Deu no Valor: Disputa política em Rondônia ameaça áreas de conservação

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Confúcio Moura: vai ter dinamite

Rondônia sempre disputou com o Pará e o Mato Grosso o título de unidade da
Federação campeã do desmatamento. A mais recente disputa política no estado
amazônico envolve o destino de 11 unidades de conservação criadas ou
demarcadas em março pelo ex-governador Confúcio Moura (MDB-RO),
uma área de 537 mil hectares, o que significa mais de três vezes a cidade de
São Paulo. Para ambientalistas, o que está em jogo é uma ofensiva histórica
contra remanescentes florestais da Amazônia.

Pouco antes de sair do governo para concorrer a uma vaga no Senado, Moura
criou nove unidades de conservação e demarcou duas, que haviam sido
criadas em 2010. A maioria destas áreas já havia sido destinada à proteção
ambiental no Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Rondônia,
atualizado recentemente.

As áreas têm diferentes status de proteção. Uma delas é uma Área de
Proteção Ambiental, a mais flexível das categorias, e que permite atividades
produtivas – Brasília, por exemplo, está dentro de uma APA. No mosaico de
proteção há ainda dois parques estaduais, que são de uso restrito a pesquisa e
ao ecoturismo. Há também a previsão de se criar reservas de
desenvolvimento sustentável, categoria que abriga as comunidades
tradicionais da região.

A iniciativa preservaria fauna, flora e recursos hídricos, além de proteger
áreas ameaçadas de desmatamento pela pecuária, madeireiros e ocupação
clandestina. A criação das UCs foi apoiada com R$ 657 mil do programa
Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), uma parceria entre a Secretaria de
Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam), o Fundo Brasileiro para a
Biodiversidade (Funbio) e o Ministério do Meio Ambiente.

A alegria ambiental, contudo, durou pouco. Oito dias depois da edição dos
decretos do Executivo, a Assembleia Legislativa de Rondônia revogou os atos.
Foram 23 votos a favor, dos 24 deputados estaduais. O deputado que não
votou, faltou à sessão. Na reação à ofensiva ambiental, os deputados de Rondônia também
promulgaram uma lei e uma emenda constitucional “para praticamente
inviabilizar a criação de novas áreas protegidas no Estado”, diz um dossiê
divulgado à imprensa e produzido pelas organizações ambientalistas
Kanindé, Ecoporé e Pacto das Águas.

“Os deputados têm interesse próprio nas áreas. Muitos são pecuaristas e
madeireiros, outros são apoiados por grupos com interesses ali”, diz uma
fonte que prefere não se identificar, referindo-se à Proposta de Emenda
Constitucional que veda a criação de reservas ambientais a não ser por lei
aprovada na Assembleia. O governo reagiu movendo uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI). A previsão é que o Tribunal de Justiça de
Rondônia vote a ação no dia 21.

O discurso dos deputados diz que as unidades de conservação ameaçam
“quebrar setores produtivos” ou desalojar “mais ou menos 10 mil famílias”.
“Outro argumento apresentado pela Assembleia foi que os cofres públicos de
Rondônia não teriam dinheiro suficiente para indenizar os atuais ocupantes
desses territórios”, diz o dossiê das ONGs.

O deputado Ezequiel Júnior (PRB-RO) disse em discurso na tribuna, em 17
de abril, que o “decreto polêmico” de Moura “trouxe insegurança” e que a
Assembleia “sabiamente, ouvindo o clamor de proprietários rurais da região”
aprovou o PL que sustou os efeitos do decreto. Sobre o resultado do
julgamento da ADI, disse que “esse Estado será incendiado, podemos dizer
assim”.

A frase repercutiu na imprensa regional. Em outubro, prédios do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e
do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
foram incendiados em Humaitá, no Amazonas, depois de uma operação
realizada pelo Ibama para fiscalizar a extração ilegal de ouro no rio Madeira.
Em outro momento, carros do Ibama foram incendiados no Mato Grosso, em
retaliação a ações de combate ao desmatamento.

“Existe um padrão de invasão de terra pública em Rondônia”, diz Paulo
Henrique Bonavigo, da Ação Ecológica Guaporé-Ecoporé, ONG com 30 anos
de atuação em Rondônia. “Os políticos incentivavam o povo a entrar nas
áreas, derrubar, descaracterizar e ocupar, criando um conflito social. Aí vêm
os produtores maiores comprando terras destas pessoas e empurrando-as
para novas áreas”, segue o biólogo. “É assim que se incentiva a invasão de
terras públicas. É um padrão de grilagem, um processo conhecido no
Estado”.
Bonavigo diz que as Reservas de Desenvolvimento Sustentável propostas
permitem que as populações tradicionais continuem vivendo ali mantendo a
fonte extrativista. Os parques podem gerar ecoturismo e renda ao Estado. “As
áreas de proteção integral vão conter o avanço do desmatamento.”
Rondônia têm 62 áreas de proteção ambiental federais, estaduais, municipais
e privadas. “Chega a 40% do Estado, o que não significa que estejam
demarcadas. Muitas são invadidas e têm mais de 40% da área desmatada”,
diz ele.

Fonte: Valor Econômico