SENADO APROVA MP QUE ACABA COM A AMAZÔNIA E OS ASSENTAMENTOS, FACILITANDO A GRILAGEM DE TERRAS

0
1021

O plenário no Senado aprovou ontem (31) a Medida Provisória (MP) 759/2016, que regulariza imóveis rurais e urbanos em todo o país. O texto estabelece regras especialmente para áreas da União ocupadas na Amazônia Legal, mas também atende a casos de imóveis irregulares em áreas urbanas, como no Distrito Federal. A MP venceria hoje (1º), mesma condição da MP 760/2016, que trata de policiais militares do Distrito Federal, aprovada em seguida..

O texto original da MP 759 determinava que a regularização deveria ocorrer em áreas contínuas de até 1,5 mil hectares (um hectare equivale à área aproximada de um campo de futebol). No entanto, o relator na comissão especial que analisou a MP, senador Romero Jucá (PMDB-RR), elevou o limite para até 2,5 mil hectares.

Jucá aumentou também o público-alvo da regularização, pois permite que ocupantes anteriores a julho de 2008 participem do processo. Anteriormente, isso estava limitado a ocupantes anteriores a 1º de dezembro de 2004. Como o texto não recebeu novas emendas no Senado, será remetido agora para sanção do presidente Michel Temer.

MP NOCIVA À REFORMA AGRÁRIA

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, havia enviado ao Congresso Nacional nota técnica para subsidiar a análise parlamentar da Medida Provisória 759, editada em dezembro de 2016 pelo Governo Federal e que modifica diretrizes legais sobre a regularização de terras urbanas e rurais no País.

Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, as propostas apresentadas pela MP – que impactam em direitos fundamentais como moradia, função social da propriedade e meio ambiente – acabam por intensificar o já grave problema da regularização de terras no Brasil. Isso porque a MP está em franco descompasso com o que determina a Constituição Federal acerca das políticas para a propriedade e uso de terras, e também no que se refere à proteção ambiental. A medida também revoga mais de dez leis essenciais à regularização fundiária e as substitui por normas que ainda serão definidas pelo poder Executivo.

A revogação de legislação essencial à área, e sua substituição por normas que não são autoaplicáveis, faz com que a MP 759, na verdade, venha agravar os problemas que, segundo enuncia, seriam de urgente resolução”, destaca a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat – que assina a nota técnica em conjunto com o Grupo de Trabalho Reforma Agrária, da PFDC.

O documento elenca mais de uma dezena de legislações que são alteradas pela medida provisória – entre elas, a que trata da regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, o Programa Minha Casa Minha Vida, a lei que dispõe sobre a preservação da vegetação nativa e a que trata da regularização de terras fruto de ocupações na chamada Amazônia Legal.

Causa enorme espanto a adoção, pelo presidente da República, de medida legislativa extraordinária que modifica mais de uma dezena de leis ordinárias aprovadas pelo Congresso Nacional, algumas das quais fruto de processos legislativos que envolveram grande participação popular, o que representa grave distorção do sistema democrático”, alerta o órgão do Ministério Público Federal.

Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, além de não apresentar os requisitos constitucionais de urgência e relevância necessários à publicação de qualquer medida provisória, a MP 759 também peca nas propostas apresentadas em seus três temas centrais: regularização fundiária rural, regularização fundiária urbana e desmatamento.

Regularização fundiária rural 

A Constituição Federal, em seu art. 188, determina que a destinação de terras públicas e devolutas “será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária”. A análise encaminhada pela PFDC ao Congresso Nacional aponta que a MP 759 não apresenta, em nenhuma de suas diretrizes, o alinhamento da destinação das terras a essas políticas.

O texto destaca que a norma inscrita no art. 188 da Constituição tem o propósito de assegurar três objetivos específicos: que a destinação de terras públicas e devolutas não se faça em prejuízo da população do campo que aguarda a implementação do direito à moradia; que haja democratização do acesso à terra, desconcentrando a estrutura fundiária brasileira; e que a produção agrícola se diversifique, como garantia de alimentação adequada a todos os brasileiros e brasileiras. “A MP 759 está absolutamente dissociada de quaisquer dessas metas”, informa o documento.

Regularização fundiária urbana 

No que se refere à regularização de terras na cidade, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão aponta que a MP 759 é marcada pela falta de participação popular no planejamento municipal, pela ausência de diálogo com planos diretores da cidade e com o próprio licenciamento ambiental e urbanístico – indo na contramão de diretrizes legais que versam sobre o tema, tais como os artigos 29 e 182 da Constituição Federal, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) e o Tratado sobre cidades, vilas e povoados sustentáveis, elaborado durante a ECO-92.

Não bastou à Constituição Federal assegurar que todos e cada integrante da sociedade brasileira fosse sujeito de direito. Era também preciso garantir que essas pessoas, até então excluídas dos espaços públicos, tivessem ali voz e vez. Daí por que a Constituição instituiu a necessidade de uma política de desenvolvimento urbano, cujo objetivo é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. As propostas contidas na MP 759 ignoram essa concepção de cidade inaugurada pela Constituição de 88”, diz o documento do Ministério Público Federal.

O texto ressalta ainda que, ao desconsiderar as determinações do Estatuto da Cidade, a MP 759 incide em outro grave vício: o em retrocesso em matéria de direitos fundamentais – o que é vedado pelo dever de progressividade assumido pelo Brasil no Protocolo de San Salvador e no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Proteção ambiental

No que diz respeito ao desmatamento, a nota técnica aponta que, além de não conter instrumentos eficazes para deter o problema, a MP 759 torna mais frágil a proteção ambiental. “Ao passar para o domínio privado uma quantidade enorme de terras públicas e devolutas, a MP dificulta em demasia a criação de áreas de proteção ambiental. Isso se dá em função do diminuto estoque de terras públicas e devolutas que resta para tal fim e pelo custo implicado na aquisição de áreas privadas, especialmente em tempos em que os gastos públicos estão reduzidos”, diz o texto.

A nota alerta ainda para o risco de que a Medida Provisória venha a potencializar os danos ambientais com a ampliação, para todo o País, do programa Terra Legal – antes restrito à Amazônia Legal. O texto ressalta que não há evidências empíricas de que o Terra Legal, instituído pela Lei 11.952/2009, tenha resultado em diminuição do desmatamento e destaca fragilidades ambientais trazidas pelo programa.

Acesse aqui a íntegra da nota.