OS CANDIDATOS E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS

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GAUDÊNCIO TORQUATO

Busquemos, mais uma vez, a âncora expressiva de José Ortega Y Gasset: “eu sou eu e minha circunstância”. A identidade do homem se forma a partir das coisas que o circundam. Compreender a dimensão humana é, pois, um exercício que implica compreender a realidade que a cerca. A metáfora estampa a força do conceito: se uma pessoa está se afogando deve buscar na própria água em que se afoga apoio para se salvar. A recorrência ao celebrado autor de “A Rebelião das Massas”, livro que retrata as grandes transformações do século XX, parece convir nesse momento em que emergem os perfis a se envolverem no pleito presidencial de 5 de outubro. A questão suscitada pelo ensinamento de Gasset é: que nomes arrastariam com mais força para as urnas as circunstâncias que os cercam?

Tentemos decifrar o emaranhado de situações que balizam as identidades de possíveis candidatos, lembrando que as histórias de cada um abarcam um sem número de circunstâncias, um continuum de atos e eventos que formam camadas superpostas às imagens captadas pelo sistema cognitivo dos eleitores. Lula é a fotografia mais nítida do pobre que ascendeu ao mais alto posto da República. É o mais forte exemplo da dinâmica social no país, a denotar a ideia de que os mais humildes podem chegar ao lugar dos poderosos. A trajetória de Luis Inácio, rica de situações que mexem com o imaginário popular, joga-o, mais uma vez, no palco eleitoral, podendo guindá-lo ao assento presidencial (caso não seja condenado pela Justiça) ou afastá-lo por um bom tempo do centro da política.

AS HIPÓTESES

As circunstâncias que cercarão o pleito, desde as que ocorrem no momento –   Lula e a justiça, economia recuperada ou piorada, alianças partidárias a serem construídas em torno dos candidatos, a incógnita que paira sobre eventuais nomes do centro, polarização de discursos, manifestações de rua – determinarão vantagens e desvantagens de cada pleiteante. Portanto, importa, primeiro, levantar hipóteses que balizarão a campanha eleitoral. Para começar, o cenário de economia recuperada, com inflação baixa, juros em queda, emprego crescendo, será a sombra que deverá acolher o candidato do sistema governista. A tese de que a melhoria do bem estar social favorece o governismo é plausível. A recíproca é verdadeira. Se a situação do país piorar, com desequilíbrio nos eixos da economia, o maior beneficiado seria Lula ou o candidato que vier a substituí-lo. O mercado aposta que o ambiente social tende a melhorar.

A hipótese ganha fôlego caso a reforma da Previdência seja aprovada em fevereiro ou março. A animação de investidores e o maior consumo criarão o ambiente propício para beneficiar candidatos envolvidos na equação econômica. A rebaixada nota do Brasil pela Standards & Poors pode voltar a ser melhorada. As oposições – PT, PDT, PSB, PSOL e adjacências – seriam acuadas, restando-lhes o previsível discurso contra a privatização de estatais, “a entrega do patrimônio nacional a grupos estrangeiros”, críticas às reformas Trabalhista e da Educação, a Lei da Terceirização, a PEC do teto dos gastos, o decreto sobre Trabalho Escravo, ministros implicados na Justiça, entre outros temas. Esse acervo terá sempre um grupo disposto a aplaudir, porém em número menor que o dos batalhões do passado.

Duas hipóteses circundam Lula. A primeira é sobre sua condenação por 3 a 0 ou 2 a 1. Há quem o veja caindo na malha da Ficha Suja, sendo impedido de se candidatar seja qual for o resultado. Nesse caso, o PT teria um substituto, sendo os mais prováveis Fernando Haddad e Jaques Wagner ex-prefeito de São Paulo e ex-governador da Bahia, respectivamente. Difícil a vitória de um ou outro. A segunda hipótese é a de que Lula, mesmo perdendo por 3 a 0, garantiria o nome nas urnas, usando os recursos a que teria direito. Seria julgado no final pelo STJ ou pelo STF. Mas a demora viabilizaria a inserção de seu nome nas urnas. Derrotado antes do pleito, Lula veria o jogo terminar. Se fosse condenado apenas após a eleição, abriria o imbróglio: teria a Justiça condição de cassar uma candidatura lastreada em 50 milhões de votos? O pleito seria anulado e novas eleições seriam convocadas?

AS FORÇAS DE CENTRO

Emergem, agora, as circunstâncias que cercam os candidatos do centro. A primeira é sobre dispersão de votos, caso haja quatro a cinco nomes. A diluição dos votos no centro reforçaria posições de perfis sediados nas extremidades do arco ideológico, direita e esquerda. O mais votado do centro disputaria o 2º turno com um dos dois candidatos dos cantos – Bolsonaro, Lula ou seu substituto. Candidato de esquerda ou centro-esquerda poderia puxar o apoio de Ciro Gomes, Marina Silva, Guilherme Boulos, entre outros. Já Bolsonaro, esse veria fechada a porta do segundo turno. Teria menos de 30 segundos de TV.

Outra hipótese é a união das forças de centro em torno de um único candidato. Esse é o melhor cenário, na medida em que reuniria a máquina dos grandes e médios partidos – MDB, PSDB, PP, PRB, PTB, PSD – evitando a dispersão de votos. Essa ideia passa pela decisão sobre reforma da Previdência. Se Alckmin, por exemplo, quiser o apoio do MDB e de outros partidos que formam a coligação governista, deve mobilizar os parlamentares tucanos para votar a favor daquela reforma. O gesto teria forte apelo junto ao presidente Michel Temer. Se a ala tucana se dispersar, será difícil ao governador formar gorda parceria.

Considere-se ainda a possibilidade de um ambiente social instável, com militância digladiando nas ruas, discursos acirrados e polarização de posições. Eventual clima de alta temperatura poderá gerar confrontos, acirrando ânimos e ampliando o fosso social. Ir às urnas sob fervura é uma situação que impede a harmonia, meta tão ansiada. O Brasil passou longo tempo convivendo com o apartheid estabelecido pelo petismo. Clama agora por paz. Essas constituem algumas circunstâncias que ditarão o sucesso ou o insucesso dos competidores.

 

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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