Apelo ao coração. Ou mendigando a solidariedade das pessoas!

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Imagem ilustrativa

Por Reginaldo Trindade (*)

Todo dia ele passava por ali. Quase que invariavelmente se deparava com o pedinte no cruzamento da avenida Rio Madeira com a Rua Rio de Janeiro.

Cabelo e barba longos, sujo, descalço, maltrapilho, provavelmente fétido; não raro com a camisa toda rasgada, que alguém, jocosamente, falou certa feita que ele havia customizado o seu uniforme de mendigo.

Temente a Deus e muito grato por tamanha generosidade da vida, ele sempre dava esmola ao mendigo, não raro sob os protestos do filho adolescente, que ficava indignado com o fato de a necessitada pessoa sequer dizer obrigado.

Não dava muito, no máximo um real. Cédula, nem pensar.

Um dia um conhecido postou uma mensagem esculachando com o necessitado. Dizia que o havia flagrado tomando cerveja num bar e que aquilo era um absurdo. Berrou palavras de ordem e mesmo de escárnio contra os que faziam a caridade.

O escárnio e o tom jocoso, infelizmente, não são incomuns com alguns já “célebres” mendigos da capital das Terras de Rondon.

Uma outra conhecida, cujo ponto era (é?) também um movimentado cruzamento, foi surpreendida certa ocasião depositando no Banco Santander o seu dinheiro. Ou será que ela estaria sacando?

Isso não quer dizer que as pessoas não precisem de ajuda. Aliás, quem possui dinheiro em banco e mesmo assim se dispõe a ir para um cruzamento, de muletas (uma maior que a outra) e um monte de bugigangas para suplicar por moedas, é que precisa mesmo de socorro.

Será se as pessoas que residem nas ruas ou mesmo que transformam as ruas em seu “ganha-pão” precisam, realmente, é de dinheiro?

Alguém já perguntou para ela a razão de estar ali? Alguém já a questionou o porquê de, mesmo tendo dinheiro guardado em instituição financeira, precisa ir todo dia mendigar defronte a Sadia?

Alguém já perguntou para ele a razão de estar ali? Alguém já o questionou o porquê de, mesmo tendo dinheiro para tomar cerveja, precisa ir todo dia mendigar defronte o Supermercado Irmão Gonçalves?

Ninguém. Nem mesmo o tal temente a Deus…

As pessoas não perguntam. As pessoas não querem nem saber. Agem da forma mais cruel que se pode agir para com um semelhante: com indiferença! Os mendigos são invisíveis. Ninguém os vê, ainda que tenham que desviar o caminho para não tropeçar neles…

Quando muito dão uns poucos trocados (moedas; cédulas jamais!) e juram que já cumpriram o seu dever enquanto bons cristãos que são. Que juram que são!

Se a pessoa vai depositar suas moedas no banco ou tomar cerveja o que nós, verdadeiramente, temos a ver com isso? De certo, nós faríamos doação apenas se tivéssemos a certeza de que o dinheiro seria bem empregado?

Mas, o que é empregar bem o dinheiro?

Por acaso seria comprar um vídeo-game ou smartphone de última (ou penúltima) geração para os nossos filhos em vez de dar um livro?

Além disso, a verdadeira caridade, o verdadeiro Amor não discrimina, não se preocupa com retorno, não cuida do destino a ser dado à coisa doada.

Doamos. Ponto final. Sem nos preocuparmos com um obrigado (ou qualquer outro tipo de recompensa) e também sem policiarmos a pessoa agraciada com o que ela vai fazer com o dinheiro.

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Ele soube, com absoluto assombro, que de acordo com um levantamento feito pela Superintendência de Turismo de Rondônia em 2016, já havia, naquela época, 220 (DUZENTOS E VINTE!) moradores de rua em Porto Velho.

Penitenciou-se pelo fato de não ter conhecimento sequer do local exato onde todos ficavam. O ex-superintendente, que tanto fez pelo turismo no Estado, disse que esses moradores não são nem mesmo aceitos nos restaurantes populares instalados pelo governo.

Um restaurante popular que não recebe as pessoas do povo que mais precisam. Discriminam os mais pobres dentre os pobres – mesmo eles tendo dinheiro para pagar pela marmita de comida!

Morador de rua em Porto Velho é menos digno de compaixão que cachorro bernento. Os pobres animais, que nada têm a ver com tudo isso, ao menos têm “instituições que os protegem”…

Os problemas sociais são como uma célula cancerosa da mais mortal que possa existir. Se não extirpados logo no início, tomam conta de todo o organismo, corroendo tudo que está à sua volta.

O câncer invariavelmente provoca piedade nas pessoas. Pelo sofrimento que causa no paciente e nos seus; pelos números alarmantes. Os problemas sociais, nem tanto. Por mais alarmantes e mesmo crescentes que sejam, são invisíveis aos olhos da sociedade.

As pessoas precisam acordar para a triste realidade que aflige tantos em nossa capital, nosso estado, nosso país e mesmo no mundo. Triste realidade que vitimiza não apenas moradores de rua.

Há pessoas passando fome enquanto outros desperdiçam tanto!

Estamos cada vez mais distantes dos nossos semelhantes. Os grandes avanços tecnológicos vieram para trazer enorme esperança e melhoria na vida das pessoas, mas também serviram (estão servindo) para nos distanciar ainda mais!

O ser humano está cada vez mais preocupado com a beleza, com a última tecnologia, em ser o melhor. A brutal concorrência estabelecida está esvaindo nossa já pequena humanidade.

Ajudar as pessoas que precisam está se tornando coisa do passado. Motivo de vergonha, não de orgulho…

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Dias desses, recentemente, já cansado de ser apenas mais um temente a Deus, a doar reles trocados; ele quis inovar, quis ir além, na crença de que o ser humano sempre pode ir além.

Pegou uma cédula (uma de valor mais elevado – queria impactar…), grampeou um pequeno bilhete, dobrou tudo cuidadosamente e entregou ao pedinte da “Entre-Rios”.

Ele recebeu com espanto total. Depois, derramou-se em gargalhadas de felicidade.

No bilhete, uma chama de esperança. “Você pode conseguir tudo que sonhar na VIDA. Nessa caminhada, quando achar que suas pernas estão fraquejando, não se esqueça que existe um DEUS que pode te amparar em qualquer situação”.

Não sabemos o que aconteceu depois. Ainda…

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Réplica.

De certo, alguns objetarão que não irão trabalhar “de sol a sol” para sustentar o vício de quem quer que seja.

Bem, se o que ficou dessas toscas linhas foi essa mensagem, não resta outra ao pobre autor:

a) dizer o que Jesus Cristo Nosso Senhor deve exclamar todo dia à humanidade nos últimos dois milênios: “Vocês entenderam tudo errado!”; E/OU

b) ler e estudar mais para escrever melhor – bem melhor!

Outros, provavelmente em argumento mais sedutor, dirão que, ao dar dinheiro para uma pessoa beber, você está, não ajudando, mas alimentando-lhe o vício.

Essas pessoas estão certas!

O problema é que elas se acomodam em julgar (e condenar) a pessoa necessitada e, em seguida, “lavam as mãos”!

Isso mesmo! Não raro, as pessoas, certas ou não, recusam-se a dar dinheiro, mas não procuram ajudar de nenhuma outra forma!

Devem dizer, simplesmente: “essa pessoa não merece a minha ajuda”.

O julgamento e suas convicções deveriam ceder lugar à verdadeira essência da solidariedade, parafraseada de uma fonte lamentavelmente não recordada no momento: “AS PESSOAS QUE MENOS MERECEM SÃO AS QUE MAIS PRECISAM DO NOSSO AMOR E COMPAIXÃO”.

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Tréplica.

O pedinte do “encontro das águas”, havia me esquecido, não raro, apresenta-se com um marmitex vazio às mãos, como se estivesse a suplicar por alimento.

No fundo, diria que ele não quer nem bebida (alcoólica), nem comida.

Ele implora mesmo é por ajuda.

Que coração se atreverá a ouvir o apelo?

(*) Reginaldo Trindade é Procurador da República