Cacau Sustentável da Amazônia cria oportunidade de ação conjunta para Brasil, Colômbia e Peru

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O chocolate é extraído a partir da amêndoa do cacau
Por Fabíola Zerbini

Doutora em Ciência Ambiental pelo PROCAM/USP e Diretora Regional da TFA (Tropical Forest Alliance) para a América Latina

Os olhos do mundo estão voltados para a Amazônia. O desafio que se coloca é o de preservar a maior floresta tropical do mundo e ao mesmo tempo, conservar o território das tantas comunidades e povos indígenas que habitam o local – são cerca de 30 milhões de pessoas nas regiões amazônicas do Brasil, Colômbia e Peru. Uma das oportunidades que se apresenta está relacionada ao cacau, fruto nativo que faz parte da cultura amazônica há mais de 14 mil anos, cultivado e cultuado ao longo do tempo por diversos povos originários, principalmente nos três países destacados.

A região amazônica reúne a mais diversificada variedade de cacau do mundo em termos genéticos, de sabor e de espécies. Uma combinação entre genética, práticas agrícolas e qualidades de clima e solo podem significar a obtenção de um cacau de alta qualidade, sob práticas de sustentabilidade, conectividade com a paisagem e respeito a aspectos culturais milenares, com potencial para gerar uma produção de cacau com maior valor agregado e consequentemente, comercializado a preços mais elevados. A partir do consenso entre brasileiros, colombianos e peruanos envolvidos na cadeia de produção do cacau de origem amazônica, está surgindo um Plano Estratégico de Desenvolvimento do Cacau Sustentável da Amazônia, com o intuito de atrair compradores e investidores interessados no combate ao desmatamento por meio de uma cadeia de fornecimento que promova a inclusão social e seja orientada pela bioeconomia.

O cultivo sustentável pode colaborar na restauração de áreas degradadas e na redução do desmatamento, além de proporcionar melhoria de vida para agricultores – em sua maioria, pequenos e médios – e suas comunidades, com atributos de potencial apelo para os mercados globais, abrindo um novo caminho para a proteção da Amazônia. Brasil, Colômbia e Peru podem construir uma estratégia sólida em torno da marca Cacau de Origem Amazonica Sustentável; uma oferta unificada de produção diferenciada de cacau, lucrativa para as famílias produtoras e que contribua para uma relação positiva com as florestas e seu ecossistema. Uma agricultura intensiva na produtividade mas não em extensão de terras. O desafio de construir um mercado para o cacau sustentável está colocado; e deve ser respondido de forma articulada entre os três países, considerando a dinâmica do mercado e suas tendências em escala global.

A inovação se dá na estratégia, na metodologia da produção e também na sua relação com o mercado comprador, visto que o objetivo não é atender a uma demanda existente e sim, construir uma demanda. Trata-se, portanto, do desenvolvimento de um novo produto e de um novo mercado. Para viabilizar este novo cenário, é crucial o diálogo franco entre todos os atores envolvidos no mercado interno e com as comunidades indígenas e famílias agricultoras. É deste intenso compartilhamento de ideias que irá emergir uma proposta estratégica e prática que deve incluir suporte técnico, infraestrutura, crédito, e certificações, resultando em significativas melhorias na logística e em aumento de produtividade e rentabilidade.

No Peru, país que concentra seis das dez famílias genéticas do cacau no mundo, a partir da perspectiva Produção – Proteção – Inclusão, foi firmado recentemente o Acordo Cacau, Bosques y Diversidade, com oferta de assistência e extensão rural integral, acesso à tecnologia e inovação, financiamento em condições favoráveis e incentivos para a conservação e a restauração. Pelo acordo, foram estabelecidos compromissos do setor privado – entre eles, a análise de suas cadeias de fornecimento, o estabelecimento de políticas e metas quantitativas de curto, médio e longo prazos, a promoção da intensificação produtiva sustentável e a restauração produtiva em áreas degradadas -, tendo como marco histórico o ano de 2025 para que a totalidade da produção seja livre de desmatamento, de forma verificável. Por parte do setor público e das organizações da sociedade civil, os compromissos assumidos incluem a mobilização de investimentos para a proteção e a restauração da floresta vinculada à produção de cacau, a promoção de mecanismos de incentivo os pequenos produtores, e a colaboração na geração e transmissão de conhecimento para identificar e promover a adoção de práticas sustentáveis de produção de cacau e o desenvolvimento tecnológico da cadeia.

Na chamada Amazônia Legal brasileira, que inclui os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, e parte do Maranhão, existe sobreposição entre áreas protegidas e municípios com áreas de cultivo de cacau, mas as áreas semeadas de cacau estão aumentando, o que, dependendo do tipo de valor de conservação e usos permitidos, pode representar uma alteração nos ecossistemas ou uma oportunidade de avançar para uma cultura como o cacau agroflorestal, com grande potencial na restauração de paisagens. O Brasil tem capacidade para se tornar autossuficiente em termos de demanda interna de cacau ou mesmo para atingir, em certa medida, ofertas para a demanda externa. É importante que o país avance nas politicas e estruturas de incentivo à produção de um cacau de qualidade e de seu processamento para atender à demanda interna e externa, e alcançar o estabelecimento de cacau de maior qualidade na produção de origem, uma vez que ambos os fatores valorizam o produto. No entanto, para se posicionar no mercado de cacau fino, é preciso melhorar a qualidade do cacau atualmente produzido, otimizando técnicas de pós-colheita, juntamente com políticas públicas que visem ao desenvolvimento da cadeia produtiva nacional e assistência técnica. Só assim será possível obter reconhecimento e aprovação internacional como produtor de cacau de qualidade superior relacionada à origem. Quando essas características são reconhecidas, elas podem ser valorizadas pelo consumidor por meio de um selo ou uma denominação que remeta à origem.

O objetivo primordial do esforço pelo Cacau de origem Amazônica Sustentável é estimular a conservação e recuperação da floresta amazônica por meio de arranjos agroflorestais de cacau que possibilitem a obtenção de preços mais elevados e maior produtividade por hectare. O cacau em arranjos agroflorestais deve considerar as espécies atrativas para a fauna, tornando-se um aliado da conservação das espécies. Da mesma forma, sua colheita deve gerar conectividade entre os fragmentos florestais, o que também permitirá que sejam culturas aliadas de grandes mamíferos que utilizam esses espaços para sua mobilidade. O cacau agroflorestal sustentável tem um impacto positivo no meio ambiente, permitindo a captura de carbono e a sustentabilidade dos ecossistemas, preservando e melhorando os solos, as fontes de água e preservando a biodiversidade.

Para melhorar os preços de venda do cacau, os produtores podem se associar para reduzir os custos pós-colheita e melhorar a qualidade do grão pela unificação dos processos de fermentação e secagem, para assim obter um melhor preço de venda e certificações, como comércio justo e produção orgânica, o que lhes confere um aumento de preço.

Em conclusão, a região amazônica tem potencial para o desenvolvimento da cultura do cacau e reconhecimento de origem, pois suas condições climáticas e ambientais favorecem o cultivo da planta nativa da região. Para avançar na viabilização do Cacau de origem Amazônica Sustentável, é crucial a interação de organizações públicas e privadas com os produtores locais. União e trabalho conjunto para a valorização da floresta em pé e dos produtores locais, em direção a uma posição de relevância do cacau amazônico nos mercados internacionais. Mãos à obra!