Dezenas de mães relatam casos de violência à CPI do Assassinato de Jovens

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Dezenas de mães que perderam seus filhos no cotidiano de violência nas favelas do Rio de Janeiro tiveram a possibilidade, nesta sexta-feira (6), de relatar suas tragédias à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Assassinato de Jovens. A audiência da CPI ocorreu na sede da Ordem dos Advogados do Brasil no estado, e contou com representantes do governo, do Judiciário, da polícia, de organizações de defesa dos direitos humanos e de familiares de vítimas da violência policial. Em debate, a política de segurança pública.

Entre os familiares das vítimas, em comum, além da revolta, ficou evidente a sensação de impunidade e o desejo de justiça. Presidida pela senadora Lídice da Mata (PSB-BA), a CPI do Assassinato de Jovens tem feito audiências fora de Brasília para colher dados e ouvir a população local.

Tiro nas costas

Uma das vozes ouvidas foi a da moradora da favela de Manguinhos, Ana Paula de Oliveira, mãe de Jonathans de Oliveira, morto aos 19 anos, em maio do ano passado, com um tiro nas costas dado por um PM.

– É preciso união contra esse discurso da impunidade. A vida dos nossos filhos também é importante. Não aceitamos não ter resposta da Justiça e do Estado.  A vida na favela vale tanto quanto a vida num condomínio de luxo. As vidas de nossos filhos têm valor sim – reclamou.

Emocionada, Terezinha Maria de Jesus, mãe de Eduardo de Jesus, de 10 anos, também protestou. O menino foi assassinado por policiais na porta de casa, no Complexo do Alemão, em abril. O inquérito foi encerrado recentemente, sem indiciar ninguém, o que causou revolta dos parentes.

– Meu filho é uma criança que estava na porta de casa. Alegaram troca de tiro, que não houve. Não aceito, é uma investigação podre e vou lutar com unhas e dentes para ver esses policiais punidos. Meu nome não é mais Terezinha, meu nome é justiça. Vou ver esses policiais atrás das grades – disse.

Investigações

O relator da comissão, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), responsável por pedir a realização da audiência no Rio de Janeiro, afirmou que o caso de Eduardo de Jesus não pode ficar impune e que vai lutar pela reabertura das investigações.

O senador também criticou propostas de mudança na maioridade penal e de flexibilização do Estatuto do Desarmamento e defendeu uma reforma no sistema policial brasileiro.

– Essa policia que está aí é treinada na estrutura de guerra ao inimigo e ao confronto. É uma loucura a PM ainda ser considerada pela Constituição como força auxiliar do Exército. Mas é bom que se diga também que temos a polícia que mais mata, mas também a que mais morre – lamentou.

Armamento pesado

O representante da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Pehkx Jones da Silveira, fez um apelo a senadores e deputados para que lutem para transformar o porte de arma de guerra em crime hediondo.

Em audiência da CPI que investiga o assassinato de jovens, nesta sexta-feira (6), na capital fluminense, ele informou que a polícia apreende, em média, um fuzil por dia no estado. Além disso, é cada vez maior a apreensão de armamentos pesados — como granadas — muitas vezes manuseados por jovens.

— O secretário José Mariano Beltrame pediu para reforçamos a questão das armas. Peço em nome do secretário que tratem armamentos de guerra como crime hediondo. É algo que depõe contra o Estado Democrático e as instituições. Só Forças Armadas poderiam manusear esses equipamentos – reivindicou.

O pedido do governo estadual, no entanto, foi criticado pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que destacou o fato de 80% das vítimas de homicídios serem mortas por armas curtas, produzidas nacionalmente e sem controle estatal.

– Até quando o governo vai insistir em gerar essa cortina de fumaça? Lógico que existem armas de guerra, mas elas não são responsáveis pela maior parte das mortes e vocês sabem disso. Por que não se fiscaliza as empresas privadas de segurança? Aliás, boa parte delas tem como donos gente da área de segurança pública. Por que não se investiga isso? — disse o deputado.

Drogas

Com base em estudos recentes, o delegado da Polícia Civil Orlando Zaccone disse que o que acontece com negros e pobres hoje no país não é somente uma questão de violência policial, mas violência do Estado, que tem interesse o tempo todo de apenas individualizar a culpa sobre os excessos sobre o agente de segurança.

Ele defendeu a legalização da produção, do comércio e do consumo de drogas como forma de acabar com a “máquina de moer” do tráfico. Para ele, não adianta só descriminalizar a conduta do usuário e manter o mercado na clandestinidade.

– A AmBev, a maior empresa do país, vende drogas. Tem que acabar com essa hipocrisia. A legalização das drogas pode salvar vidas – defendeu.

O juiz de direito André Nicolitt tem opinião semelhante. Segundo ele, a legalização é um caminho para conter grande número de mortes, reduzir o encarceramento e evitar o sofrimento de milhões de famílias.

– Podemos fumar cigarro e beber uísque, mas algumas drogas o sistema capitalista resolveu coibir. Os males produzidos pela guerra às drogas são maiores que o uso, ainda que abusivo, delas.  Hoje o cigarro é droga lícita e seu uso está caindo drasticamente. Ou seja, há outros mecanismos para lidar com drogas, além do direito penal — afirmou.

Agência Senado (Re