Projeto Acolher atende na rua a dependentes químicos e migrantes sem destino certo em Porto Velho

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Rosimeire Gonçalves, 52 anos, paranaense de Maringá, escolhe uma peça de roupa na tenda do Projeto Acolher
Rosimeire Gonçalves, 52 anos, paranaense de Maringá, escolhe uma peça de roupa na tenda do Projeto Acolher
Rosimeire Gonçalves, 52 anos, paranaense de Maringá, escolhe uma peça de roupa na tenda do Projeto Acolher

Noite de quarta-feira, 5 de outubro de 2016, 20h: no canteiro central da avenida Jorge Teixeira, em frente à rodoviária de Porto Velho, o gerente de transportes, Abidão Filho, desembarca equipamentos transportados pelo caminhão baú.

Minutos depois, a equipe carrega o gerador de energia, mesas, cadeiras, material higiênico, banners, bebedouro, material para testes rápidos presenciais de HIV, sífilis, e hepatites B e C.

Começa mais uma missão do Projeto Acolher, mantido pela Superintendência Estadual de Políticas Sobre Drogas (Sepoad), sediada no bairro Liberdade.

No meio da avenida, 25 integrantes do programa, incluindo voluntários, distribuirão sopa, cachorro quente e refrigerantes a moradores de rua.

Entre o período da manhã e o começo da tarde da quarta-feira, as cozinheiras Ângela Maria de Freitas, Suzirene Nunes da Silva e Valdirene da Rocha Torales prepararam alho, batata inglesa, carne patinho sem osso, cebola branca, cenoura, cheiro verde, chuchu, macarrão espaguete longo, mandioca, manteiga, pimenta de cheiro, óleo de soja e repolho.

alimentos-p-sopao-crepad-5 Cozinheiras do Crepad preparam alimentos para o sopão de quarta-feira à noite
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Cozinheiras do Crepad preparam alimentos para o sopão de quarta-feira à noite

Segundo a gerente de Tratamento, psicóloga Dioneia Martins Marinho, o programa tem 14 meses de atividades, e neste período atendeu a cerca de 700 pessoas, numa média de 50 por mês.

“Às vezes tem mais gente, às vezes tem menos, nesta abordagem noturna. Assim, nossa equipe multidisciplinar obteve experiência e vem se fortalecendo pelo voluntariado que socorre pessoas em situação de risco pessoal e social”, ela explicou.

“A sensibilidade à adesão é a parte importante a comemorar”, afirmou a assistente social, Lídia Barbosa.

“No dia seguinte ao preenchimento da ficha, a gente se entristece com aqueles que perdem oportunidades, mas nos alegramos com os que ficam à disposição de grupos terapêuticos, aprendendo ou desenvolvendo talentos musicais”, observou Norma Reis, integrante da equipe da Gerência de Tratamento.

Todos os que passam pelo programa têm a chance da reinserção. A equipe articula o atendimento completo na rede de serviços socioassistenciais.

Pesquisa nacional sobre a população em situação de rua apontou em 2008 o alcoolismo e drogas como principais motivos de doença para 35% dos entrevistados.

O desemprego foi a causa para 29,8%, e 29,1% buscaram a rua por desavenças com pai/mãe/irmão. Dos entrevistados, 71,3% citaram um desses três motivos, que podem estar relacionados ou um ser consequência do outro.

Às 20h30, as mesas brancas de plástico são limpas com álcool e papel toalha. Raimundo de Lima, 37, solteiro, vindo de Manaus (AM), bebe dois copos d’água. Chegou sexta-feira da semana passada, disputará um terreno numa invasão da zona Leste e promete cursar o Ensino Fundamental.

Às 20h35, a segunda pessoa a entrar na tenda, Rosimeire Aparecida Gonçalves, 52, bem magra, fixa o olhar na arara cheia de roupas e, no chão, namora um par de sandálias de borracha. Com sinais de debilidade mental, conta um pouco de sua história em Maringá e Astorga [noroeste do Paraná], onde catou algodão. Segundo relata, há 18 anos em Rondônia trabalhou num sítio próximo à BR-364, sentido Guajará-Mirim, onde o marido Germando da Silva, picado por cobra, morreu sem socorro. “Fiquei por aqui, não aguento o frio daquela cidade [Maringá], mas os meus filhos [Fabiano, 29, e João Patrício, 26] estão lá, eles trabalham”.

Às 21h, a Kombi sai rumo à região Central da cidade e porto do Cai N’Água. Na sequência, o bairro Areal, campo de futebol 13 de Setembro; e avenida Pinheiro Machado.

Às 21h10, a paranaense Rosimeire volta, “percorre” com o olhar a arara de roupas e é convidada a tomar banho na rodoviária.
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Moradores de rua e migrantes aguardam o preenchimento do cadastro do Crepad
Moradores de rua e migrantes aguardam o preenchimento do cadastro do Crepad

Às 21h19, a assistente social, Gleice Torres, anota informações dadas pelo migrante Ernaldo Batista de Souza, 42, vindo de Rondonópolis (MT). Conta que trabalhou no comércio, em garimpo e numa fazenda. Diz que tem um filho, mas perdeu contato com a família.

“O objetivo maior da abordagem é perceber se existe interesse da pessoa em se tratar. Alguns aceitam”, comentou o assessor na superintendência, Domingos Prado.

Às 21h35, o voluntário barbeiro Romeu Brandão aguarda o momento para o primeiro corte. Também faz barba. “Acompanho essa equipe e desde o começo me apaixonei pelo projeto”, disse. Maranhense de Imperatriz, Romeu tem salão na esquina das ruas Mamoré e Cristina.

Às 21h48, a equipe da Diretoria de Saúde da Polícia Militar começa a examinar as pessoas nos testes rápidos e pressão, cujos resultados são anunciados minutos depois. Desta vez, a sargento Ana Lúcia, o soldado Hilber e a cabo Edelwas, constatam apenas casos negativos. Portadores de alguma das doenças investigadas são costumeiramente encaminhados aos psicólogos do Crepad, no dia seguinte aos testes.

“Deus é bom, eu tô na consequência dos pecados do meu passado, o senhor compreende?”, tenta explicar-se José Cláudio da Silva, 44, que morou 20 anos em Fortaleza (CE), onde ainda residem a mãe e a família toda. Passando sucessivamente a mão no rosto e na testa, ele conta que pede comida em pequenos restaurantes e entrou na terceira noite “sem dormir”. “Só um momentinho, eu vou pra fila”, interrompe o depoimento para sentar-se numa cadeira próxima à mesa da assistente social.

Às 21h59, a equipe serve as primeiras cumbucas plásticas de sopa no lado direito da tenda, sentido Trevo do Toque. Nesse horário, a fila para cadastro diminui e as assistentes ordenam mais banhos.

“O trabalho vale a pena, eles se sentem mesmo acolhidos”, disse a assistente Patrícia Braga da Silva, afirmando estar feliz com mais este resultado do atendimento.

O voluntário Antonio Fredy, funcionário da Seduc [Secretaria de Estado da Educação], sorri ao reunir algumas pessoas dispostas à recuperação da dependência química na Casa de Apoio Jesus Transforma, mantida pela Igreja Batista Filadélfia no Bairro Nacional. Anteriormente, todos eram amparados pelo programa Cristolândia, de São Paulo. “Nem todos de dispõem a isso”, lamenta. “Conheço cinco que saíram das ruas, estudaram e três já são líderes do movimento. Eles descobrem o amor de Deus na vida deles. Eu mesmo sou um”, conta emocionado. E aponta o filho Vinícius, que o auxilia pela primeira vez: “Ele viu a minha transformação”.

Às 22h10, de um lado a outro da tenda, as pessoas circulavam, algumas puxavam conversa e apertavam as mãos de servidores do Crepad, de repórteres e de outros visitantes em agradecimento.

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Fonte
Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Ésio Mendes
Secom – Governo de Rondônia