STF pode mudar decisão do Congresso sobre impeachment, diz especialista

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O professor da USP André Ramos Tavares (à esq.) com o ministro Ricardo Lewandowski, do STF
O professor da USP André Ramos Tavares (à esq.) com o ministro Ricardo Lewandowski, do STF
O professor da USP André Ramos Tavares (à esq.) com o ministro Ricardo
Lewandowski, do STF

Para André Ramos Tavares, 43, professor titular de direito econômico da USP e professor de direito constitucional na PUC­SP, o pedido pelo impeachment de Dilma usa “os mesmos argumentos do dia seguinte às eleições” e seu mérito pode, sim, ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. Em sua avaliação, um processo de impedimento que seja mera contagem de votos dos parlamentares não é o que a Constituição prevê e torna-­se, assim, um golpe, afirma o professor em entrevista à Folha, por telefone.

A opinião de Tavares contra o impeachment não vem de alinhamento automático com a esquerda. Pelo contrário, o professor e parecerista é inclusive autor de um livro em coautoria com o advogado Ives Gandra da Silva Martins e com o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, dois conhecidos críticos do governo.

Leia, abaixo os principais trechos da entrevista.

Qual a sua opinião sobre o impeachment?

Sou completamente contrário. Parece-­me que são os mesmos argumentos do dia seguinte às eleições. Parte da população está descontente, mas as eleições foram limpas. Considero a crise apenas um exercício de discordância política, não de que a presidente cometeu crimes. O impeachment requer posição técnica, e caminha tudo muito rápido, sem discutir, isso não é bom para o país. Vemos uma situação de perplexidade. De um lado, uma oposição agressiva por um impeachment; de outro, um partido do governo mirando a Presidência sem o voto democrático. Essa não poderia ser a pauta do partido. Em que lugar do mundo é possível um governo que não é governo, um partido que rompe sem renunciar à Vice-Presidência!?

O pedido contra Dilma se baseia principalmente na questão das pedaladas fiscais. Qual a sua avaliação?

Em primeiro lugar, se o crime ocorreu no mandato anterior, a lei não permite que seja usado para fins de responsabilização política. Além disso, o correto para esse tipo de situação é o julgamento pela via da prestação de contas, em que o Tribunal de Contas da União faz análise técnica e emite parecer opinativo. O plenário do Congresso julga as contas em seguida. Não pode haver confusão: as contas dela de 2015 ainda não foram julgadas. São coisas distintas, como um tem rito específico exclusivo previsto na Constituição, o impeachment é inadequado. Muitos dizem que o impeachment é um golpe. O que o senhor acha disso? Vou te responder de uma forma bem clara. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha [PMDB­RJ], recentemente disse que desde 2009 o PMDB já sinalizava para rompimento com o PT. Oras, então não deveriam ter composto a chapa. Não é possível o partido sair sem o vice-­presidente renunciar. Aí, sim, configura­-se um golpe. Só há impeachment se não houver governo. O oportunismo é que gera um golpe. Temos problemas a resolver na legislação, não é possível ter uma chapa eleitoral que leve a esse cenário. A alegação de golpe em andamento refere­-se ao que efetivamente está acontecendo, não ao instituto em si. Há uma inversão da defesa. Em geral presume-­se que o cidadão é inocente, o que no caso seria a presunção de legitimidade do governo eleito, e precisam ser produzidas provas contra ele, não ele provar sua inocência. Abriram um processo de impeachment sem investigações, sem provas. O governo sabe que não há elementos materiais para impeachment.

O Supremo Tribunal Federal poderia avaliar o mérito do processo de impeachment?

Na tomada de decisões pode haver vícios. O Supremo deveria examinar o mérito. Ele pode com certeza atuar se a decisão final pelo impeachment não tiver base substancial na Constituição. A falta de provas leva à nulidade do processo. Não há ato que não possa ser levado ao STF se violar a Constituição. O tribunal já interveio em questões congressuais, chegou a intervir na edição de medidas provisórias, que cabiam ao Executivo. Temos um Estado mais consciente do Estado Constitucional. Vale para o processo ou para o mérito do impeachment, a qualquer tempo. O Judiciário vai desagradar alguma parte da população. Qualquer decisão terá leitura política, é novidade, mas essa não é a razão pública da Constituição.

Qual seria a saída para a atual crise político ­jurídica?

Creio que a saída para a crise do impeachment seria o PMDB adotar de vez a legalidade. O que está aí corre o risco de ter governo sem base no Congresso. O partido tem uma responsabilidade muito grande com o país, e gostaria que isso fosse mais bem assumido. Se o vale­-tudo continuar, afetará o PMDB; nessa toada atual, as operações anticorrupção alcançarão todos os partidos. A solução passa pelo PMDB e pelo Judiciário. O Judiciário não vai poder se eximir de tomar decisões desagradáveis para alguma parte da população, em conformidade com regras preestabelecidas.

Como o senhor analisa as decisões da operação Lava Jato até o momento?

A Operação Lava Jato é muito importante, no sentido de resgatar dinheiro público e identificar corruptos e corruptores. Erros vão acontecer e aconteceram, mas não é possível tolerar novas posturas que são o fim do Estado de Direito. A divulgação indevida de conversas, por exemplo, foi absolutamente ilegal. É importante que a sociedade acompanhe o Judiciário, mas esse não pode criar novos poderes apoiado em legitimidade social. A Lava Jato aplica a lei com muito rigor. Pergunto: isso vai valer daqui para a frente para a sociedade como um todo ou só para casos de corrupção de um governo X? É preciso melhorar o direito, mas duvido que isso venha a ocorrer.

Folha de S. Paulo