ELISÂNGELA SURUÍ, DE CACOAL, É A PROFESSORA NOTA 10 DO BRASIL

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Elisângela Dell-Armelina Suruí, de 38 anos, foi premiada por seu projeto de alfabetização na língua indígena Paiter Suruí em Cacoal. (Foto: Carol Moreno / G1)

A rondoniense Elisângela Dell-Armelina Suruí, da cidade de Cacoal, a mais de 400 quilômetros de Porto Velho, é a grande premiada na 20ª edição do Prêmio Educador Nota 10. Ela alfabetizou uma turma multisseriada do 1º ao 5º ano da EIEEFM Sertanista Francisco Meireles, que enfrentava dificuldades tanto para entender os materiais didáticos em língua portuguesa quanto para escrever no idioma Paiter Suruí, de sua aldeia.

“A dificuldade que nós tínhamos em ensinar a língua portuguesa foi um dos geradores desse projeto”, disse Elisângela. A docente decidiu, então, produzir seu próprio material didático, com a ajuda dos alunos. Fez um caderno de atividades de leitura e escrita na língua materna dela e de seus alunos, a Paiter Suruí.

A cada atividade de pesquisa de forma oral com sua comunidade, os alunos traziam o que aprenderam e construíam uma atividade de alfabetização sobre o tema. Como se tratava de uma turma multisseriada, cada um contribuía com a produção da atividade de acordo com seus conhecimentos. No final, todos avançavam.
O material ainda estabeleceu relações entre a língua portuguesa e a linguagem de sinais, já que há muitas pessoas com deficiência auditiva entre o povo Paiter. “Agora é continuar os novos projetos que ja começamos, já temos outros projetos de fazer enciclopédia e outros textos com as crianças para dar continuidade à aprendizagem”, comentou.

O projeto de Elisângela, batizado de “Mamug Koe Ixo Tig”, que significa “A fala e a escrita da criança”, incluiu a elaboração de um material didático próprio em Paiter Suruí para os 15 alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, que estudam todos na mesma sala multisseriada.

No total, a escola tem apenas 33 alunos e é uma de dez escolas localizadas na terra indígena dos Suruí em Rondônia, que tem cerca de 1.800 habitantes. Terra que não é natal de Elisângela, mas adotiva.

Nascida em Ji-Paraná, em Rondônia, ela se mudou com seis anos com o pai, caminhoneiro, e a madrasta, para o Sudeste. Até então, ela ainda não tinha sido registrada. “Fui registrada com seis anos em Vila Valério, no Espírito Santo.” Ela se formou no ensino médio em terras capixabas, mas voltou para o Norte com 20 anos, para a casa da bisavó, em Cacoal.

“Foi então que fiquei sabendo de uma oportunidade para ser professora na comunidade.”

Elisângela se mudou para a aldeia Nabeko D Abadakiba e se tornou parte dela. Acabou se casando com um indígena, com quem três filhos, de 15, 12 e dois anos.A imagem pode conter: 1 pessoa, sorrindo, em pé

De monitora voluntária a professora titular

Quando se mudou para a aldeia, em 2001, Elisângela trabalhou na escola de forma voluntária, como monitora de um professor. Depois da pressão dos moradores para que ela tivesse uma formação na área, ela decidiu se matricular na faculdade de pedagogia. Como na aldeia não existe nem faculdade, ela se matriculou na graduação a distância na Unopar. E como na aldeia não tinha internet, ela precisou percorrer a distância de 50 km até a cidade uma vez por semana durante três anos e meio. “Eu fazia tudo de uma vez, em um dia só.”

A graduação, porém, serviu de trampolim para uma série de cursos de formação continuada para professores indígenas do governo de Rondônia e também uma pós-graduação em gestão, supervisão e orientação.

Material de apoio

O projeto “Mamug Koe Ixo Tig” surgiu quando ela viu a necessidade de elaborar o próprio material didático. “Na nossa sala tem livros em língua portuguesa e um alfabeto e palavras soltas na língua materna. Então as crianças precisavam de um material de apoio”, reconta ela.

A iniciativa da professora serviu para mais do que alfabetizar os 15 estudantes em sua língua materna. “Com esse projeto, a nossa língua nunca será esquecida”, afirmou, em um depoimento em vídeo, uma das moradoras da aldeia.

Trabalho a ser replicado

Elisângela explicou que seu projeto foi feito para os falantes de Paiter Suruí, mas pode ser replicado em outras comunidades indígenas e quilombolas pelo Brasil. O fato de essas línguas serem de tradição oral e de as comunidades perderem cada vez mais moradores para as cidades impede a transmissão do conhecimento para as novas gerações.

“O conhecimento está com os mais velhos, e é importante levar esse conhecimento para a sala de aula.”

No caso da pequenina escola

Sertanista Francisco Meireles, em Cacoal, a sala de aula era praticamente o único lugar interno disponível aos alunos. “Os alunos estão muito distantes, a realidade deles é outra”, explica ela, afirmando que não há computadores, internet, quadra esportiva ou biblioteca. “A escola tem três salas de aula, uma cozinha, um refeitório e dois banheiros.”

O projeto, porém, extrapolou as paredes da escola, com atividades de campo na aldeia e nos arredores da floresta. Entre os dez finalistas do prêmio, o projeto de Elisângela foi o que viajou de mais longe até a cerimônia desta segunda-feira.

“Não pode vir ninguém, porque é muito longe e a logística é muito difícil”, explicou a professora no palco da Sala São Paulo, no Centro da capital paulista, ao receber o troféu Educador do Ano, no fim da cerimônia do Prêmio Educador Nota 10, realizado pela Fundação Victor Civita, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, a Fundação Lemann, a Associação Nova Escola e as empresas Somos Educação e Faber Castell Brasil.

Selecionada entre 5 mil inscrições

Em sua 20ª edição, o Prêmio Educador Nota 10 bateu recorde e recebeu 5.006 inscrições. Os 50 finalistas receberam uma assinatura de um ano do site Nova Escola Clube. Além disso, os dez vencedores, que tiveram seus nomes divulgados em agosto, receberam a mesma assinatura e um vale-presente de R$ 15 mil. A escola deles também recebeu um vale-presente no valor de R$ 1 mil.

Já o prêmio Educador do Ano, que Elisângela recebeu nesta segunda-feira, inclui ainda outro vale-presente no valor de R$ 15 mil. A escola onde o projeto foi implementado leva como prêmio R$ 5 mil em vale-presente.

Os dez vencedores do prêmio Educador Nota 10 de 2017 (Foto: Ana Carolina Moreno / G1)

 G1