Desde a sua inauguração, em junho de 2009, a penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, atemoriza os criminosos mais perigosos do país. Trata-se de uma fortaleza cercada pela floresta amazônica, isolada da cidade e, ao menos até agora, à prova de fugas –assim como a lendária prisão da ilha de Alcatraz, hoje desativada na Costa Oeste dos Estados Unidos. Mais próximos dos centros urbanos, os outros três presídios federais — Campo Grande (MS), Mossoró (RN) e Catanduvas (PR) – assustam menos os que atravessam seus portões, embora a disciplina seja igualmente rígida. Nelas, os presos passam 22 horas do dia em celas individuais, sem direito a TV ou rádio. Câmeras de segurança filmam qualquer movimento, é impossível usar celular e até o chuveiro tem hora marcada para funcionar.
Nos últimos meses, milicianos e traficantes de drogas reclusos no presídio de Porto Velho têm conseguido autorização da Justiça para voltar ao Rio de Janeiro. Quando estavam nas cadeias estaduais, continuavam a comandar suas quadrilhas e manter o domínio sobre diversos territórios da cidade. Por isso foram transferidos para presídios federais. A Secretaria de Segurança Pública avalia que o retorno dos criminosos pode comprometer a pacificação das favelas cariocas. ÉPOCA obteve uma série de documentos sobre a queda de braço.
O regresso de criminosos perigosos já causou aumento da violência. Em maio passado, um chefe do tráfico de drogas que conseguiu voltar de Rondônia, promoveu ataques nas favelas pacificadas de Santa Teresa, no centro do Rio, deixando 12 mortos. Condenado a quase 92 anos de prisão, Ricardo de Castro Lima, conhecido como Fu da Mineira, obteve o direito ao regime semiaberto no final de 2011, quando estava na penitenciária federal de Porto Velho. Ele ficou algum tempo em presídios estaduais de Rondônia até fugir para o Rio junto com um comparsa. Chegou à cidade em voo comercial e se escondeu no Complexo do Chapadão, da Zona Norte, uma área ainda não pacificada. Em agosto, o Batalhão de Operações Especiais (Bope) conseguiu capturá-lo.
>> Complexo do Chapadão, a nova fortaleza do tráfico
Fu da Mineira está agora no presídio de Bangu 1. Apesar do regime de segurança máxima, a permanência do traficante no Rio de Janeiro incentiva ações da quadrilha baseada no Complexo do Chapadão. A Divisão de Homicídios investiga se um policial militar de folga foi morto ao romper, na última segunda-feira, uma barreira de traficantes na entrada do conjunto de favelas. Na quarta-feira, um grupo de moradores fez saques no comércio e incendiou quatro ônibus, depois que um jovem de 21 morreu durante uma operação da PM no morro. Traficantes são suspeitos de terem incentivado os atos.
O juiz da Vara de Execuções Penais do Rio, Eduardo Perez Oberg, argumenta – em uma de suas decisões obtidas por ÉPOCA – que a permanência de presos em Porto Velho tem o objetivo de estabilizar a pacificação das favelas cariocas. Oberg decide nos próximos dias se manda Fu da Mineira de volta a um presídio federal. O Ministério da Justiça indicará para qual penitenciária ele irá.
Segundo o subsecretário de Segurança Pública do Rio Pehkx Jones, alguns líderes de facções criminosas presos a partir da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora, entre 2008 e 2013, já obtiveram benefícios da legislação penal e deixaram os presídios. “Alguns deles voltaram às suas práticas delituosas, inclusive buscando a retomada do território pela força armada”, afirmou Jones. Entre janeiro e o começo de outubro, oito policiais de UPPs foram assassinados em serviço, mesmo número de mortes registradas em 2014.
No mesmo dia em que deu liberdade a Fu da Mineira, a Justiça Federal em Rondônia autorizou a transferência para o Rio de Marco Antonio Firmino da Silva, conhecido como My Thor, apontado como um dos chefes do narcotráfico. Segundo o serviço de inteligência da polícia, quando estava encarcerado em Catanduvas, no final de 2010, My Thor encomendou à sua advogada a compra de 13 fuzis no Paraguai e deu ordens para bandidos incendiarem dezenas ônibus e carros no Rio. A Vara de Execuções Penais do Rio recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para barrar a volta de My Thor. Os advogados argumentam que o traficante, recluso em penitenciárias federais desde 2007, já tem direito ao semiaberto.
Em março de 2015, a 3ª Vara Federal de Porto Velho mandou devolver ao cárcere fluminense o tenente da PM Daniel Benitez, condenado a 36 anos de prisão por assassinar com 21 tiros a juíza Patrícia Acioli, em agosto de 2011. Ao determinar a transferência, o juiz Walisson Gonçalves Cunha afirmou que o longo tempo de isolamento deixa os internos sujeitos a doenças mentais. “Pensar que todo preso perigoso deve ficar no presídio federal até o cumprimento integral da pena é afrontar comandos legais”, escreveu o juiz em sua decisão. Ele diz que a permanência deve ter caráter excepcional e que o governo do Rio não apresentou motivos concretos para manter Benitez em Rondônia. O STJ suspendeu provisoriamente a decisão de Cunha.
O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, quer que Benitez fique em Porto Velho por causa da “péssima influência” que ainda exerce entre policiais corruptos. Mesmo condenado, Benitez ainda não foi expulso da PM e continua na folha de pagamento, com salário de R$ 7.300. O Comando da PM disse que o processo de expulsão ainda está em andamento. O Ministério Púbico acusou Benitez de comandar uma equipe de policiais que permitia o tráfico de drogas em troca de propina. Segundo seus advogados, o tenente “é um jovem de bem, que acredita na Justiça”.
No comando da Vara de Execuções Penais do Rio, o juiz Oberg tem conversado com os juízes responsáveis pelos presídios federais. Já ocorreram reuniões entre eles em agosto e setembro de 2015. “O ponto é o seguinte: o preso que continua perigoso à segurança do Rio fica lá, em Porto Velho. Já dei pelo menos 300 decisões dessas”, afirmou Oberg em entrevista a ÉPOCA.
Os chefes da Liga da Justiça – a maior milícia do Rio de Janeiro – também estão na fila da transferência para presídios fluminenses. Um relatório de inteligência da Secretaria de Segurança Pública, ao qual ÉPOCA teve acesso, diz que a Liga da Justiça vive uma guerra entre seus líderes, todos presos, pelo controle de território na Zona Oeste. Isso significa explorar moradores com a cobrança de taxas para todo tipo de serviço, do gás de cozinha ao transporte alternativo. De um lado, estão os ex-policiais militares Ricardo Teixeira da Cruz, conhecido como Batman, e Toni Ângelo Aguiar, chamado de Erótico. Os rivais são os irmãos Natalino, ex-deputado estadual, eJerominho Guimarães, ex-vereador do Rio. Os quatro estão em Rondônia. A Secretaria teme que a disputa pelo poder aumente a violência na Zona Oeste, se os chefes das milícias deixarem a penitenciária federal.
A Justiça Federal autorizou o regresso de Natalino, de Jerominho e do sogro dele, o ex-policial civil Andre Luiz Malvar. Os advogados dos três afirmam que eles têm bom comportamento e merecem a transferência. A decisão sobre os irmãos também foi suspensa, temporariamente, pelo STJ, mas o caso é mais delicado. Um relatório sobre a saúde de Jerominho afirma que ele está doente, sem forças até para subir uma escada. Aos olhos do Judiciário, o ex-vereador parece não ser mais uma grande ameaça e tem grandes chances de voltar. Se não for condenado novamente em outro processo, Natalino terá direito ao livramento condicional em 2016.
O secretário Beltrame já sofreu algumas derrotas. No final de setembro, a Justiça Federal de Rondônia concedeu liberdade condicional ao ex-vereador do Rio Cristiano Girão, preso por liderar uma milícia na Zona Norte. A Justiça Estadual do Rio recorreu para mantê-lo em regime fechado. Em junho, o STJ autorizou o retorno de quatro presos ao Estado fluminense, entre eles Marco Marinho dos Santos, chamado de Chapolim, antigo parceiro do Comando Vermelho e de seu principal chefe, o traficante Fernandinho Beira-Mar, preso em Rondônia. A Secretaria de Segurança recorreu e, em agosto, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu que os detentos continuem em presídios federais. O Supremo Tribunal Federal julgará o caso, mas pouco poderá fazer em relação a Chapolim. Ele termina de cumprir sua pena em novembro e estará livre, para o bem ou para o mal.