Amazônia está mais perto de se tornar savana; soluções são incertas

0
126
Apreensão de madeira ilegal na Terra Indígena Pirititi, em Rondônia Imagem: Felipe Werneck/Ibama

Resumo da notícia

  • Se a Amazônia perder 3 a 8% a mais de sua cobertura florestal, pode passar do ponto irreversível de se tornar uma savana degradada
  • Apesar do alerta, o desmatamento na Amazônia brasileira atingiu em 2020 sua taxa mais alta em 11 anos.

Especialistas defendem que as comunidades indígenas deveriam estar na linha de frente das políticas públicas por fazerem a melhor gestão da terraQuando um enxame de abelhas atacou Acrísio dos Reis, algo mudou dentro dele. “A natureza estava se virando contra mim, ia acabar me mandando para debaixo da terra”, lembrou, enquanto falava por telefone com a Mongabay, de sua pequena propriedade rural no norte de Mato Grosso. O ataque das abelhas se abateu sobre Acrísio enquanto ele dirigia um trator no meio da floresta, derrubando dezenas de árvores – um processo de limpeza de campo que ele realizou por 25 anos. Mas aquela manhã, em particular, marcou uma mudança radical: pela primeira vez, ele percebeu os verdadeiros danos do desmatamento.

Hoje, depois de parar de derrubar árvores, Acrísio administra um negócio familiar sustentável de agrofloresta em Canabrava do Norte (MT). Alarmado, ele identifica os impactos cada vez maiores das mudanças climáticas na região, com a redução dos níveis de água e o aumento da temperatura. Pesquisadores confirmam sua observação: o clima da Bacia Amazônica já está se transformando devido ao desmatamento e aos incêndios na região, combinados com o aquecimento global, o que resulta em muito menos chuva, temperaturas mais elevadas e uma estação seca mais longa no limite sul da Floresta Amazônica.

Acrísio e pesquisadores acreditam que estão testemunhando os primeiros sinais de um ponto de inflexão talvez irreversível para a Amazônia, em que a floresta começa a se tornar algo mais parecido com uma savana. A notícia é ruim para todos: para lavouras como a de Acrísio, para a fauna e a vegetação, e para populações urbanas no Centro-Sul do país, que dependem da Amazônia em função das chuvas que proporcionam água a São Paulo e outras megacidades brasileiras. Em busca de soluções Um ano e meio se passou desde que o cientista climático brasileiro Carlos Nobre e o biólogo conservacionista norte-americano Thomas Lovejoy fizeram um apelo, alertando para o fato de que o bioma bioma amazônico estava próximo de seu ponto de inflexão. “Estamos em um momento de definição do destino: o ponto de inflexão é aqui, é agora”, eles disseram. Se a Amazônia perder 3% a 8% a mais de sua cobertura de árvores, escreveram eles, isso já poderia desencadear um efeito dominó que se desdobraria rapidamente, transformando mais da metade da imensa floresta tropical em pastagens degradadas.

Em uma carta à revista “Science Advances” em 2018, a dupla escreveu: “Acreditamos que as sinergias negativas entre desmatamento, mudanças climáticas e o uso generalizado do fogo indicam um ponto de inflexão para que o sistema amazônico se transforme em ecossistemas não florestais no leste, no sul e no centro da Amazônia, com desmatamento de 20% a 25%”. Na condição de jornalista brasileira que observa a Amazônia – um dos lugares mais biodiversos da Terra e fonte de vida para milhões de famílias -, fiquei muito abalada ao ver a generosidade da natureza ser trocada por lucros de curto prazo com exportações de carne bovina e soja.

Então, passei os últimos meses da pandemia em busca de sinais de esperança, estudando a literatura científica, observando as ações e inações do governo e, o mais importante, ouvindo pequenos agricultores, ONGs e especialistas em clima e políticas públicas. Mas, em todos os casos, soluções que pareciam oferecer alguma esperança se dissolviam como miragens, desmoronando depois de uma investigação mais profunda ou carecendo de apoio dos governos estaduais ou federal. Também lhes faltava escala para enfrentar o ponto de inflexão urgente e iminente, que desde o apelo de Nobre e Lovejoy só ficou mais próximo.

O policiamento dos crimes ambientais Para alguns, a solução é clara. O Brasil não precisa inventar novas soluções; basta trazer de volta a regulamentação ambiental federal rígida, implementada com mão de ferro, que foi responsável por uma queda de 84% no desmatamento apenas uma década atrás.

“O Brasil sabe como deter o desmatamento na Amazônia”, afirmou um documento do Climate Policy Initative, enquanto uma carta publicada recentemente na “Nature, Ecology & Evolution” por seis destacados cientistas brasileiros chamava a uma “retomada urgente” do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) – implementado em 2004 pela ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, durante o primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva.

“Já resolvemos isso no passado e podemos resolver de novo”, concordou Erika Berenguer, pesquisadora da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, que testemunhou a repressão ao desmatamento em Alta Floresta (MT) em 2008, onde um dos piores históricos ambientais deu lugar a um município que é modelo para o desenvolvimento sustentável. “Isso se chama punir quem comete crimes”, disse ela.

Daniel Nepstad, presidente do Earth Innovation Institute, previu os problemas inerentes a depender da vontade política no longo prazo. As “medidas de comando e controle para multar e embargar quem pratica desmatamento ilegal e excluir distritos inteiros do financiamento público ao setor agrícola dependem perigosamente da vontade política do governo de aplicá-las”, escreveu ele em uma edição de 2014 da revista Science. Sem incentivos suficientes para manter o desmatamento sob controle, “uma mudança nas políticas poderia destruir os avanços em direção à erradicação do desmatamento”, ele advertiu na época.

Apenas dois anos depois, as preocupações de Nepstad se concretizaram, com o impeachment da sucessora de Lula, Dilma Rousseff, e sua substituição por Michel Temer, que começou a desmantelar agressivamente a regulamentação de proteção ambiental do Brasil. Posteriormente, dois anos após Jair Bolsonaro assumir a presidência, em janeiro de 2019, o número de multas ambientais despencou e os índices de desmatamento na Amazônia dispararam.

“Bolsonaro foi eleito com grande apoio do setor agrícola porque o movimento ambientalista foi longe demais para a força que tinha”, disse Nepstad em uma entrevista por telefone à Mongabay.

Presidente Jair Bolsonaro e ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante cerimônia em Brasília - Reprodução - Reprodução

Sob Bolsonaro, a reação foi rápida. As agências ambientais foram sucateadas, com os orçamentos de 2021 atingindo os menores valores em 21 anos. A retaliação do governo contra agentes ambientais eficientes tornou-se comum, e os que ainda mantêm seus empregos têm medo de falar. De acordo com Liana Anderson, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o sucesso das operações federais de comando e controle depende de um grande fluxo de dinheiro para apoiar a inteligência e o planejamento de longo prazo, a fim de atingir os criminosos que estão em posições mais altas na cadeia de comando do desmatamento.

“Estamos em um momento único na história. No passado, não tínhamos dados. Em 2003, ninguém sabia exatamente onde o desmatamento estava acontecendo. Mas a ciência e a tecnologia evoluíram. Quando vemos alguém dizendo que a Amazônia é grande demais e não se pode monitorar tudo, não é mais o caso”, ela disse. “Precisamos de investimentos em inteligência. Não se trata de chegar até o Zé, com uma motosserra na mão, e sim até quem contratou ele.” No entanto, sob o governo Bolsonaro, alcançar essa meta de fiscalização parece mais distante do que nunca.

A sustentabilidade liderada pelo Estado cai por terra

Com menos vontade no plano federal, a próxima fonte de esperança são os estados brasileiros, que já mostraram algumas posturas promissoras na resposta à crise do desmatamento.

Em 2015, o estado de Mato Grosso foi elogiado como um dos líderes no futuro do desenvolvimento sustentável. No centro desse esforço estava uma iniciativa ambiciosa chamada Produzir, Conservar e Incluir (PCI), uma parceria público-privada entre o estado, ONGs e empresas que incluíam como a Marfrig, segunda maior produtora de carne bovina do mundo, e a Amaggi, maior exportadora privada de soja do Brasil.

“A PCI é um ótimo exemplo de uma intenção”, lembrou Alice Thualt, diretora adjunta do Instituto Centro de Vida (ICV), ONG ambientalista que participa do projeto. “Mas [cinco anos depois] ainda não surtiu todos os efeitos.” Na época, a promessa era de que, até 2030, o desmatamento despencaria em Mato Grosso – um estado da Amazônia dominado pela soja – e a regeneração da floresta dispararia, tudo isso enquanto aumentavam a produção e os lucros agrícolas.

Levar o desmatamento ilegal a zero até 2020 era uma meta central. Mas esse objetivo se mostrou impossível. No ano passado, 88% de todo o desmatamento no estado foi ilegal, segundo análise de dados do ICV. E como a iniciativa não atingiu as metas ambientais, o desmatamento continuou aumentando e chegou a 1.767 km2 em 2020, com o setor do agronegócio em Mato Grosso crescendo 33%. De acordo com Thualt, o projeto teve dificuldades, e depois não conseguiu obter o suporte financeiro. “Quando a PCI foi lançada, a gente falou que precisaria de 40 bilhões de reais ao longo de 15 anos para que [o setor agrícola] fizesse as mudanças necessárias na matriz produtiva. Com muito esforço, Mato Grosso captou 250 milhões”, disse ela, acrescentando que os atores do mercado hesitam em assumir riscos pelo meio ambiente que não compensariam em termos de dividendos econômicos. “É decepcionante. Quando se olha para o ponto de inflexão [da Amazônia], sabemos que temos que revolucionar as nossas práticas [do agronegócio] e nosso relacionamento com a floresta nos próximos três ou quatro anos. É difícil ser otimista no cenário atual.”

Há histórias semelhantes em outros estados da região. No Amazonas, no Acre e em Rondônia, os governos estaduais alinhados a Bolsonaro estão pressionando pela criação de uma nova fronteira agrícola chamada Amacro, um acrônimo formado pelas siglas dos três estados.

“Desmatamento para nós é sinônimo de progresso”, disse Assuero Veronez, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Acre e responsável pela criação da Amacro, em entrevista por vídeo à agência de notícias ambientais ((o))eco, em março de 2020. “O [Acre] tem algumas das melhores terras do Brasil, mas a terra tem um problema: está coberta de floresta.”

Ambientalistas da região estão dando o alerta. Ivaneide Bandeira, fundadora da ONG Kanindé, em Rondônia, diz que a iniciativa ameaça as áreas protegidas, citando uma lei recém aprovada que reduziu em até 77% o tamanho de duas importantes unidades de conservação. “Eu não sou contra o agronegócio, desde que seja feito com responsabilidade, respeitando as áreas indígenas e o meio ambiente. Se eles estivessem preocupados com isso, teriam representantes indígenas e ambientais em seus comitês, mas eles não estão”, Ivaneide disse à Mongabay. “Eles querem é desenvolvimento a qualquer custo.”

No Pará, que tem as maiores taxas de desmatamento da Amazônia brasileira, o tom é muito diferente. Em agosto de 2020, o estado decretou um programa de conservação que visa atingir a neutralidade de carbono até 2036, reduzindo o desmatamento e aumentando a regeneração florestal.

No Pará, que tem as maiores taxas de desmatamento da Amazônia brasileira, o tom é muito diferente. Em agosto de 2020, o estado decretou um programa de conservação que visa atingir a neutralidade de carbono até 2036, reduzindo o desmatamento e aumentando a regeneração florestal. “Para solucionar um problema grave com muitas variáveis associadas, como é o desmatamento, precisamos de um conjunto de políticas públicas bem desenhadas e amparadas na ciência”, disse Wendell Andrade, diretor de projetos especiais da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, em comunicado divulgado pela Empresa de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Nos últimos dois anos, os índices de desmatamento do Pará não deram sinais de desaceleração, e a taxa de desmatamento em 2020 atingiu 4.900 km2, quase o dobro em relação a 2018. Embora o projeto paraense seja promissor, diz a pesquisadora da Embrapa Joice Ferreira, o desafio será garantir sua continuidade. “Um dos nossos maiores problemas do passado é que muitas políticas começam bem, tem uma boa articulação e mobilização institucional, mas quando começa a engrenar, elas são descontinuadas”, ela escreveu à Mongabay.

Povos indígenas marginalizados Pesquisadores vêm reiterando que os povos indígenas do Brasil são os melhores gestores de terras na Amazônia, superando os órgãos federais e estaduais. Mas eles não podem fazer esse trabalho de conservação se não forem autorizados pelo governo.

De Lula a Bolsonaro, os governos não conseguiram estabelecer essa aliança. Bolsonaro prometeu não demarcar nenhuma terra indígena durante sua gestão, apesar das 237 ainda não homologadas oficialmente. Há décadas, as reivindicações dos indígenas sobre suas terras ancestrais, dentro de um marco jurídico amparado pela Constituição brasileira de 1988, são obstruídas abertamente pelo governo federal e pelos ruralistas.

“O mundo inteiro está procurando maneiras de proteger o meio ambiente, olhando para o futuro próximo, da catástrofe ambiental, e aqui, estamos lidando com um governo que está fazendo exatamente o contrário”, disse Sonia Guajajara, presidente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, à Mongabay.

Sem apoio do governo, e agora devastados pela pandemia, alguns povos indígenas estão chegando ao limite. Embora essas comunidades ofereçam as soluções mais eficazes para a conservação, seus territórios não homologados – que totalizam 97 mil km2 – estão sendo desmatados e invadidos de forma desproporcional. Em 2019, ocorreu o maior número de assassinatos de líderes indígenas em pelo menos duas décadas. Enquanto isso, o governo brasileiro continuou reduzindo o orçamento da Funai, que vem caindo anualmente desde 2011.

A partir de 2019, Bolsonaro vem cumprindo seu compromisso de aprovar um projeto de lei no Congresso para abrir as terras indígenas à mineração em escala industrial e ao agronegócio.

“Por que somos nós que estamos morrendo, depois de 500 anos segurando a floresta? No momento em que os povos indígenas derem um basta e decidirem explorar seus recursos, quem vai impedir? Eu tenho muito medo de que isso aconteça, que chegue a um ponto que os indígenas não vão mais aguentar”, disse Henrique Iabaday Suruí, líder Paiter Suruí em Rondônia, à Mongabay. “As ONGs brancas estão recebendo muito dinheiro, mas o indígena que interrompe o garimpo de diamantes não recebe um centavo. Nós queremos sobreviver, assim como vocês.”

Os Paiter Suruí já participaram de um protótipo de projeto indígena para compensar as emissões de carbono da gigante brasileira de cosméticos Natura e da Copa do Mundo de 2014. Mas, na prática, esse programa de REDD+ – voltado à prevenção do desmatamento – gerou divisão dentro da comunidade indígena, aumentou o desmatamento e não melhorou os padrões de vida dos participantes. “Caímos na armadilha da propaganda enganosa”, disse o indígena Joaquim Suruí ao Conselho Indigenista Missionário em 2015, em uma reunião marcada para tentar cancelar o projeto, que acabou sendo descartado em 2018.

Da mesma forma, em dezembro de 2020, a rádio nacional sueca informou que uma aldeia Kayapó, dentro da Terra Indígena Baú, no Pará, havia abandonado seus compromissos ambientais depois que o governo federal parou de financiar projetos indígenas de monitoramento; depois disso, os moradores assinaram um acordo com os garimpeiros.

Tepdjyre Mekragnotire disse à Rádio Sueca: “Quem se beneficia? As pessoas de lá fora que chegam aqui e dizem, ó Kayapó, você não pode derrubar e não pode mexer com garimpo”. Ele observou que sua aldeia agora tem condições de comprar alimentos melhores e até contratou um especialista particular para oferecer cuidados neonatais. “Agora a gente frequenta hospitais particulares, quando chega na rua é a gente mesmo que abastece. Então, assim, melhorou muito”, declarou..

Apesar dos desafios, o monitoramento do desmatamento continua no restante da Terra Indígena Baú, usando dados de satélite e bases estratégicas para auxiliar no esforço. Quase um milhão de indígenas vivem no Brasil, principalmente na Amazônia, e se receberem o apoio devido, eles podem representar uma força de preservação ambiental. No entanto, muitos abusos do colonialismo ainda têm repercussão hoje.

Grandes extensões de floresta tropical foram substituídas por soja - Alicia Prager/Mongabay - Alicia Prager/MongabayA agricultura pode ficar mais verde? Um simples dado econômico diz muito do que você precisa saber sobre o que está causando o desmatamento na Amazônia brasileira: um hectare de floresta vale cerca de 400 dólares, mas pode facilmente valer cinco vezes mais, ou seja, 2 mil dólares, se for desmatado e convertido em pasto para o gado ou em terras agrícolas, explica Daniel Nepstad…. – Veja mais em https://www.uol.com.br/ecoa/col

No entanto, acrescenta, esse mesmo terreno “vale muito mais para a economia global do que para a economia local”. Os impactos ambientais derivados de cada hectare desmatado na Amazônia podem custar ao mundo até 50 mil dólares em danos, estima ele. “Isso [representa] uma das falhas de mercado mais colossais do mundo, não compensando algumas centenas de dólares.”

Apesar desse déficit impressionante e do iminente ponto de inflexão na Amazônia, o resto do planeta investiu relativamente pouco ao longo do tempo para conservar a floresta tropical brasileira – cuja perda poderia desencadear a liberação de grandes quantidades de carbono, gerando não apenas uma intensificação da mudança climática regional, mas também um aquecimento global catastrófico.

Graças às políticas antiambientais de Bolsonaro, os investimentos internacionais em conservação estão diminuindo. Em agosto de 2019, em resposta a incêndios desastrosos, a Noruega congelou 33,2 milhões de dólares em doações que faria ao Fundo Amazônia, para projetos que visam conter o desmatamento no Brasil. Naquele mesmo mês, a Alemanha cancelou 39,5 milhões de dólares que havia comprometido com a redução da perda de árvores no Brasil.

Ainda assim, a esperança permanece: lançada em novembro de 2020, uma iniciativa na Amazônia, financiada com 4,5 milhões de dólares doados pelos governos norueguês e holandês, está pagando aos agricultores para que mantenham a floresta acima do limite exigido pela lei brasileira. “Esta é a primeira iniciativa que paga diretamente aos produtores rurais para que não participem do desmatamento legal”, disse Marcelo Stabile, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, em entrevista à colaboradora da Mongabay Sibélia Zanon.

No entanto, os especialistas dizem que esse e outros programas para conter a perda de árvores podem ser insuficientes e ter chegado tarde demais. De acordo com pesquisas e modelagens realizadas por instituições de todo o mundo – do Inpe (Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais) à Universidade de Oxford – o ponto de inflexão no qual a floresta tropical se transformará irreversivelmente em savana degradada não é uma simples possibilidade que aparece em modelos; ela está em andamento – já se observando queda nos níveis de umidade na Amazônia e a morte de espécies de árvores adaptadas a essa umidade.

Impulsionado pela urgência de se evitar um ponto de inflexão, Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa, diz que é necessário adotar imediatamente um novo padrão de agricultura em todo o Brasil, onde as árvores sejam incorporadas à paisagem de pasto e fazendas. “O efeito da savanização seria catastrófico. Uma quebra no ciclo hidrológico ameaça à produção agrícola”, disse Assad à Mongabay. No entanto, apenas 1% da linha de crédito agrícola de 45 bilhões de dólares disponibilizada pelo governo brasileiro para 2020-2021 foi destinado à agricultura sustentável.

Mesmo assim, Assad tenta ser otimista. “Nossa ideia é atingir toda a agricultura brasileira com uma agricultura de baixa emissão de carbono”, disse ele. “Em um governo que acha que mudanças climáticas não existe, diminui um pouco a velocidade. Mas já fazemos isso há mais de 30 anos. Governos passam. A ciência continua.” Infelizmente, grandes bancos brasileiros e firmas de investimento internacionais, como a Blackrock, continuam apoiando a expansão do agronegócio e do desmatamento da Amazônia, mesmo quando outros investidores tentam contê-los.

Se as secas cada vez mais intensas da última década na Amazônia continuarem piorando, isso não significará apenas a morte de árvores em grande escala e a liberação de carbono. Em breve, secas de grandes proporções também podem prejudicar o agronegócio brasileiro, que tem pouca capacidade de irrigação. Apesar desse risco, os produtores de soja, algodão, milho, eucalipto e gado continuam expandindo suas propriedades.

Gado na Amazônia brasileira - Henrique Manreza/The Nature Conservancy - Henrique Manreza/The Nature ConservancyPara o climatologista Carlos Nobre, enfrentar os desafios de evitar um ponto irreversível na Amazônia é muito mais urgente do que acusar Bolsonaro ou os proprietários de terras resistentes de hoje. “Já vivemos 520 anos de uma cultura que não valoriza a floresta em pé. De uma cultura que vê a floresta como um impedimento ao desenvolvimento econômico”, disse ele. “Mas [essa visão] está completamente equivocada. A floresta em pé vale muito mais do que pecuária ou mineração.”

De volta a Canabrava do Norte, Acrísio dos Reis continua sendo um caso isolado. A maioria de seus vizinhos ainda sonha em administrar uma grande fazenda, criando e vendendo gado, e formando rebanhos que requerem mais derrubada da floresta e muita água para beber.

Acrísio suspira, esperançoso de que outros sigam seus passos em prol da floresta. “Algumas pessoas trabalham hoje como eu trabalhava, para sustentar suas famílias. Outros trabalham no agronegócio pela ambição de encher os bolsos. Eu gostaria de dizer a eles que estão no caminho errado”, disse ele. “Desmatamento não traz futuro. Só traz desavenças para os nossos filhos.” (Por Shanna Hanbury).

Fonte: UOL