“Ajudar a violência no campo” é o que quer o Presidente Bolsonaro

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Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO

A CPT vem a público repudiar a fala do presidente Bolsonaro, no dia 27 de abril, na Agrishow, em Ribeirão Preto (SP). Ele anunciou a intenção de enviar um projeto de lei à Câmara Federal, que na realidade seria mais uma licença para matar: “É um projeto de lei que será enviado para Câmara, vai dar o que falar, mas é uma maneira de ajudar a violência no campo. É fazer com que, ao se defender sua propriedade privada ou sua vida, o ‘cidadão de bem’ entre no excludente de ilicitude, ou seja, ele responde, mas não tem punição”.

Como disse com suas próprias palavras, “é uma maneira de ajudar a violência no campo”. Mas, como sempre, alguém precisa traduzir o que ele queria dizer. Neste caso é jogar a culpa da violência no campo nos sem-terra que lutam por um pedaço de terra para sobreviver, nos indígenas e quilombolas que buscam defender ou reaver territórios dos quais foram espoliados. O projeto em curso do presidente é facilitar ao máximo e a
qualquer custo o avanço dos empreendimentos do capital global sobre os bens naturais protegidos por estes povos e comunidades, alguns há centenas, outros há milhares de anos.

Na sua fala o presidente reafirma mais de uma vez que a propriedade é sagrada, sem se atentar para a “função social da propriedade”, como reza a Constituição Federal (arts. 185 e 186). Deixa de lado, também, a forma como foram constituídas tais “propriedades”, muitas delas frutos de esbulho e violências contra os povos tradicionalmente ocupantes dessas terras, e outras tantas oriundas de grilagem.

A fala irresponsável do presidente dá carta branca a quem historicamente tem usado da violência contra os povos e comunidades do campo e trabalhadores do setor agrícola. Os registros da Comissão Pastoral da Terra (CPT) dão conta de que de 1985 a 2018, 1.938 trabalhadores e trabalhadoras foram assassinados em conflitos no campo, em 1.466 ocorrências. Destas ocorrências somente 117 responsáveis pelos assassinatos foram a julgamento, tendo sido condenados apenas 101 executores e 33 mandantes. Por estes números vê-se que o “excludente de ilicitude” já existe na prática!

Esta fala do presidente se soma a muitas outras que jogam sobre as costas dos mais frágeis e dos que são considerados descartáveis, toda a carga dos preconceitos, do machismo e racismo existentes, como a declaração recente em que ofereceu as mulheres brasileiras a deleite de estrangeiros, fazendo apologia para o turismo sexual internacional.

Com o profeta Habacuc (1, 2-4), ousamos clamar: “Até quando, Senhor, pedirei socorro, sem que me escutes? Até quando clamarei: ‘Violência’, sem que me salves? Por que me fazes ver a iniquidade e contemplar a desgraça? Diante de mim só vejo opressão e violência, nada mais do que discórdias e contendas. Por isso a lei perde a sua força e o direito desaparece definitivamente; porque o ímpio cerca o justo e, por isso, o direito sai falseado”. Até quando, nós, cidadãos e cidadãs deste País, vamos tolerar na Presidência da República estas sandices e suas intenções anti-Nação?

Goiânia, 30 de abril de 2019.
Diretoria e Coordenação Nacional da Comissão
Pastoral da Terra