ENTREVISTA DO ENTÃO GOVERNADOR IVO CASSOL DEFENDENDO AS USINAS, EM 2009

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Não é por causa de meia dúzia de bagres que as usinas não vão sair
Não é por causa de meia dúzia de bagres que as usinas não vão sair
Não é por causa de meia dúzia de bagres que as usinas não vão sair

 

Em 2009, o então governador de Rondônia, Ivo Cassol (PP) defendia, assim como Hermínio Coelho, a construção das usinas de Jirau e Santo Antônio. Cassol chegou  a acusar ONGs de receber dinheiro para impedir a construção.Também disse que não seria por causa de meia dúzia de pessoas ou meia dúzia de bagres que a usina ia deixar de ser construída. Cinco anos depois, tanto Hermínio Coelho quanto Ivo Cassol questionam as enchentes causadas pelas usinas. Leia a entrevista concedida a Agencia Brasil em 2009.
Da Redação com Agência Brasil

Porto Velho – O potencial do Rio Madeira para geração de energia é parte de uma riqueza que não está sendo aproveitada, avalia o governador de Rondônia, Ivo Cassol. Em entrevista à Radiobrás, ele diz que a construção das usinas de Jirau e Santo Antônio vai gerar 30 mil empregos diretos e 100 mil indiretos, e que o estado receberá “de braços abertos” as pessoas que chegarem com a migração prevista. Também defende que o interesse nacional da obra se sobrepõe ao das comunidades que terão de ser deslocadas: “Se tiver meia dúzia de famílias, isso não vai atrapalhar milhões de pessoas que precisam dessa energia”.

Agência Brasil: Quais são os pontos positivos da construção das usinas em Rondônia?
Ivo Cassol: O grande ponto positivo é nos aproveitarmos a riqueza que o estado tem e não está sendo aproveitada. Esse projeto é diferente de Itaipu, das usinas com alagamentos, com impacto ambiental muito grande. Simplesmente, nós temos a cheia e permanecendo cheia, com isso aproveitando o fluxo normal. Da água do Rio Madeira para gerar energia não só para Rondônia, mas para o Brasil inteiro. Ou o Brasil constrói novas hidrelétricas ou arruma um outro sistema que possa gerar energia, ou vai ficar no escuro. Para Rondônia é ótimo, porque nós vamos ter 30 mil empregos diretos, mais de 100 mil indiretos, dar essa expectativa de uma condição de vida melhor para o povo.

ABr: O estado está preparado para o fluxo migratório que pode acontecer?
Cassol: Se nós formos ver pelo lado negativo, “porque tem malária”, “porque tem isso”… Nós já temos a questão da malária, ainda não foi descoberta uma vacina que evite a propagação. O que nós temos que fazer é continuar combatendo. Da mesma maneira, se nós vermos o problema social. Já está faltando água aqui em Porto Velho, faltando esgoto, o que falta para nós é recurso. Os organismos internacionais e o próprio governo federal nos cobram muito, nos prometem bastante e não nos dão nada. Então, nós temos que aproveitar essa potencialidade que o estado tem, mesmo que tenha uma migração um pouco maior, não acredito que vai ser tão grande. Mesmo vindo mais cidadãos brasileiros para Rondônia, nós vamos receber de braços abertos e estaremos preparados para isso.

ABr: O que o estado vai fazer para evitar a proliferação da malária?
Cassol: Aumenta o número da malária quando você tem a cheia e depois tem a seca, quando prolifera o mosquito. Com a cheia normal, natural, simplesmente a água vai estar naquele patamar o tempo inteiro. Porque, nas usinas do Madeira, o fluxo é normal. Não é uma barragem para poder fazer um armazenamento de água. Conforme a água entra, ela sai. O resto é conversa fiada. O que nós precisamos é o governo federal voltar a fazer o dever de casa, assumir a Funasa [Fundação Nacional da Saúde], que são os “malarientos”, como a gente dizia, o pessoal que cuidava da malária, que hoje colocaram nas mãos do município. Foi no governo passado, eu era prefeito e dizia que não funcionava. Esses servidores federais que estão à disposição dos municípios para combater a malária, infelizmente a maioria dos municípios não trabalha. Ou não tem carro, ou não tem estrutura, ou não tem condições de fazer o trabalho.

ABr: Como fazer com as pessoas que serão desabrigadas pelas barragens?
Cassol: Pode ter certeza de que desabrigado não tem. Não tem os das barragens não sei o que, isso é pura fanfarra. Se tiver algum pode ter certeza de que dentro do projeto já tem recurso alocado para ele se transferir com a sua moradia, com o seu conforto no mínimo mil vezes melhor. Se tiver meia dúzia de famílias, isso não vai atrapalhar milhões de pessoas que precisam dessa energia. [O estudo de impacto ambiental prevê que quatro comunidades serão afetadas; para o Ibama, serão seis.] É o povo brasileiro, o povo de Brasília, o povo do Rio, de São Paulo, dos grandes centros, que precisa dessa energia. Energia limpa.

ABr: Para alguns dos críticos do projeto, o problema maior é a intenção de fazer uma hidrovia com o Madeira…
Cassol: O rio Madeira é navegável, tanto que a produção de soja do Mato grosso, a produção de milho, mesmo carne, o produto que é feito na Zona Franca de Manaus, geladeiras, televisões, sobe o rio até Porto Velho e aqui acaba sendo distribuído para o Brasil inteiro. Além disso, tem o Aeroporto Internacional de Manaus, que leva para outros países. Nós temos a cachoeira, ela é intransponível hoje, e com as eclusas o rio vai se tornar navegável. Nós podemos sair daqui e ir até Vila Bela, no Mato Grosso. Lógico para isso seria preciso construir mais duas usinas para cima. Então as eclusas é simplesmente você ir projetando o futuro. Senão, lá na frente, você precisa depois o triplo do dinheiro para fazer. Num projeto desses tem que deixar prevenido uma obra estruturante para que a gente possa desenvolver as regiões sem ter medo de devastação. O que nós temos que ter é medidas rigorosas em locais proibidos, e em Rondônia nós temos o zoneamento socioeconômico, que foi aprovado e diz o que pode e o que não pode. E onde não pode, não pode, acabou.

ABr: Há fiscalização?
Cassol: Lógico. Nós acompanhamos passo a passo. E as áreas que têm migração, invasão, são áreas devolutas, da União, onde quem devia estar atuando é a União. Das derrubadas que acontecem no estado, 95% você pode ter certeza que é nessas áreas.

ABr: Existem denúncias de que o governo está usando a estrutura do estado para colher assinaturas em favor das usinas. Isso procede, está acontecendo?
Cassol: Eu quero que esses segmentos aí expliquem para o povo de onde eles tiram dinheiro para ficar aqui em Porto Velho. O que eu estou defendendo é a economia do estado de Rondônia. O que a sociedade num todo está defendendo são obras necessárias para o Brasil. Em cada local está lá o abaixo-assinado que as pessoas podem assinar. E ninguém é obrigado a assinar.

ABr: E nas escolas, estão sendo colhidas assinaturas?
Cassol: Em todos os lugares estamos colhendo assinaturas. E pegando opinião não só do comércio, mas também dos nossos alunos. Todo mundo que queira participar para dar o seu depoimento, pró ou contra, nos ajuda. Mas, para nossa alegria, estamos aí com 99,9% das pessoas favoráveis.

ABr: Mas o que se fala é que as pessoas estão sendo coagidas, estão sendo forçadas, que tem uma barganha para que elas assinem.
Cassol: Essa barganha que eles estão falando é igual história de Papai Noel. Vou te dar outro exemplo. Nós temos em Rondônia a maior jazida de diamante do mundo. Praticamente paga a dívida externa. Eu denunciei, em 2003, com documento assinado para o ministro da Justiça, para o presidente Lula, que ia acontecer uma chacina lá dentro, falei que estão levando embora o nosso diamante. Passaram-se quatro anos, a exploração ilegal continua. Quem é beneficiado com aquela riqueza? São bandidos, estão financiando alguma coisa por esse mundo afora e não fica nada para Rondônia, para o município e para o governo federal. Toda vez tentaram me envolver como se eu fosse uma pessoa beneficiada. Mas o único que teve coragem de denunciar a extração foi o governador Ivo Cassol. Aí montam um grupo de trabalho, mandam uma equipe para cá só para ganhar diária e mordomia.

Agência Brasil: O senhor falou que ONGs internacionais estão dificultando a construção das usinas. O que o senhor está fazendo em relação a isso?
Ivo Cassol: Nós não temos como competir. Porque esses países querem que o Brasil viva com o pires na mão pedindo esmola. Se deixar o Brasil produzir, nós já, já, teremos dinheiro suficiente para emprestar para os americanos se for preciso. Essas ONGs, esses ambientalistas de sala de ar-condicionado, gostam de uma água gelada, gostam de assistir a um jogo da Copa do Mundo, de andar com sapatinho de couro, com uma calça boa de algodão. E tudo isso, para poder produzir, de uma maneira ou de outra tem que desmatar, mudar. Mas o homem é tão inteligente que, ao mesmo tempo, se você derrubar dez árvores, pode plantar milhares. Eu vi uma entrevista que dizia que as usinas não podiam sair por causa de meia dúzia de bagres. Hoje a gente faz a criação de alevinos em tanques, em laboratórios, e pode distribuir milhares de peixes em todos os lagos e rios em que for preciso. Em qualquer usina hidrelétrica o homem faz as escadas, faz a eclusa. Essas pessoas que estão contra é porque estão ganhando de alguém para ser contra. Eu queria que eles estivessem lá em São Paulo, no 30º andar, e acabasse a energia lá em cima. Quem não gosta de ter um conforto? De ter uma televisão, uma geladeira?

Cassol acusa “organismos internacionais”

ABr: De quem essas pessoas estão recebendo?
Cassol: Pode ter certeza de que são organismos internacionais que estão plantando no Brasil para que o país fique como escravo a vida inteira. Eu não tenho nomes, mas o dinheiro não cai do céu. Naqueles outros países ninguém preservou, nós estamos preservando. Quando nos colocam o quanto nós desmatamos, ninguém diz o tanto que nós preservamos. Um exemplo: em Rondônia, mais de 75% das nossas matas são reserva biológica ou área indígena, ou reservas estaduais, ou dentro da própria manutenção que os proprietários têm que fazer, obrigatória no Código Florestal. Mesmo estando na Região Norte, queremos sobreviver como verdadeiros cidadãos, no mundo globalizado e informatizado. É muito fácil os que ficam voando de jatinho dizer que nós temos que continuar na época da pedra.

ABr: O que o senhor acha da legislação ambiental brasileira? Setores do empresariado e do governo falam dela como um entrave para o desenvolvimento.
Cassol: Fizeram tantas leis nesse país que não se cumpre a metade. O próprio governo federal, o próprio PT, que tanto pregou e fez essas leis no passado, hoje tem dificuldades para desenvolver o Brasil. As nossas leis têm que ser revistas. Vocês têm conhecimento da fotossíntese das nossas matas: quando elas estão maduras, soltam gás carbônico e ficam consumindo oxigênio. Então nós temos que ter mata renovável. Agora, não é só a Amazônia para preservar. Os Estados Unidos têm que largar menos poluente no ar. A minha proposta é que as pessoas que vivem na Amazônia têm que ser compensadas ou com R$ 1 ou com R$ 10 por hectare todo mês para não precisar desmatar mais. E nós queremos atrair os turistas para cá, trazer oportunidades de emprego e de trabalho. Entre uma árvore e o ser humano, eu fico com o ser humano. Entre um animal e o ser humano, eu fico com o ser humano. Mas nós, como seres humanos, somos tão inteligentes que nós não precisamos exterminar nada.