“BRASIL: NUNCA MAIS” É UM LIVRO PARA QUEM TEM ‘SAUDADES’ DA DITADURA MILITAR

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Há 35 anos, contar a história era produzir um testemunho irrefutável. Divulgação.
O líder comunista Gregório Bezerra, preso no pátio do Quartel de Motomecanização em Casa Forte, Recife, em abril de 64, depois de ter sido torturado, arrastado com cordas no pescoço pelo bairro
O líder comunista Gregório Bezerra, preso no pátio do Quartel de Motomecanização em Casa Forte, Recife, em abril de 64, depois de ter sido torturado, arrastado com cordas no pescoço pelo bairro

Com uma pesquisa iniciada em 1979, em sigilo absoluto, um grupo se dedicou a apresentar ao público o mecanismo de repressão do regime militar brasileiro que prendia, torturava e matava. O resultado desse estudo pode ser conhecido em “Brasil: Nunca Mais”, uma das primeiras denúncias fortemente documentadas sobre os crimes cometidos pela ditadura no Brasil.

O volume traz detalhes de como funcionaram as agências de investigação, quais eram seus critérios, quem foram os principais perseguidos, os movimentos de esquerda existentes na época, como eram feitas as prisões e expõe as técnicas de tortura utilizadas nos presos políticos, com denúncias de que crianças e gestantes também foram submetidas a agressões físicas e psicológicas.

Há 35 anos, contar a história era produzir um testemunho irrefutável. Divulgação.
Há 35 anos, contar a história era produzir um testemunho irrefutável. Divulgação.

O reverendo Jaime Wright, religioso engajado em desmascarar as práticas dos porões da ditadura, ajudou a organizar manifestações públicas. Ele, dom Paulo Evaristo Arns e o rabino Henry Sobel foram responsáveis pelo projeto “Brasil: Nunca Mais”.

“A questão da repressão política é quase sempre levantada a partir de denúncias dos atingidos, ou de relatos feitos por entidades que se dedicam a defesa dos direitos humanos”, escreve Wright. “Mas a pesquisa ‘Brasil: Nunca Mais”, que deu origem ao título do livro, estudou a repressão exercida pelo regime militar a partir de documentos produzidos pelas próprias autoridades encarregadas dessa controvertida tarefa”.

Wright engajou-se no combate ao regime depois da morte do irmão. Ele largou a rotina de pregações no interior e passou a denunciar os crimes que não eram divulgados pela mídia de massa.

Publicado originalmente em 1979, “Dossiê Herzog”, um marco do jornalismo investigativo no Brasil, passou a ser visto como um importante documento de denúncia dos crimes da ditadura e de retrato da luta dos movimentos políticos que lutaram pela democracia.

Em 2014, quando o golpe completa meio século, historiadores, jornalistas e cientistas sociais debatem o período e as consequências da ditadura. Entretanto, livros publicados há mais de 30 anos sobre a tortura e o regime militar tornaram-se clássicos e mostram que ainda têm a ensinar. As edições são citadas, revistas, debatidas e rebatidas.

Leia um trecho de “Brasil:“Brasil: Nunca Mais”.
Como eram efetuadas as prisões

O labirinto do sistema repressivo montado pelo Regime Militar brasileiro tinha como ponta-do-novelo-de-lã o modo pelo qual eram presos os suspeitos de atividades políticas contrárias ao governo. Num completo desrespeito a todas as garantias individuais dos cidadãos, previstas nas Constituição que os generais alegavam respeitar, ocorreu uma prática sistemática de detenções na forma de sequestro, sem qualquer mandado judicial nem observância de qualquer lei.

Através da pesquisa BNM foi possível selecionar alguns casos, apresentado a seguir, que ilustram com fidelidade a prática rotineira das prisões ilegais ocorridas naqueles anos difíceis da vida nacional.

A funcionária pública Lara de Lemos, de 50 anos, narrou ao juiz-auditor, em 1973, como fora presa no Rio:

[…] a depoente estranhou a maneira pela (qual foi) feita a sua detenção, altas horas da noite, por três indivíduos de aspecto marginal, sem nenhum mandado judicial, os quais intimaram a depoente a acompanhá-los; no veículo para onde fora conduzida, fora encapuzada e obrigada a deitar-se no chão do carro para não ser vista; posteriormente veio a saber que o local de sua prisão era a P.E. (Polícia do Exército) […].

As capturas eram cercadas de um clima de terror, do qual não se poupavam pessoas isentas de qualquer suspeita, conforme carta, anexada aos autos, do estudante de Medicina Adail Ivan Lemos, de 22 anos, encaminhada à Justiça Militar Carioca em 1970:

[…] Quando entrei na sala de jantar, minha mãe, sentada escrevendo à máquina, chorava em silêncio. Um pouco antes, por volta das 15:30h, meu irmão tinha sido preso enquanto estudava. Minutos depois começou a ser agredido fisicamente, no quarto de minha mãe, levando, segundo suas palavras, “um pau violento”. Socos, cuteladas, empurrões, seriam “café pequeno” perto do que viria mais tarde. Mas, ainda ali, separado da mãe por alguns metros, teve sua cabeça soqueada contra a parede […].
BRASIL: NUNCA MAIS
EDITORA Vozes
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