponderei, ainda mais timidamente que esta lei não tivera sua inconstitucionalidade declarada pela justiça, ao que ele retrucou dizendo não ser necessário.
Tomei uma lição sobre inconstitucionalidade de lei em plena madrugada.
De qualquer forma a caminhonete já havia sido removida e de nada adiantaria eu insistir, porque levaria outras formidáveis lições de direito constitucional.
Embarquei meu pessoal, inclusive o cão e tomamos rumo de casa.
Passei o domingo ruminando.
Que palhaçada é essa que assembleia legislativa inventou. Fui buscar informação e vi que a tal lei, que fora divulgada intensamente, iniciativa de um deputado da legislatura passada, havia sido aprovada pelo parlamento e encaminhada ao governador do estado, para ser sancionada.
Como o chefe do executivo não a sancionou, mas deixou correr em branco o prazo para o veto, suponho, o presidente da assembleia, o rápido, dinâmico, destemido e expedito deputado Laerte, promulgou a lei e mandou “release” aos quatro ventos dando conta de seu heróico ato.
Palhaçada!!!
Chegou a segunda-feira. Pulei cedo da cama e fui ao oneroso Detran onde me contemplaram com uma ruma de boletos. Depois de pagos eu deveria me reportar a setor de liberação de veículos.
Assim o fiz, ainda dolorido das facadas que recebidas. Cada boleto uma faca.
No setor de liberação me deram mais boletos. Precisava pagar vistoria, guincho e diária do veículo.
Ah, tinha mais, a vistoria já constava no sistema, apenas que faltara conferir a numeração do chassis. Não fizeram porque a caminhonete tem forro carpetado e para chegar ao número é necessário cortar um pedaço dessa cobertura.
Para fazer isto o vistoriador precisa da presença e autorização do proprietário.
Explicaram-me onde ficava o depósito e para lá me movimentei.
Portões enormes de ferro, onde tem uma fresta. Por ali apareceu um par de olhos que me perguntou o que eu queria.
Expliquei e ele abriu me permitindo adentrar ao recinto.
Conduziram-me a uma sala onde fui recebido por um funcionário, ao qual tive que dar as mesmas informações que já dera ao par de olhos na porteira.
Então ele se foi atrás do meu carro, voltando todo posudo ao volante. Descreveu o procedimento que faria, já com um baita estilete na mão.
Dei o consentimento e ele fez o que tinha que fazer. Fotografou o número do chassis e o enviou para o setor de liberação.
Agora volto ao caixa do banco para pagar as outras taxas e, com ar vitorioso me dirijo ao setor onde deveriam me liberar o carro e me entregar o documento atualizado.
O servidor olha novamente toda a documentação, confere que tudo estava pago e aí me diz:
– Pois é senhor, agora eu teria que lhe dar a autorização para a liberação do seu carro, mas acontece que o sistema caiu e acho que não volta mais hoje, assim vou lhe pedir que retorne amanhã.
Eu ainda fiz uma tentativa:
– Meu amigo, vamos fazer uma simulação. Suponhamos que o sistema não volte mais, eu vou ficar sem o meu carro para sempre. Não há um procedimento físico que substitua o eletrônico?
Resposta lacônica.
– Aí tem que falar com o Diretor.
Voltei para casa e amanhã, se o sistema permitir, eu pego minha caminhonete.
À tarde fui trabalhar e esta situação toda não saía da minha cabeça.
Fiz algumas rememorações e lembrei que quando chefiei a Casa Civil do governo do Estado, inúmeras vezes nos víamos diante de algum estrupício de lei que a Assembleia mandava, para o governador sancionar.
Eram coisas horrorosas, sem nexo, sem mínima preocupação com razoabilidade, que dirá com constitucionalidade.
Conversava com deputados e eles, sempre com aquele ar inteligente e malandro diziam que o projeto era um reclamo da sociedade e que, mesmo sabendo que a parte nitidamene ilegal do que eles haviam aprovado não seria possível executar, o nobre conjunto de deputados votava pela legalidade e constitucionalidade como forma de demonstrar que haviam atendido ao pedido dos eleitores e que ficasse o governador com o desgaste de vetar.
Ou seja, eles queriam ficar bonitos no retrato.
E, com certeza, passados quase trinta anos, eles continuam fazendo as mesmas porcarias e se achando máximo.
De fato, a lei local é inconstitucional, porque investe contra o regramento contido em lei federal.
Mas, sempre o mas, a mesma constituição garante ao cidadão que ele não pode ter seu patrimônio apreendido antes de ocorrido o devido processo legal.
Apreender o automóvel do cidadão é forma de confisco, o que também é vedado pela espezinhada carta magna.
Deixar o cara a pé no meio da rua, possivelmente lhe tomando instrumento de trabalho, não é forma de cobrar tributo.
O supremo tribunal federal já afirmou a ilegalidade da apreeensão e ela continua sendo praticada sem o menor pudor.
Porque o título “O PATRÃO É OTÁRIO”
Quando presidi o Tribunal de Contas, nas muitas palestras que fiz e mesmo nos processos em que oficiei, eu sempre ponderava sobre a imperiosa necessidade de respeitarmos o nosso Patrão; o dinheiro que gastamos na administração pública é dele e o mínimo que podemos e devemos fazer é sermos zelosos e criteriosos no uso do dinheiro público.
Para espanto de muitos que questionavam como poderosos do serviço público poderiam ter Patrão, eu afirmava que sim, tínhamos um Patrão e o Patrão é o CONTRIBUINTE.
Eu também sou contribuinte e meus servidores (servidores públicos) me tratam com arrogância e indiferença. Deputados que são eleitos pelo povo e recebem régios subsídios e mais uma penca de auxílios, passam seu precioso tempo com futricas e legislam da pior maneira.
Há relatos de ocorrência de propinas exigidas para aprovação de projetos de lei, o que torna nojenta e repulsiva a atividade desses legisladores.
Não é por outra razão que Rondônia é o Estado que está na relação dos que tem mais leis declaradas inconstitucionais.
Por outro lado o Poder Executivo, que deveria ter vetado a lei, preferiu silenciar, se é que não houve veto.
Aí a presidência do poder legislativo manda notas de autopromoção para todas as redes de comunicação, dizendo que, de hoje em diante nenhum veículo poderá ser apreendido por estar em atraso o IPVA.
Sempre lembrando que para ter seus atos divulgados e exaltados pelo sistema de comunicação vigente, generosas quantias são liberadas para as empresas jornalísticas, sites, rádios e televisões.
Este é um assunto ao qual vou me dedicar em outra oportunidade, porque a sangria é grande.
O Patrão otário, que havia esquecido de pagar o imposto, que vai para os bolsos dos deputados e do governador, sob forma de remuneração pelos trabalhos que eles devem prestar a mim e a todos os patrões, recebe dura lição de um policial militar e, como faziam onze dias que o imposto estava vencido, precisou passar por toda esta situação constrangedora.
Como o Supremo Tribunal Federal, que também está mais sujo que pau de galinheiro, em seus bons e áureos tempos, já dissera que apreender bens não é forma de cobrar tributos, se o Estado com um todo, fosse legalista e prestigiasse os princípios constitucionais que regem a administração pública – Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência – esta vergonhosa e humilhante situação a que, arrogantemente o estado servidor impõe ao seu PATRÃO, contribuinte, não mais estaria ocorrendo.
Por outro lado, legislar para parecer sensível, conquistar eleitores e se perpetuar no poder, editando regras imbecis e sem amparo, deveria ser procedimento censurável e objeto de perda de mandato.
Exigir propina para aprovar projetos de lei, ou nos mesmos inserir benesses para terceiros é uma traição aos mandatários, eis que os servidores todos, inclusive deputados, ao tomarem posse juram respeitar a constituição e as leis.
Quebra de juramento é, com certeza, quebra de decoro.
Gastar o dinheiro do PATRÃO em obras suntuosas, mordomias e propaganda pessoal, enquanto o dono do dinheiro padece com serviços precários na educação, insuficientes na segurança e desumanos na saúde, teria que ser tratado como crime.
No outro ponto, chama a atenção que o Poder Executivo não balbuciou uma palavra sobre a tal lei e quem se encarrega de dizê-la inconstitucional, sem que ainda o seja, é o Policial Militar que atua na blitz.
Falha clamorosa do chefe do poder, que também deve ser censurada e repudiada.
Depois disso tudo volto a afirmar o que diz o título O PATRÃO É OTÁRIO.

Fonte: Mais RO