Henrique Barbosa e DM
Terminou neste sábado (2), em Goiânia, o 42º Congresso da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), a maior organização estudantil do país ao lado da UNE. Os milhares de estudantes do ensino fundamental, médio, técnico e preparatório escolheram Pedro Gorki, 16 anos, estudante do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, como presidente da entidade pelos próximos dois anos.
A chapa de Pedro, “Secundas Em luta, em defesa da educação e do Brasil” obteve 2.101 votos de um total de 2.513 delegados, representando 83,7% da votação, Também participaram a chapa “Oposição UBES na rua”, que obteve 391 dos votos, contabilizando 15,5%, e “Articulação de Esquerda”, com 21 dos votos, totalizando 0,8% do pleito.
O Congresso da UBES reuniu cerca de 10 mil estudantes do ensino fundamental, médio e técnico do Brasil na capital de Goiás desde a última quarta (29). Foram realizados mais de 10 debates, com mais de 60 convidados das áreas da política, cultura e dos movimentos sociais.
Em uma grande passeata, os estudantes marcaram a sua posição contra a censura nas escolas e o projeto da Escola Sem Partido. A UBES também definiu a oposição da juventude às reformas do governo de Michel Temer e a adesão à greve geral convocada pelas centrais sindicais para o próximo dia 5 de dezembro.
Pedro Lucas Gorki, natural de Natal, Rio Grande do Norte, é desses adolescentes que parece sorrir com a mesma frequência que respira. Quando conversa com os outros, quase sempre sobre política, transmite um otimismo improvável para quem vive um dos momentos de maior descrédito da população no futuro do país. Sereno, voz doce e sotaque nordestino, emociona-se facilmente no meio de um assunto e não tem medo de que o interlocutor veja os seus olhos quando as lágrimas chegam. Porém, os que apostam na tese de uma pessoa frágil não sabem que ali na sua frente está um dos principais líderes da ocupação radical de escolas no Brasil nos últimos anos e agora presidente da maior organização de juventude secundarista de toda a América Latina.
Negro, com a idade de apenas 16, nascido em um bairro de pescadores e operários na periferia da capital potiguar, o novo presidente da UBES é um prato cheio para quem busca um cardápio de quebra de expectativas. A idade e o rosto indisfarçável de menino trazem a ideia de alguém ainda inexperiente na vida e na militância. No entanto, Gorki começou – inacreditavelmente – aos sete anos, quando falou em solidariedade às crianças palestinas em um ato de repúdio aos violentos ataques de Israel aos territórios ocupados no Oriente Médio, no ano de 2008. Na mesma época, batizou seu cachorro com o nome de Lênin e juntou-se a uma companheira da mesma idade em um projeto de fundação da União das Crianças Socialistas.
Os pais, embora atuantes no movimento sindical e na política de Natal, enfrentaram o desafio de lidar com a precocidade do filho. Quando Pedro tinha 11, foram chamados ao Colégio Nossa Senhora das Neves para ouvir a preocupação da coordenação com um livro encontrado com o menino. Era “Assim falava Zaratrusta”, do filósofo alemão Friedrich Nietzche. Aos, 12, já estava lendo Casa Grande e Senzala, do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, falando no microfone durante greves, manifestações e participando ativamente das jornadas de junho de 2013 que mudaram o país. Naquela época, pediu à mãe para ficar acampado na ocupação da Câmara Municipal de Natal, mas o pedido foi negado.
Porém, em 2016, quando tinha 15 e o Brasil começava presenciar a explosão da resistência nas escolas contra o governo Temer, a Reforma do Ensino Médio e o desmonte na educação do país, as ocupações e Pedro iriam finalmente se encontrar. Ele planejou e liderou centenas de outros jovens na tomada do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, a maior instituição do gênero no estado. Em seguida, levou a mesma ação a dezenas de outras escolas da capital e transformou o Rio Grande do Norte em um dos pólos do movimento no país. A ação mais radical ainda estaria por vir: a ocupação da secretaria de Educação do estado, pelos estudantes, que tornou Gorki uma liderança nacional e chamou a atenção dos movimentos de juventude de todo o país. A ocupação durou dez dias e o grupo de Pedro conseguiu pressionar o governador Robinson Faria (PSD), que foi obrigado a se reunir e negociar com os estudantes.
A ocupação trouxe vitórias como a melhoria na rede pública estadual e a reconstrução da União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas de Natal (UMES), que estava desativada. Pedro foi eleito presidente da organização ainda no final de 2016 e, menos de um ano depois, já chegou a presidente da UBES, representando quase 50 milhões de estudantes brasileiros do ensino fundamental, médio, técnico e profissionalizante. “Acredito que a UBES é uma entidade histórica, que completa agora seus 70 anos e que já demonstrou com as ocupações que pode ser uma força capaz de mudar o jogo de forças no Brasil. Este será um novo período de muita luta nas escolas”, promete.
Entre as prioridades de Gorki está o combate à censura nas escolas, à lei da mordaça e projetos como o da Escola Sem Partido: “A sociedade brasileira está cansada e desanimada com tudo o que vem acontecendo. Em um momento assim, infelizmente aparecem projetos autoritários como esse, assim como foi na Alemanha antes do nazismo, na Itália antes do fascismo. Isso precisa ser combatido. A escola que queremos é democrática, transformadora, libertadora”, justifica. Ele também destaca a necessidade de revogar a PEC do congelamento dos investimentos públicos na educação e garantir o acesso dos jovens pobres à universidade.
Consciente de quem é, da sua cor e de onde veio, Pedro se lembra de apenas um momento quando a mansidão e a calma do seu temperamento ferveram e entornaram o caldo. Com um soco, atingiu um colega de escola que o chamou de “negro imundo”. Chegou a se arrepender, chorar e receber o pedido de desculpas do garoto nos dias seguintes, mas fortaleceu as suas convicções na luta contra o racismo no Brasil. Assumindo a UBES após três meninas na sequência (Manuela Braga, Bárbara Melo e Camila Lanes), ele diz que busca entender cada vez mais as conseqüências do machismo na sociedade e o desafio da igualdade entre os gêneros. Afirma que fará uma gestão com ampla participação feminina e LGBT.
Por incrível que pareça, Pedro ainda é um jovem normal, interessado em se divertir e aproveitar a sua idade. É apaixonado por futebol e torcedor aguerrido do América –RN, que hoje disputa a série D do campeonato brasileiro.Vai ao cinema e também assiste a seriados em casa, é fã de literatura e possui mais livros do que roupas no armário. Na música, gosta de muita coisa, do rock à MPB. Tem como um dos ídolos o cearense Belchior, cuja morte lamentou em 2017. É dele a autoria de uma das frases favoritas de Pedro: “Amar e mudar as coisas me interessa mais.” A partir de hoje, o que interessa a esse menino também interessa ao futuro de toda a juventude Brasil.
“Com muita honra fui hoje, aos 16 anos, eleito presidente da UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, entidade que completou 70 anos de vida. Somos a geração que ousou ocupar milhares de escolas em todo o país. Fizemos das ocupações um ensaio de como a escola deveria ser: formadora de cidadãos e cidadãs, democrática e inclusiva. Somos a geração que assumiu a dianteira da história. Unindo comunidade escolar, pais, estudantes e professores, assumimos o protagonismo no enfrentamento ao atraso e ao conservadorismo. Provamos que os jovens e os estudantes no Brasil precisam ser levados a sério. Ser estudante e jovem, pra mim, é sinônimo de esperança e de futuro. Ocupamos tudo e não voltaremos atrás. Vem muita luta por aí”, postou Pedro após a vitória.
Com o exemplo vindo de casa, não foi difícil para Gorki se apaixonar pelos movimentos de luta. Ele fez parte e fundou o grêmio estudantil no colégio em que estuda, o Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) da Cidade Alta. O menino grande pretende se formar em Direito, ele assumi o cargo de presidente da Ubes que pertencia a Camila Lane do Paraná.
ENTREVISTA
DM–Qual a importância histórica do movimento secundarista para o país?
Gorki–Ele é fundamental para pautar uma coisa que infelizmente não é debatido no âmbito político brasileiro que são os estudantes e as escolas. Os mais velhos costumam focar muitos nos problemas da sociedade como saúde, segurança, universidades. Mas se não for os movimentos secundaristas quem vai pautar a qualidade das escolas Brasileiras principalmente as escolas públicas. É fundamental para que o futuro do país, que está na lista educação, mas não podemos cair no erro de achar que os estudantes são apenas o futuro do país, somos o presente também.
DM–O jornalista Batista Custódio, editor do Diário da Manhã, diz que existe uma diferença crucial entre os estudantes secundaristas e os universitários. Ele acredita que os secundaristas conseguem fazer e provocar mais mudanças. E o motivo seria esse: os secundaristas ainda trazem a rebeldia da adolescência, ainda que estejam saindo ou fora dela. E os militantes universitários acabam mais adultos, próximos de valores profissionais. Tem sentido a reflexão? Os movimentos são diferentes?
Gorki–Eu concordo com certeza, até por que eu sou adolescente. A Ubes é uma rebeldia consequente e é assim por que é feita por jovens de todo o Brasil. Conseguimos reunir grande número de pessoas por todo o país e isso se deve ao fato da nossa idade, o sangue no olho de cada um aqui, a vontade que temos em mudar o mundo. Não que o universitário não tenha, mas vemos muito mais oportunidades de fazer isso. Há muito mais dificuldadea nas escolas públicas do que nas universidades, isso com certeza leva mais gente a rua dispostas a mudar o mundo e a educação como um todo
DM–Daqui para frente como será a posição dos secundaristas com relação às reformas educacionais de Michel Temer?
Gorki–Queremos fazer uma gestão que consiga chegar em cada estudante. Eunpor exemplo, sou de um estado que não está no eixo da política brasileira. Então eu sei qual é a dificuldade em chegar até essas salas de aulas mais distantes e comover essa galera, mas eu tenho certeza que se você perguntar a qualquer sala de aula nesse país, não terá um que irá levantar a mão para dizer que está feliz com a educação do jeito que está. Queremos chegar em cada vez mais estudantes, chamar para uma discussão, para um protestozpara que ocupem seus lugares de fala e seu lugar na política. Por que o próximo presidente da Ubes ou o próximo presidente do Brasil pode Ester sentado em uma carteira da escola só esperando a gente chegar para um debate, um protesto, para que ele saiba que também tem outros secundaristas e outras pessoas que estão preocupados com a educação brasileira. Vamos mostrar para o governo de Michel Temer que não defendemos a reforma do ensino médio que foi feita por ele, e por seus aliados que nunca passaram por uma escola pública na vida e não tem noção da realidade do povo brasileiro. Só pode existir essa reformulação se for feita pelas mãos do povo brasileiro, pela mãos dos estudantes, professores, pedagogos e todos aqueles que, de fato, vivem essa realidade das escolas. Somos contra o golpe e qualquer retrocesso no ensino médio.
DM–Você esteve presente na política desde muito novo, como você se vê dentro do meio político?
Gorki–Não tenho né palavras, a política é fundamental na minha vida, e não a política partidária, mas a política que fazemos no dia a dia,como quando um estudante reclama que o ar condicionado está quebrado, quando o aluno reclama que não há democracia na escola ou um diretor ausente. O que eu quero mostrar para os secundaristas é que a gente pode mudar o mundo, não importa a idade, condição social.
DM–Os líderes secundaristas do passado tornaram-se políticos tradicionais, caso de Iris, Henrique Meirelles, Pedro Wilson. Vocês não correm o risco de repetir o passado?
Gorki–Eu não sou contra, de forma alguma, que a gente ocupe os espaços de poder, muito pelo contrário, temos que cada vez mais buscar esse espaço. Nosso jovens hoje tem que chegar no congresso, ser contra as reformas trabalhistas, a reforma da previdência. Mas a questão da política tradicional eu acredito que seja questão de caráter, graças a Deus eu tenho meus pais que são grandes orientadores e eu tenho certeza que isso não vai acontecer comigo.
DM–Existe espaço para a direita no movimento secundarista?
Gorki–Com certeza, a Ubes é um movimento democrático e há movimentos de direita dentro da Ubes, infelizmente eles não se organizaram para estar aqui hoje, mas eles fizeram suas movimentações, inclusive elegeram seus delegados para estarem aqui votando hoje. A escola brasileira é muito plural, muito plural, temos os jovens aqui que apoiam e o Lula, que apoiam o Ciro Gomes, que apoiam o Bolsonaro, há espaço para todos, aqui é um lugar para discussão. O congresso da Ubes é o reflexo dessa pluralidade, tanto que você pode ver diversas bandeiras de diversos movimentos aqui.
DM–Quais serão as pautas da chapa 3,a chapa eleita?
Gorki–Podemos resumir nossa chapa em duas palavras: resistência, resistência ao golpe, pela educação pública, contra as reformas do ensino médio que não condiz com a realidade, contra a lei da mordaça. E esperança, esperança num dia melhor, num mundo melhor e na própria juventude. Nossas pautas serão grandes jornadas de lutas, principalmente agora em março que foi o mês em que o estudante secundarista Edson Luís, que foi morto por ser contra a ditadura militar. Vamos ocupar as ruas, as praças e nosso local de luta, vamos descomemorar a morte dele e comemorar a vida de luta dele.
DM–Então as ocupações nas escolas em 2018 tendem a continuar?
Gorki–Vamos lutar cada vez mais, lutar pelo ensino médio, público e de qualidade, também vamos lutar cada vez mais pelo ensino técnico, eu sou estudante de uma escola técnica, então essa é uma pauta importante pra mim. A gestão passada sofreu um golpe no meio da gestão, a presidenta que foi legitimamente eleita foi tirada do poder. Nossa gestão será moldada durante o tempo e sim, com certeza as ocupações continuam se assim forem necessárias.