Comissão Pastoral da Terra repudia uso da Força Nacional em Operação em RO em mortes de trabalhadores rurais

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Amarildo Aparecido Rodrigues (49), Amaral José Stoco Rodrigues (17) e Kevin Fernando Holanda de Souza (21): Camponeses assassinados enquanto lutavam pela terras. Foto: Resistência Camponesa

Após ganhar repercussão nacional da operação policial em uma fazenda no Distrito de Nova Mutum Paraná, em Porto Velho, ocorrida na última sexta-feira (13), 16 entidades públicas assinaram uma carta redigida pela Comissão Pastoral da Terra Regional Rondônia (CPT-RO) onde repudiam a Intervenção da Força Nacional no estado para resolver conflitos no campo.

Três lavradores da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), movimento social que luta pela “revolução agrária” em Rondônia, foram mortos durante ação policial na área rural de Porto Velho na última sexta (13). Amarildo Aparecido Rodrigues, Amaral José Stoco Rodrigues e Kevin Fernando Holanda de Souza estavam na ocupação Ademar Ferreira, no distrito rural de Nova Mutum Paraná, distante 150 quilômetros da área urbana de Porto Velho, quando foram mortos por policiais do Batalhão de Choque e do Batalhão de Operações Especiais (Bope).

No ataque da última sexta-feira (13), a Polícia Militar de Rondônia afirma que a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) também participou da operação que resultou na morte dos três integrantes da LCP. O Ministério da Justiça, contudo, nega a atuação da Força Nacional, apesar de 70 homens da tropa estarem na área desde junho por conta da “Operação Rondônia”, que tem como intuito “combater invasões de terras”.

Advogados da Associação Brasileira de Advogados do Povo (Abrapo), uma entidade sem fins lucrativos que defende os acampados, colheram o depoimento de sete sobreviventes do ataque policial da última sexta. Eles relataram momentos de pânico com tiros disparados de dois helicópteros. Os sobreviventes escutaram barulhos de disparos quando estavam dentro dos barracos ou trabalhando na roça e correram para a mata para se esconderem.

Segundo os relatos, eles ficaram escondidos e, durante a noite, se deslocaram  para o acampamento Tiago dos Santos, também organizado pela LCP. Um dos sobreviventes disse ter passado por uma grande poça de sangue, ao lado de uma mochila e de uma garrafa de água.

“Pai e filho foram mortos na roça, enquanto estavam trabalhando”, afirma a advogada Lenir Correia, da Abrapo. Ela faz referência a Amarildo Aparecido Rodrigues (pai) e Amaral José Stoco Rodrigues (filho) que, segundo diz, foram mortos no local descrito por um dos sobreviventes, com a mochila e a garrafa de água ao lado da poça de sangue.

No relato policial, é apresentada outra versão para a morte de ambos. Os militares alegam que foram surpreendidos por três homens e que dois deles atiraram. “Os policiais revidaram a injusta agressão e efetuaram disparos, alvejando dois indivíduos”, afirma nota da Polícia Militar. Segundo a polícia, uma das vítimas estava com um rifle e a outra com uma espingarda. Um terceiro foi preso acusado de esbulho possessório (invasão de terra). Ele foi libertado por falta de provas, segundo a Abrapo.

A morte de Kevin Fernando de Holanda ocorreu no início da ação, segundo relato da PM. Os policiais estavam revistando as moradias do acampamento quando se depararam com uma picape e duas motocicletas. “Ao avistar a PM e receberem ordem de parada, todos decidiram ignorar as ordens e resolveram fugir”, afirma nota publicada pelos militares. Kevin estava em uma das motocicletas e, segundo a polícia, “sacou uma arma de fogo e passou a efetuar disparos”. Ainda segundo a polícia, Kevin “continuou o seu percurso na tentativa de fugir dos policiais, contudo caiu mais a frente alvejado”.

O COVARDE ATAQUE CONTRA OS CAMPONESES

No dia 13/08, um helicóptero da polícia atirou em direção às famílias. Casas foram atingidas. Após os assassinatos, os corpos foram rapidamente retirados e jogados em porta-malas, dificultando assim o recolhimento de evidências.

Não satisfeitos, os policiais prenderam ainda cinco camponeses residentes na área, sendo eles um idoso e dois casais. Uma das famílias, foi detida com dois filhos, uma criança de 1 ano e meio e uma outra criança de 8 anos de idade, com deficiência física e mental.

Um carro que passava pela estrada durante ação criminosa dos policiais foi alvejado pelas balas, e um morador da área sofreu ferimentos de estilhaços e tiros de raspão. Um incêndio também foi promovido sobre o capim em um dos locais.

Na carta, os emissores dizem que a “povos indígenas, quilombolas, camponeses e demais comunidades tradicionais” estão sendo atingidas com ações dos governos e que “tais povos devem ser vistos como povos de resistência da terra, da água e do território, que continuamente são vítimas de graves violações de direitos humanos”.

O grupo faz referência a dados do relatório “Conflitos no Campo Brasil 2020” que apontam um “quadro social de violências contra os povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas”. “Destaca-se a posição de Rondônia como um dos estados com maior número de ‘Violência contra a Pessoa’, ações de torturas, prisões e agressões físicas. Ao todo foram 55 mil pessoas envolvidas em conflitos em Rondônia, sendo 38 pessoas presas, 18 ameaçadas de morte, 5 torturadas e 1 assassinada”, revela.

“Esse cenário tem causado grandes preocupações ao conjunto da sociedade civil organizada em seu compromisso com a defesa da vida e dos direitos dos lutadores e lutadoras sociais”, ressalta.

Por fim, a carta salienta que “logo após o anúncio da operação com o emprego da Força Nacional, organismos e movimentos sociais se manifestaram prontamente contra esta manobra do Estado, visto que já temiam que cenários como este, do dia 13 de agosto, pudessem acontecer. Ao longo dos últimos meses, observa-se o aumento no número de despejos, maior violência no campo e agora, lamentavelmente, novas mortes devem ser contabilizadas para este governo regido por uma necropolítica”.

O QUE DIZ ROCHA?

Nesta semana, o governador, Marcos Rocha, usou as redes sociais para se manifestar sobre a operação realizada pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Batalhão de Polícia de Choque (BPCHOQUE) e Força Nacional.

“Vivemos em um Estado Democrático de Direito, garantidor da defesa à propriedade privada e da segurança constitucional para a produção! Minha missão é manter a ordem seguindo a Lei! Deixo registrada minha defesa a favor dos nossos policiais do BOPE cuja ação de resposta foi, obviamente, legítima na fazenda Santa Carmem, distrito de Nova Mutum Paraná, em Porto Velho”, escreveu.

Segundo a Segurança Pública de Rondônia, na operação, foram apreendidas 257 munições de diversos calibres, rojões, um revólver 357, um rifle 22, uma pistola .40 e uma espingarda .12, bem como prendeu um homem armado com revólver 357.

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Leia a carta na íntegra:

Carta de Repudio à Intervenção da Força Nacional no estado de Rondônia – RO

A atuação do Estado brasileiro no desmonte das políticas públicas – agrárias e socioambientais -, com nítido incentivo aos processos de Regularização Fundiária a favor dos grileiros de terras e das empresas do agronegócio, tem se desdobrado em práticas de violência cometidas contra povos indígenas, quilombolas, camponeses e demais comunidades tradicionais. Tais povos devem ser vistos como povos de resistência da terra, da água e do território, que continuamente são vítimas de graves violações de direitos humanos.

Os dados do relatório Conflitos no Campo Brasil 2020 registrados pela CPT, lançado no dia 31 de maio, em âmbito nacional, e no dia 13 de agosto, em âmbito estadual (RO), denunciam o quadro social de violências contra os povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas. Destaca-se a posição de Rondônia como um dos estados com maior número de ‘Violência contra a Pessoa’, ações de torturas, prisões e agressões físicas. Ao todo foram 55 mil pessoas envolvidas em conflitos em Rondônia, sendo 38 pessoas presas, 18 ameaças de morte, 5 torturados e 1 assassinada.

Esse cenário tem causado grandes preocupações ao conjunto da sociedade civil organizada em seu compromisso com a defesa da vida e dos direitos dos lutadores e lutadoras sociais. Concomitantemente, para agravar a situação, o Ministério da Justiça autorizou o envio da Força Nacional para atuar em Rondônia por 90 dias. O destacamento chegou ao Estado em 15 de junho e já executou diversas ações sob a alegação de combater supostas organizações criminosas que invadem propriedades particulares rurais.

No cumprimento ao exercício para proteção dos direitos do cidadão a Procuradoria Federal do Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), encaminhou ofício ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJ) no último dia (22) de junho, reiterando pedido de informações referente ao uso da Força Nacional de Segurança (FNS) contra movimentos de luta camponesa em Rondônia.

Deste histórico de violência contra os camponeses, constata-se a instauração de um cenário organizado pelo Estado pautado no agravamento dos conflitos no campo, reflexo da política negacionista implementada pelo atual governo brasileiro, que dissemina o ódio contra as minorias e incentiva a criminalização da Luta pela Terra.

Em decorrência a esta ação do Estado acobertada pelo manto da “falsa justiça para o campo”, no último dia 13 de agosto de 2021, infelizmente, novo massacre aconteceu em solo rondoniense, dessa vez no Acampamento Ademar Ferreira, na região de Nova Mutum, município de Porto Velho. O ato fatídico que ceifou a vida de três (03) trabalhadores rurais sem-terra, Amarildo Aparecido Rodrigues, Amaral José Stoco Rodrigues e Kevin Fernando Holanda de Souza, membros da mesma família, sendo pai e filho mortos em mais esta ação que escancara a real intenção do Estado brasileiro, em específico do governo de Rondônia, de disseminar o ódio contra o povo do campo, o povo sem-terra. Sonhos foram interrompidos, a terra foi manchada com sangue inocente. Além dessas mortes, há informações de cinco (05) pessoas que ainda estão desaparecidas, causando imensa aflição aos seus familiares.

Salientamos que logo após o anúncio desta operação com o emprego da Força Nacional, organismos e movimentos sociais se manifestaram prontamente contra esta manobra do Estado, visto que já temiam que cenários como este, do dia 13 de agosto, pudessem acontecer. Ao longo dos últimos meses, observa-se o aumento no número de despejos, maior violência no campo e agora, lamentavelmente, novas mortes devem ser contabilizadas para este governo regido por uma necropolítica.

As organizações abaixo assinam, solidarizam-se e repudiam veementemente as ações do Estado de Rondônia e da Força Nacional, reafirmando que a paz no campo se faz com a garantia do direito à vida, fundamentalmente com acesso ao território e dignidade dos povos, comunidades tradicionais e camponesas

Assinam a Carta:

Comissão Pastoral da Terra Regional Rondônia – CPT/RO

Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública do Estado de Rondônia

Luciana Riça Mourão Borges – GEPE-Front/UNIR

Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH Brasil

Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil

Paula Stolerman Araujo – pesquisadora do Grupo de Pesquisa TERRIMA/UNIR

Comissão Pastoral da Terra Regional Maranhão  – CPT/MA

Comissão Pastoral da Terra Regional Roraima – CPT/RR

Comissão Pastoral da Terra Regional Mato Grosso – CPT/MT

Ricardo Gilson da Costa Silva, Grupo de Pesquisa em Gestão do Território e Geografia Agrária da Amazônia – GTGA/UNIR

VIVAT INTERNACIONAL/Brasil

Comissão Verbita Justiça, Paz e Integridade da Criação- JUPIC

Associação de Defesa dos Direitos Humanos e Meio Ambiente na Amazônia- ADHMA

Cecília Hansen SSpS

Amanda Michalski, Grupo de Pesquisa em Gestão do Território e Geografia Agrária da Amazônia – GTGA/UNIR, GEPE-Front/UNIR

Dom Benedito Araújo – Bispo Diocesano de Guajará-Mirim

Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos

Crítica Jurídica Contemporânea – UFF

Pastoral da Mulher Marginalizada

Fontes – Mais Rondônia com informações de Repórter Brasil e  News Rondônia