Estudo aponta a renda como um dos principais fatores para não ficar em casa

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Uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) investiga os principais fatores que contribuem para que a população desrespeite as recomendações de isolamento social durante a pandemia de Covid-19. Ainda não divulgados oficialmente, os dados preliminares mostram que renda e situação profissional são variáveis importantes para determinar a forma que os brasileiros reagem à quarentena. O estudo leva em conta respostas de mais de 2 mil pessoas, de 25 unidades da Federação, entrevistadas pela internet entre 31 de março e 3 de abril.

O estudo é conduzido pela pesquisadora Jéssica Farias, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da UnB. A iniciativa surgiu diante da necessidade de entender os motivos para o questionamento das medidas de restrição adotadas no país para conter o avanço da contaminação pelo novo coronavírus. “A ideia surgiu uns cinco dias antes de divulgarmos (o formulário de respostas). Muitas pessoas utilizam argumentos sobre os prejuízos à economia ou se a Covid-19 seria mesmo uma doença incapacitante”, afirmou Jéssica.

O questionário, divulgado principalmente pelas redes sociais, incluiu 62 itens, com afirmações que os participantes devem classificar em grau de concordância. Com base nisso, a doutoranda observou dois principais tipos de efeitos: intolerância à incerteza e ansiedade. Segundo Jéssica, pessoas mais ansiosas apresentaram tendência a respeitar as normas. Por outro lado, aquelas com rendas mais baixas ou desempregadas demonstram intenção maior a descumprir as medidas de restrição.

Para a pesquisadora, o balanço preliminar revela a importância do investimento em políticas de transferência de renda (leia Diferenças). “É um meio de conter o avanço da doença e fazer com que as pessoas fiquem em casa”, disse. “Vi uma intenção muito alta entre desempregados. Mas se, por um lado, a pessoa não tem segurança no trabalho, elas acabam precisando sair às ruas para procurar emprego, pois não podem ficar sem renda”, completou. Os dados completos da pesquisa serão divulgados assim que a pesquisadora submeter o artigo, produzido com base no levantamento, a uma revista científica internacional.

Polarização
Além das políticas de transferência de renda, outros pontos que a doutoranda destacou envolvem a importância da oferta de auxílio psicológico à população e o cuidado necessário para evitar uma “polarização política em torno do vírus”. “(Para o atendimento psicológico,) pode haver um diálogo entre o governo e a universidade. Na UnB, existe atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade, por exemplo. Talvez uma parceria seja uma possibilidade”, ressaltou Jéssica. “Sobre a questão política, fica uma reflexão: o vírus não tem partido. Esse assunto era para ser de interesse de todos.”

Professor de ciência política e de direito do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), Edvaldo Fernandes avalia que, no DF, o governador Ibaneis Rocha (MDB) conseguiu visualizar o cenário de modo a ter apoio da parcela da sociedade que entende a importância das medidas de restrição. No entanto, Edvaldo concorda que a população com rendas menores tem mais chances de quebrar as regras do isolamento social.

“Uma pessoa que vendia acessórios para celulares me disse que recebeu os R$ 600 do Governo Federal, mas que era muito pouco, que não cobria as despesas essenciais e que precisava sair de casa para ganhar mais dinheiro. Surge, aí, esse conflito político em torno de quem vai pagar os custos de todo o processo”, avaliou o professor.

Edvaldo observa que há setores que têm sido favorecidos pelo afrouxamento das restrições, e acredita que pode haver grupos de pressão sobre o governo. “Em comparação com as demais unidades federativas, o DF se destacou com uma abordagem bastante efetiva no início, mas começa a dar sinais de fraqueza, cedendo a um lobby do setor econômico”, comentou. “Não vemos muita lógica no afrouxamento do isolamento social, se o critério adotado não é flexibilizar regras na proporção da essencialidade dos serviço, das atividades”, complementou o professor.

Reabertura
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que as iniciativas de restrição só sejam flexibilizadas após controle dos casos. No DF, o número ainda sobe. Até ontem, o governo distrital não havia sancionado os dois projetos de lei que preveem a criação e distribuição de recursos emergenciais para a população em situação de vulnerabilidade ou desempregada. Segundo o Buriti, eles ainda não foram encaminhados pela Câmara Legislativa para o GDF.

Desde a semana passada, cerca de 900 catadores de materiais recicláveis recebem R$ 408 de auxílio, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). Quanto à reabertura de todo o comércio do DF em 3 de maio, conforme estabelece decreto de 1º de abril, a decisão ainda está sob análise. O governo informou que “a responsabilidade da manutenção de funcionamento dos estabelecimentos comerciais dependerá do cumprimento de medidas que o governo vier a estabelecer”. Até o fechamento desta edição, o Executivo local não havia dado detalhes sobre os critérios adotados para a flexibilização das medidas.

Diferenças

Confira os tipos de auxílio oferecidos pela União e pelo Governo do Distrito Federal:

Auxílio federal
Três parcelas de R$ 600
Fonte: Tesouro Nacional
Quem tem direito: trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados não inscritos em programas de transferência de renda federal além do Bolsa Família
Renda familiar: até meio salário mínimo (R$ 522,50) por pessoa ou até três salários mínimos (R$ 3.135) de rendimento familiar total
Status: em fase de pagamento

Auxílio distrital
Duas ou três parcelas de R$ 408
Fonte: Tesouro do DF
Quem tem direito: famílias de baixa renda não
inscritas em programas de assistência social dos governos distrital ou federal ou aquelas que contarem com auxílio inferior a R$ 408
Renda familiar: até meio salário mínimo per capita por núcleo familiar
Status: aguarda aprovação do governador

Auxílio para desempregados 
Três parcelas de R$ 348
Fonte:  Fundo de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF)
Quem tem direito:  trabalhadores que perderam emprego em virtude da pandemia de Covid-19
Renda familiar: indefinida
Status: aguarda aprovação do governador

Três perguntas para

Maria Cristina de Araújo, Economista e conselheira do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF)


Como você avalia os auxílios emergenciais anunciados pelos governos distrital e federal?

Eles ainda não contemplam toda a necessidade da população; por isso, é preciso mais agilidade na condução, na implementação. Apesar de considerar o esforço do governador (Ibaneis Rocha) em dar uma solução, o problema não é o aqui e o agora. É um problema estrutural, sistêmico. De repente, você tem uma massa de pessoas desempregadas, e isso só se agrava mais (com a pandemia). Essa crise só aprofunda o que teríamos de ter de medidas mais concretas para reduzir um pouco a desigualdade de renda da população. São medidas válidas, mas que não vão contemplar o universo total, devido à questão estrutural; por isso, elas precisam ser ágeis.

Obviamente, a saúde e a vida dos pacientes são prioridade neste momento, mas quais são os impactos previstos para a economia?

Lógico que qualquer um de nós sabe que haverá um impacto econômico negativo. Cairá a arrecadação nas contas públicas e nas empresas. Do que vamos precisar? De um pacto entre governo, empresários, sindicatos e sociedade civil organizada. É preciso procurar o melhor método para todos nós pagarmos essa conta e não só deixá-la para o trabalhador. Temos de socializar esse prejuízo. Não temos de dizer que não haverá recessão. É fato. Mas a saída é chamar a sociedade civil e dizer que estamos com esse problema. Precisamos ver além disso e dividir o prejuízo.

O GDF decidiu reabrir comércios enquanto os casos de Covid-19 ainda sobem. Essa flexibilização gera impactos consideráveis para a economia local?

Primeiramente, bati palmas para o governador Ibaneis Rocha quando anunciou as primeiras medidas de restrição. Ele foi muito assertivo. Mas acho que, agora, ele está vendo os resultados que colhemos e está equivocado. Não é o momento dessa reabertura. Vai ter um impacto econômico na vida das pessoas de todos esses segmentos? Vai. Mas acho que ele está se precipitando, principalmente quando as autoridades de saúde falam em um pico entre o fim de maio e começo de junho. Ele poderia ter esperado mais um pouco. Não vejo ganhos econômicos tão significativos que sejam superiores à questão de mantermos uma política de distanciamento. Não haverá um boom econômico. A vida e a saúde estão em primeiro lugar.

Fonte: Correio Braziliense