Do calvário para ser candidato e dos jogos de interesse da antipolítica

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Os bastidores da seleção de quem disputa as eleições

Por Sid Orleans (*)

Não é de hoje que o mundo da política se limita apenas na formulação de leis (legislativo) e de ser gestor das políticas públicas (executivo). Em ambos os casos, é necessário passar pelo filtro das urnas, do convencimento dos eleitores dos gastos de campanha. No formato institucional da democracia brasileira, dos três poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário), apenas o Judiciário não tem nomes submetidos ao voto popular – em alguns casos, no máximo, se recorrem às eleições internas, ou às prerrogativas de tempo de cargo. Nos casos do Executivo e Legislativo, a ocupação dos cargos obedece
outra lógica, que tratarei neste artigo.

A busca pelo mandato legislativo ou executivo é um calvário a ser percorrido pelos(as)
candidatos(as). O que surge para os eleitores na época das eleições é apenas pedaço deste processo. O primeiro trecho do calvário é composto pela filiação partidária e pelo acesso a legenda. Sim, não basta apenas ser filiado(a) para obter legenda e ser candidato(a). Como os partidos têm limite de vagas – e existem mais candidatos que vagas disponíveis – há a necessidade de selecionar quem será candidato(a). E isto não é simples. Existem muitos interesses em jogo. Desde candidatos com poder na estrutura partidária, passando pela nominata que interessa ao partido, até candidatos com bom histórico de votos. Estes elementos, juntos, ou isolados são considerados pela direção do partido – dai saem
aqueles legitimados para disputar o seu voto.

A busca pela legenda (que se concretiza após a Convenção Partidária), ocorre concomitantemente à fase de pré-campanha. Isto é, o(a) candidato(a) tem que se desdobrar entre divulgar sua plataforma de mandato e viabilizar legenda para ser candidato(a). A pré-campanha é uma oportunidade dos candidatos – serve mais para aqueles desconhecidos que nunca disputaram eleição – apresentarem suas propostas de
mandatos de maneira ampla, desde que não peça voto, uma vez que ele(a) não é, ainda, candidato.

Após ser convencionado(a), isto é, passar na Convenção do Partido, o(a) candidato(a) tem o desafio de organizar sua candidatura, incluindo a produçao de materiais, a mobilização de pessoas para ajudá-lo(a) e a realização de reuniões – e demais atos de campanha.
No caso dos candidatos mais conhecidos, com mais votos, ou aqueles que tiveram mandatos ou que já ocuparam cargos no executivo, outros fenômenos precisam ser administrados.

Explico. Há um jargão muito conhecido no meio político que diz: “a política é para profissionais”. No Brasil isto é muito verdadeiro. O ambiente político se divide, ao meu ver, em dois espaços, que só são observados apenas por quem se aprofunda no tema – os tais profissionais. O primeiro espaço é aquele ocupado pelos interessados em ter mandatos eletivos, por achar que pode ajudar as pessoas, melhorar as condições do bairro em que mora, melhorar a sua cidade, ou mesmo se contrapor à pessoas ou grupos, ou
defender uma causa específica. Existem também aqueles que acham que ter um mandato pode melhorar a sua própria vida e a de sua família. Por isso, concorrem ou querem concorrer em qualquer eleição, mesmo se frustando com os resultados das urnas, que servem apenas para ajudar na eleição daqueles que ocupam do outro espaço da política, que tratarei a seguir.

Pelo grande número de candidatos com este perfil, não há entre eles nenhuma preocupação emd esconstruir uns aos outros, como é comum no outro segmento. Os que ocupam este outro nicho do ambiente político são os que classifico de profissionais da política, ou os que mais se aprofundam no tema. Quando se candidatam são, também, os candidatos mais competitivos, com mais chances de eleição. É neste espaço que ocorrem manobras não aparentes para a sociedade e para o eleitor comum – e que não
fazem parte das eleições e da disputa eleitoral, propriamente dita.

Como veremos, o espaço mais competitivo do ambiente político é recheado de desconstrução de concorrentes, de movimentos ante-política e do uso de relações com agentes fora do ambiente politico- eleitoral, mas com capacidade de interferir no jogo político de modo profundo. Afinal, existem apenas 21 vagas na Câmara Municipal e o número dos políticos que compõem este segmento é bem maior e, em tese, todos têm chances de eleição. Portanto, avaliam, é arriscado deixar apenas nas mãos de eleitores a escolha de quem se elege. Dai a utilização de meios fora do ambiente político para impedir candidaturas que oferecem alguns riscos.

Como disse no início deste artigo, o calvário para ser candidato(a) não acaba na Convenção. Convencionado(a), o(a) candidato(a) deve buscar a sua regularização junto à justiça eleitoral, o que não é tarefa simples. Nesta fase devem ser apresentados os documentos e certidões de todo o tipo, incluindo prestações de contas aprovadas, caso tenha sido candidato ou teve algum cargo público em que foi ordenador de despesas. O registro da candidatura só ocorre atendido todos os requisitos da Justiça Eleitoral. É aqui o espaço para os concorrentes atuarem na desconstrução e no impedimento da
candidatura.

Para quem foi candidato, além das questões de natureza civil (situação de regularidade fiscal e/ou tributária) a situação em relação à prestação de contas da campanha anterior é o que mais pesa. Para quem foi gestor público, também a lisura na administração dos recursos é elemento central para que tenha a sua candidatura homologada pela justiça eleitoral. No entanto, não basta ter as prestações de contas aprovadas junto aos órgãos de controle, pois ela pode ser, a qualquer tempo, revista e ter a sua posição mudada de “regular” para “em avaliação”, desde que alguém peça. Isto pde ser feito por alguém sem interesse político, o que é raro, ou por quem tenha interesse em inviabilizar a candidatura de quem quer que seja. Neste momento, as relações com agentes públicos de órgãos de controle são utilizadas para pinçar filigranas processuais, em que a forma ganha viés de conteúdo, resultando em penalizações de pessoas inocentes e bem intencionadas.

Como se viu, existem métodos para viabilizar uma candidatura, e métodos mais elaborados para impedir que um candidato surja. Tudo isto aumenta a complexidade e o custo de uma eleição, pois ela não envolve somente a busca por votos, como parece à primeira vista. O calvário da busca do voto é apenas parte de um processo de uma candidatura vencedora.

(*) Sid Orleans é enfermeiro, ex-secretário municipal de Saúde e ex-vereador por dois mandatos.