Porto Velho, a capital mais jovem, foi emancipada mas não emancipou-se

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Foto aérea da nascente Porto Velho, pelas lentes de Dana Merrill. Bem à esquerda, uma das três caixas d’água, símbolo máximo de representação icônica da cidade

Por José Armando Bueno (*)

A data de hoje é meramente uma burocracia da história, que marca a predileção nacional pelo culto à preguiça, à inatividade e à incrível capacidade para criar datas para fugir ao trabalho. O aniversário de Porto Velho já foi comemorado em outubro do ano passado. Agora é apenas a “comemoração” à emancipação, uma criação legislativa daquelas tão comuns e inúteis pela falta do querer legislar verdadeiramente. Mas é preciso um registro esquecido: Porto Velho é a mais jovem capital brasileira, excluídas por óbvio a capital federal e a dos estados novos como Palmas, Tocantins, e fusões como Guanabara e Rio de Janeiro.

Esta imagem é a referência do nosso estágio de desenvolvimento social aos 103 anos. Mas cuidado com a negação e os índices oficiais artificiais, utilizados como ferramentas de ilusão

Até nossas co-irmãs regionais têm mais idade: Rio Branco (135), Boa Vista (127) e Macapá (259), todas originadas de territórios federais como Porto Velho. Sim, somos a irmã caçula dentre as capitais deste país-continente, e talvez isto pudesse justificar nosso atraso na formação, desenvolvimento e a conquista de melhor qualidade de vida. Mas é apenas uma desculpa verdadeira para a nossa incapacidade em nos arrancar do ensino fundamental e alcançar logo o ensino médio, fazer a faculdade e, aí sim, buscar uma especialização, uma pós, um doutoramento. Mas isto vai levar tempo, muito tempo, mais do que poderíamos suportar e este será um trabalho de gerações.

Mas, afinal, que destino cruel é este cujos índices oficiais nos colocam no final da fila em quase tudo? Não é destino. Não é sina. É apenas a aceitação tácita, quase explícita, da crueldade que governantes dedicam ao estupro continuado desta jovem que submete-se, qual adolescente-criança, ao poder e força de mafiosos, bandoleiros, verdadeiros açougueiros de carne humana. A cada quatro anos trocamos de estupradores, quando não permitimos que eles façam notável esforço para manterem-se oito anos no desserviço. Geramos notável riqueza, pois estamos na primeira metade dentre todas as capitais na proporção do PIB, hoje próximo dos R$ 30 mil/per capita/ano. Ainda que esta seja uma régua ruim, é a mais utilizada, ora pra medir bem-estar, ora pra medir riqueza.

Tão verdadeiro quanto cruel, este é o tratamento dado aos recursos públicos

Sim, geramos riqueza como gente grande, e vivemos como miseráveis. Então, pra onde vai tanto dinheiro? Para as mãos e bolsos de poucos, como não se cansa de registrar a mídia, quase diariamente. É um dos grandes males do século. A prefeitura de Boa Vista, cuja população é pouco mais da metade de Porto Velho, tem um orçamento semelhante ao nosso. Por aqui, o gasto público é muito ruim, mal distribuído, mal aplicado, mal gerenciado, e a complexidade da engenharia orçamentária é perversamente mantida para garantir os fluxos contínuos dos negócios escusos, ou ajambrados com falsos mantos de legalidade. E criam-se novas formas de controle não para controlar, mas para ter o domínio sobre recursos que tornam-se escassos não apenas pela queda na arrecadação, mas especialmente pela fome incansável de algumas bocas. Aí concentram-se licitações num único grupo, e criam-se filtros para supostamente controlar os custos, mas cujo objetivo é controlar os destinatários de cada centavo.

Não aproveitamos NADA das nossas potencialidade econômicas

Então, quando comemoramos a “emancipação”, vivemos o contraditório. A capital foi emancipada, mas não emancipou-se! Como podemos comemorar isto quando os direitos adquiridos pela emancipação não foram convertidos em maturação? É como emancipar uma criança para dar-lhe o direito a realizar coisas para as quais ela não tem a menor noção dos riscos e malefícios. Mas, enfim, estamos emancipados há 103 anos, tempo suficiente para termos feito doutoramento em diversas áreas e pós-doutoramento em aproveitamento das nossas capacidades inerentes, como a extensão territorial inexplorada, a província mineral espoliada, a capacidade agrícola sufocada, a fonte de energia sub-utilizada e a posição e estrutura logística ignoradas, variáveis não apenas quantitativas mas especialmente qualitativas para o desenvolvimento econômico. É uma irracionalidade brutal ou uma burrice monumental? Ambas as alternativas são de uma estupidez inominável.

É bastante provável que esta garota de 103 anos continuará sua vida como explorada e vilipendiada por décadas, até que alguém com poder e autoridade para interromper este ciclo de danos, faça-o de modo inequívoco. Sem lives.