Chico Buarque lavou a alma do brasileiro em Portugal

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Por Roberto Kuppê (*)

O músico e ativista político Chico Buarque recebeu em Lisboa o Prêmio Camões, cujo diploma foi assinado por Lula e pelo presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza. O evento foi emocionante e ao mesmo tempo muito alegre, com momentos de risos e muito aplausos.

Mas, antes de falar do evento, vou falar como e quando tive acesso às primeiras obras de Chico Buarque e no final, volto ao falar do Prêmio Camões.

Em 1978, em São José dos Campos (SP), foi o meu primeiro contato com a obra de Chico Buarque. Fui de Rondônia estudar na Escola Técnica Professor Everardo Passos (ETEP), escola técnica que forma até hoje técnicos de qualidade padrão ITA, em eletrônica e em mecânica. Nossos professores eram na maioria alunos do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, situado no CTA, Centro Técnico Aeroespacial de São José dos Campos, onde fica a Embraer.

Todo novato naquela prestigiosa escola recebia o apelido de “bicho”. E os “bichos” tinham que receber um trote, muito deles, violento. Não escapei de pelar a cabeça, além de outros trotes extra-classe. Porém, um dos trotes era uma tradição dos professores, para que todos se conhecessem através de alguma apresentação na sala de aula. E eu, não sei como, tímido como era, sugeri que apresentássemos uma peça teatral.

Não sei porque e nem o que eu tinha em mente naquela época. Nunca tinha assistido sequer à uma peça teatral em Rondônia, quanto mais escrever e atuar. Foi o que fiz. Escrevi a “peça” e o nome era “Construção”,  baseada na obra prima de Chico Buarque.

Amou daquela vez como se fosse a últimaBeijou sua mulher como se fosse a últimaE cada filho seu como se fosse o únicoE atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquinaErgueu no patamar quatro paredes sólidasTijolo com tijolo num desenho mágicoSeus olhos embotados de cimento e lágrima
Album Review #66: Chico Buarque - Construção - Troca o Disco (podcast) | Listen Notes
Pois bem. Eu com 17 anos na época, recém saído de Porto Velho, onde frequentei o Colégio Dom Bosco, não sei de onde tirei essa ideia. Com certeza tinha ouvido em alguma rádio  local, sei lá. O importante foi que fizemos a apresentação e fomos bastante aplaudidos. A partir daí Chico Buarque passou a fazer parte de minha playlist até hoje e sempre.
Na mesma ocasião conheci e assisti Gilberto Gil, Ivan Lins, Caetano, etc. Era a minha galera musical da época. Foi naquele mesmo período, em plena ditadura militar, também ouvi pela primeira vez “Para não dizer porque não falei de flores”, de Geraldo Vandré, proibida pelo regime militar.
Foi também, olha a coincidência, que pela primeira vez eu vi Luís Inácio Lula da Silva, então metalúrgico. O PT ainda não tinha sido fundado, o que seria apenas em 1980. Lula estava num caminhão de som liderando uma manifestação pedindo greve geral. Eu veria Lula de novo no ano da fundação do PT, quando ele esteve em Porto Velho, no restaurante Barrikas, que pertencia ao meu irmão Chiquinho.
Bom, voltando ao Prêmio Camões, o evento foi marcante. Chico Buarque discursou muito emocionado, mas levantou gargalhadas em meio às lágrimas que teimavam jorrar. Ele brincou que estava emocionado dizendo que sua mulher, a jurista, advogada e articulista Carol Proner, fez o mesmo por ele na viagem. “(Queria agradecer a) minha mulher Carol Proner. Eu estou emocionado pois hoje de manhã ela saiu do hotel, atravessou a avenida e foi comprar essa gravata para mim. E isso me emociona”, afirmou ele em seu discurso, rindo e mostrando a gravata para Lula.
Nenhuma descrição de foto disponível.Em outro momento, Chico Buarque arrancou aplausos: “Reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula”.
ImagemA ligação de Chico Buarque com Portugal, que lhe rendeu o Prêmio Camões, “Tanto mar”, ele versa sobre a Revolução dos Cravos, movimento que derrubou o regime salazarista em Portugal, em 1974, de forma a estabelecer as liberdades democráticas promovendo transformações sociais no país. Após o golpe militar de 1926, foi estabelecida uma ditadura no país. No ano de 1932, Antônio de Oliveira Salazar tornou-se primeiro-ministro das finanças e virtual ditador. Salazar instalou um regime inspirado no fascismo italiano. As liberdades de reunião, de organização e de expressão foram suprimidas com a Constituição de 1933.
Finalizando, quem não gosta de Chico  Buarque, bom sujeito não é. No Twiiter, me deparei com uma enquete imbecil. “De um show de Chico Buarque e de Gustavo Lima, em qual você vai?”. Ora, é como perguntar, você prefere ir pro céu ou para o inferno?”.
(*) O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador. O Portal Mais RO não tem responsabilidade legal pela opinião, que é exclusiva do autor.

P.S. Não me perdoo por nunca ter assistido a um show ao vivo de Chico Buarque. O máximo que cheguei próximo à Chico foi num evento de Lula no Circo Voador, na Lapa (Rio), mas ele não cantou.